quinta-feira

JULGAMENTO EM NUREMBERG


JULGAMENTO EM NUREMBERG (Judgment at Nuremberg, 1961, United Artists, 186min) Direção: Stanley Kramer. Roteiro: Abby Mann. Fotografia: Ernest Laszlo. Montagem: Frederic Knudtson. Música: Ernest Gold. Produção: Stanley Kramer. Elenco: Spencer Tracy, Burt Lancaster, Marlene Dietrich, Richard Widmark, Maximilian Schell, Judy Garland, Montgomery Clift, William Shatner. Estreia: 14/12/61

11 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Stanley Kramer), Ator (Maximilian Schell, Spencer Tracy), Ator Coadjuvante (Montgomery Clift), Atriz Coadjuvante (Judy Garland), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem, Figurino, Direção de Arte
Vencedor de 2 Oscar: Ator (Maximilian Schell), Roteiro Adaptado
Vencedor de 2 Golden Globes: Diretor (Stanley Kramer), Ator/Drama (Maximilian Schell)


Pródiga que é em encantar a plateia com seu cinema, Hollywood também o é quando se trata de tomar partido em relação a temas polêmicos. Vez por outra, no entanto, a própria história se encarrega de prover aos estúdios e aos produtores os elementos necessários para o deleite do público. É o que acontece com "Julgamento em Nuremberg", dirigido por Stanley Kramer e lançado em 1961. Para buscar o interesse do público, o roteirista Abby Mann nem precisou buscar na sua imaginação os ingredientes do sucesso: eles realmente aconteceram, meros 13 anos antes, e foram muito mais cruéis do que a mente humana conseguiria conceber.

"Julgamento em Nuremberg" se passa em 1948, três anos depois, portanto, do final da II Guerra Mundial. O juiz de uma cidadezinha americana, Dan Heywood (Spencer Tracy) chega à Alemanha para presidir o julgamento de quatro juízes nazistas, acusados de crimes contra a humanidade. No tribunal, ele mantém a calma e a placidez necessárias enquanto assiste o embate entre o promotor Tad Lawson (Richard Widmark) e o jovem advogado de defesa, Hans Rolfe (Maximilian Schell, vencedor do Oscar de melhor ator). Mais do que simplesmente julgar os acusados, o juiz precisa também entender os pontos de vista a respeito do maior crime já cometido contra seres humanos, uma vez que, dentre os réus, existe o silencioso Ernst Janning (Burt Lancaster), que, depois de passar dias silencioso e meditativo, resolve se pronunciar, defendendo a si mesmo e seu país (em uma cena marcante e assustadoramente sincera).

"Julgamento em Nuremberg" é um filme obrigatório por inúmeras razões. Além de ser dramaticamente bem construído e contar com um elenco estelar (sendo que a maioria dos atores trabalhou com um salário menor do que o costumeiro apenas por julgar que o filme deveria ser feito por sua importância histórica), é um documento forte, pungente e realista, fugindo sempre que possível do maniqueísmo inerente ao tema. O equilíbrio do roteiro de Mann é notável, dando espaço a cenas massacrantes (o material filmado nos campos de concentração mostrado no tribunal é real) e diálogos e personagens bastante interessantes: Marlene Dietrich - inimiga pública do III Reich desde que recusou a ser a estrela de filmes de propaganda nazista e passou a fazer shows às tropas aliadas - vive, por exemplo, a viúva de um militar da SS condenado à morte, que insiste em afirmar que o povo alemão não sabia das atrocidades cometidas nos campos e, por mais que a simpatia da plateia esteja do lado do bem (a saber, os vencedores da guerra) não deixa de ser intrigante perceber como o texto forte de Mann e a atuação da bela Dietrich conseguem abalar as certezas que o público tem.


E o público, além de tudo, é brindado com o que de melhor há em termos de atuação no início dos anos 60. Maximilian Schell levou o Oscar de melhor ator disputando o prêmio com seu colega de elenco Spencer Tracy e brilha intensamente na pele do idealista advogado de defesa, que tenta desesperadamente salvar a liberdade de seus clientes mesmo sabendo que a batalha é praticamente perdida. Burt Lancaster entrega a melhor atuação de sua carreira com uma personagem indecifrável que consegue, em apenas duas cenas com diálogos substanciais (o já citado depoimento no banco das testemunhas e na sequência final com Tracy, de arrepiar qualquer fã de cinema e história). Mas são dois coadjuvantes que surpreendem ainda mais, em interpretações muito acima do chamado do dever - não à toa ambos tiveram indicações ao Oscar na categoria: Montgomery Clift e Judy Garland.

Clift, em um de seus últimos trabalhos, emociona como Rudolf Petersen, um homem vítima de esterilização por ter sido considerado mentalmente atrasado. Em apenas uma cena, Clift entrega o desempenho de sua vida, brilhantemente arrancando lágrimas com seu falar lento, sua angústia vísivel e sua indignação incurável (a defesa que ele faz da própria mãe é de fazer chorar o mais insensível dos homens). E Garland, voltando ao cinema depois de sete anos (seu último filme havia sido "Nasce uma estrela"), interpreta Irene Hoffman, que sobe ao banco das testemunhas para contar como foi obrigada a falar contra um homem mais velho, judeu, a quem tinha como pai, que foi acusado de manter relações sexuais com ela e portanto, condenado à morte. Mais velha e fisicamente descuidada, a eterna Dorothy de "O mágico de Oz" comprova seu talento único ao, corajosamente, expôr sua falta de vaidade em um papel difícil e emocionalmente complexo.

"Julgamento em Nuremberg" é um documento histórico de valor inestimável. Agrada aos fãs do gênero, conquista os interessados em história e impressiona os aficcionados por cinema clássico. Mais uma injustiça da Academia, que preferiu dar o Oscar principal ao pouco engajado "Amor, sublime amor".

quarta-feira

REI DOS REIS


REI DOS REIS (King of kings, 1961, MGM Pictures, 159min) Direção: Nicholas Ray. Roteiro: Philip Yordan. Fotografia: Manuel Berenguer, Milton Krasner, Franz F. Planer. Montagem: Harold F. Kress. Música: Miklos Rozsa. Produção: Samuel Bronston. Elenco: Jeffrey Hunter, Ron Randell, Hurd Hatfield, Frank Thring, Rip Torn, Viveca Lindfords, Siobhan McKenna, Brigid Bazlen, Robert Ryan, Royal Dano. Estreia: 11/10/61

Com a gloriosa exceção do ultra-violento "A paixão de Cristo", lançado por Mel Gibson em 2004, filmes que retratam a passagem de Jesus pela Terra tendem a ser tão sonolentos quanto uma aula mal dada de Religião. Sem muita criatividade, os cineastas que se aventuraram a discorrer sobre o assunto sempre acabaram apelando para roteiros repletos de clichês e que, no fundo, nunca acrescentavam nada à história mais conhecida do mundo. Por essa razão, não deixa de ser louvável a coragem do cineasta Nicholas Ray em realizar, em 1961, o que talvez seja o menos previsível dos filmes sobre o assunto à chegar às telas até que Martin Scorsese abalasse o altar com "A última tentação de Cristo", 27 anos depois. Ao optar por um viés mais político e social do que religioso, o diretor de "Juventude transviada" reiterou sua fama de outsider, mas em compensação, viu seu filme ser praticamente ignorado em todas as cerimônias de premiação da temporada. Somente a sua hoje clássica trilha sonora (composta pelo prestigiado Miklos Rozsa) foi lembrada com uma indicação ao Golden Globe, o que, em comparação com a enxurrada de Oscar do religiosamente correto "Ben-hur" dois anos antes, apenas demonstra o quanto a visão um tanto quanto rebelde do cineasta incomodou a tradicional crítica da época.

A ousadia de Ray começa pelo fato de seu protagonista ser praticamente ignorado durante um bom tempo da primeira parte de projeção. Somente depois de 30 minutos de filme é que Jesus Cristo finalmente aparece de verdade, sendo batizado por João Batista (Robert Ryan) e na figura atraente de Jeffrey Hunter (o nativo que acompanhava John Wayne pelo deserto, em "Rastros de ódio"). Até então, o roteiro de Philip Yordan se concentrava em manobras políticas e em estabelecer - de forma um pouco maçante, diga-se de passagem - o panorama social de seu cenário (Jerusalém, Belém, Nazaré, etc). O surgimento de Jesus em cena é o clímax do que os governantes supunham ser uma rebelião iniciada por João Batista e que tinha em Barrabás (Harry Guardino) outro importante líder. Vincular Barrabás e seus seguidores a Jesus e seus apóstolos é outro golpe de mestre de Ray, que, ao invés de focar-se apenas nos ensinamentos de Cristo (coisa que inúmeros outros filmes fizeram), o coloca no meio do fogo cerrado entre os desmandos de Herodes Antipas e a insatisfação de seu povo. Nem mesmo a traição de Judas Iscariotes (Rip Torn) é vista de maneira convencional através dos olhos do cineasta, o que faz de REI DOS REIS o mais transgressor dos filmes religiosos realizados pela MGM.

Logicamente, a opção de Nicholas Ray pelo ângulo político-social da história de Jesus acarreta problemas outros além do repúdio do público mais conservador. Ao concentrar-se muitas vezes nas manobras estratégicas de Barrabás e seu grupo, o roteiro estende-se desnecessariamente, apresentando longas e um tanto cansativas sequências que de certa forma, desviam a atenção do que realmente importa, ou seja, a história em si, não tanto de Jesus Cristo, mas também das engrenagens que o levaram à crucificação e morte. Aliás, Ray parece tão pouco preocupado com o desfecho de sua história que os momentos que normalmente ocupam a maior parte dos filmes do gênero - a paixão em si, a morte e a ressurreição - são mostrados rapidamente, sem maiores detalhes (ao contrário da obra-prima de Gibson) e de maneira sintomaticamente despida de qualquer violência exagerada, quase asséptica. É tudo tão limpo na versão de Ray que Hunter chegou mesmo a ser depilado para as cenas de crucificação (tudo porque em exibições-teste o público não gostou de ver Jesus Cristo com pelos no peito). A impressão que fica é a de que o cineasta parecia gritar a seu público que não lhe interessava sangue, suor e lágrimas e sim o tortuoso caminho que levou a tudo isso.

Reprisado constantemente em feriados religiosos - em especial a Páscoa - "Rei dos reis" não é exatamente um filme religioso na acepção mais aceita do termo, assim como tampouco é um épico grandioso e inesquecível. É, isso sim, mais um documento da fé que Nicholas Ray tinha em realizar os filmes que queria e do jeito que queria. Pode não ser uma obra-prima, mas tem personalidade.

terça-feira

CLAMOR DO SEXO


CLAMOR DO SEXO (Splendor in the grass, 1961, Warner Bros, 124min) Direção: Elia Kazan. Roteiro: William Inge. Fotografia: Boris Kaufman. Montagem: Gene Milford. Música: David Amram. Produção: Elia Kazan. Elenco: Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle, Audrey Christie, Barbara Loden, Zohra Lampert, Sandy Dennis. Estreia: 10/10/61

2 indicações ao Oscar: Atriz (Natalie Wood) e Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Roteiro Original


Em uma cena da minissérie global "Anos dourados", apresentada em 1986, a jovem normalista Lurdinha (Malu Mader)sofria de um ataque histérico quando confrontada por sua mãe (a saudosa Yara Amaral) a respeito do grau de intimidade que ela desfrutava com o namorado, estudante do Colégio Militar. Em seguida, mãe e filha conversavam (ou pelo menos a garota tentava conversar) sobre a diferença dos desejos sexuais entre homens e mulheres, recebendo em troca apenas respostas evasivas. A cena é uma das mais marcantes da minissérie, mas não é exatamente original: é uma adaptação quase literal de uma cena de "Clamor do sexo", filme de Elia Kazan que levou o Oscar de roteiro original em 1961, uma homenagem sincera e merecida a um dos mais belos filmes americanos da época a retratar as tristes consequências da repressão sexual.

"Clamor do sexo" começa em 1928 e se passa em uma pequena cidade agrícola do Kansas. Lá, o casal de adolescentes Deanie (Natalie Wood) e Bud (Warren Beatty, em sua estreia no cinema) vivem um relacionamento apaixonado. Ele é pressionado pelo pai, um bem-sucedido empresário do ramo do petróleo, a fazer faculdade em Yale, o que o afastaria pelo período mínimo de 4 anos da namorada, uma jovem sensível que obedece cegamente aos rígidos princípios morais e religiosos de sua família e da sociedade. O exemplo que ela tem de uma mulher que não segue os padrões impostos é a irmã de Bud, a liberada Ginny (Barbara Loden), abertamente discriminada pela sociedade. Quando o desejo sexual do casal começa a tornar-se impossível de reprimir, eles acabam de afastando. Bud aceita os conselhos paternos e sai da cidade, enquanto Deanie sofre um colapso psicológico. A queda da Bolsa de Valores de NY, em 1929, no entanto, volta a mudar a vida dos dois.


"Clamor do sexo" marcou a estreia de Warren Beatty nas telas - e o começo de sua fama de conquistador. Graças a ele, o primeiro casamento de Natalie Wood com o ator Robert Wagner acabou, mas quem há de julgar Natalie? Jovem, bonito e demonstrando um talento que ainda lhe iria render um Oscar de diretor - por "Reds" (1981) - Beatty apresenta uma química perfeita com Wood, que, apesar de seus 23 anos, convencia plenamente como adolescente (bem mais aqui do que em "Juventude transviada", que ela fez com 17 anos). O amor entre Deanie e Bud parece crível, verdadeiro e honesto, impressão que se mantém principalmente na melancólica cena final, quando eles se reencontram depois de um afastamento de dois anos. É uma cena bem dirigida, delicada e extremamente realista, onde os dois jovens atores comprovam que pouca idade não necessariamente significa pouco talento.

Mas "Clamor do sexo", apesar do título em português, não trata única e exclusivamente de sexo. Sim, o desejo sexual reprimido entre Bud e Deanie é o que move o roteiro de William Inge, mas o filme de Elia Kazan vai muito mais além do que simplesmente contar a história de um amor assombrado pelo puritanismo. Ele investiga, com igual competência, como se comportava a sociedade americana do interior do país antes do crash de 1929, economicamente, politicamente e nas relações interpessoais. Sem deixar que o filme se tornasse um chatíssimo documentário sobre uma época, Kazan mostrou à sua audiência um retrato não exatamente simpático de um país que escondia seu desejo dentro das mais íntimas cavernas emocionais e deixava vislumbrar apenas a imagem que melhor lhe convinha. A excepcional cena da passagem de ano de 1928 para 1929, quando Ginny, bêbada, desmascara quase todos os homens casados da cidade com quem havia dormido, é um claro exemplo do que Inge e Kazan pretendiam mostrar.

Hoje em dia "Clamor do sexo" pode soar ingênuo, e talvez realmente o seja. Mas é um comovente drama romântico que emociona e envolve o espectador sem forçar nenhum tipo de empatia. Simplesmente é difícil não se apaixonar por Deanie e Bud e não sofrer junto com eles.

domingo

BONEQUINHA DE LUXO


BONEQUINHA DE LUXO (Breakfast at Tiffany's, 1961, Paramount Pictures, 115min). Direção: Blake Edwards. Roteiro: George Axelrod, baseado no romance de Truman Capote. Fotografia: Franz F. Planer. Montagem: Howard Smith. Música: Henry Mancini. Produção: Martin Jurow, Richard Sheperd. Elenco: Audrey Hepburn, George Peppard, Patricia Neal, Buddy Ebsen, Martin Balsam, Mickey Rooney. Estreia: 05/10/61

5 indicações ao Oscar: Atriz (Audrey Hepburn), Roteiro Adaptado, Direção de Arte em Cores, Trilha Sonora Original, Canção Original ("Moon river")
Vencedor de 2 Oscar: Trilha Sonora Original, Canção Original ("Moon river")


O filme que definiu para toda a eternidade o mito Audrey Hepburn é hoje uma comédia romântica simpática, charmosa e pasmem, ingênua. Muitos anos antes da prostituta sonhadora vivida por Julia Roberts em “Uma linda mulher”, a doce e melancólica party girl Holy Golightly interpretada por Hepburn e criada pelo escritor Truman Capote já havia conquistado o público apesar, ou talvez por isso mesmo, de sua profissão, a mais antiga do mundo (ainda que, para melhor combinar com a imagem pública de Hepburn, o flerte da personagem com a bissexualidade tenha sido completamente limada do roteiro final).

O livro de Capote, de tintas bem menos leves que as pintadas pelo roteirista George Axelrod, conta a história de uma garota de programa que conquista o amor do novo vizinho, um escritor sustentado pela amante casada. O filme, dirigido pelo mesmo Blake Edwards da série “A pantera cor-de-rosa”, deixa de lado os sentimentos pesados e trágicos da trama e se concentra no que ela tem de mais arejada, ou seja, nada de dramas de consciência: a palavra de ordem aqui é romantismo.

Logo na primeira cena somos seduzidos pela bela melodia de “Moon river”, música de Henry Mancini que ganhou o Oscar e virou marca registrada do filme: nesta cena a doce protagonista dá sentido ao título original da história, bebericando seu café da manhã em frente à vitrine da Tiffany’s, uma das mais famosas joalherias de Nova York (que permitiu filamgens em seu exterior em um domingo, dia da semana em que nunca é aberta ao público).Este glamour, perseguido pela personagem de Hepburn durante todo o filme (e fartamente ilustrado pelo figurino criado por Givenchy especialmente para a atriz) dá o tom exato da quase superficialidade que o filme pretende imprimir na memória de seus espectadores. Apesar disso, em alguns momentos, a alma dos protagonistas acaba exposta e salva a obra de Edwards da de sua aparente nulidade dramática. A protagonista, por exemplo, não é a feliz e despreocupada Holy Golightly desde que nasceu. Vinda do interior, onde se chamava Lula Mae e era casada com um homem muito mais velho, ela busca na futilidade e na falta de compromisso com o mundo ao seu redor uma forma de impermeabilizar a si mesma do sofrimento. Essa sua aparente ambição (apenas dinheiro lhe interessa), no entanto acaba começando a lhe afastar de Paul Varjak (George Peppard), seu vizinho de apartamento, que lhe lembra seu irmão querido e com quem ela consegue, por alguns momentos, dar um vislumbre de sua verdadeira alma. Os momentos em que Golightly sofre, paradoxalmente, são os momentos mais marcantes do filme e que causam a empatia do público com o romance entre os protagonistas.


Audrey Hepburn começou a filmar "Bonequinha de luxo" apenas três meses depois do nascimento de seu primeiro filho, Sean e assumiu a personagem que o próprio Truman Capote admitiu ter escrito pensando em Marilyn Monroe. Marilyn chegou a pensar em fazer o filme, mas foi desencorajada por seu mentor Lee Strasberg, que achava que o papel de uma prostituta mancharia sua imagem. Hepburn ficou com o papel, com o maior cachê pago a uma atriz na época (750 mil dólares) e de quebra levou uma indicação ao Oscar de melhor atriz. Melhor é impossível!

Quanto a seu parceiro de cena, George Peppard, a coisa não foi assim tão simples. Adepto do Método do Actor's Studio, Peppard encontrou dificuldades em contracenar com Patricia Neal, que vivia sua amante e que chegou a declarar que trabalhar com ele era insuportável. Com Audrey, Peppard (que assumiu o papel depois que Steve McQueen declinou do projeto devido a outros compromissos) manteve uma amizade até o final da vida e, na tela, a química entre os dois é doce e verossímil.

Como comédia, “Bonequinha de luxo” consegue arrancar algumas risadas. Como drama, falta densidade e um pouco de complexidade. Mas é como romance que consegue ser inesquecível. Afinal, é impossível resistir a Audrey Hepburn e sua inacreditável Holy
Golightly.

OS DESAJUSTADOS


OS DESAJUSTADOS (The misfits, 1961, United Artists, 124min). Direção: John Huston. Roteiro: Arthur Miller. Fotografia: Russell Metty. Montagem: George Tomasini. Música: Alex North. Produção: Frank E. Taylor. Elenco: Clark Gable, Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Eli Wallach, Thelma Ritter. Estreia: 01/02/61

"Para que algumas coisas vivam, outras precisam morrer." Essa fala um tanto fatalista da personagem de Clark Gable em "Os desajustados", não deixa de parecer um triste presságio a respeito dos atores principais do filme de John Huston. Lançado no início de 1961, o filme, baseado em um conto que Arthur Miller escreveu em Reno enquanto aguardava seu divórcio ser finalizado para que se casasse com Marilyn Monroe, foi o último trabalho não só da atriz e de Gable, mas também uma das derradeiras atuações do seu terceiro astro, Montgomery Clift, que finalizou apenas mais dois filmes nos cinco anos seguintes, que antecederam sua morte. De certa forma a frase escrita por Miller se aplica perfeitamente ao que aconteceu com todos eles: ao morrerem como pessoas de carne e osso se transformaram em mitos.

Primeiro foi Clark Gable, que teve um ataque cardíaco no dia seguinte ao término das filmagens e morreu dez dias depois. Dizem que os constantes atrasos de Marilyn ajudaram a comprometer a saúde do ator, que declarou no final do trabalho que estava feliz pela conclusão do filme, uma vez que ela (Monroe) esteve perto de lhe causar um enfarte. Mas o fato de Gable, aos 59 anos de idade, ter dispensado os dublês em algumas das cenas que exigiam maior esforço físico certamente teve sua parcela de culpa. Gable, que ficou com o papel inicialmente oferecido a Robert Mitchum, também teve problemas em seguir o estilo de interpretação de seus colegas de elenco. Tanto Marilyn quanto Montgomery Clift e Eli Wallach, que atuava como o piloto de aviação Guido, eram adeptos do famoso Método do Actor's Studio, o que pra ele, de uma geração anterior, soava como uma música que ele não compreendia. De uma certa tortuosa forma, Gable se sentia tão deslocado no set de filmagem quanto Gay Langland, sua personagem no filme, um cowboy fora de época.

Depois foi a vez de Marilyn Monroe. Demitida da Fox por constantes atrasos e dependência química em junho de 1962, ela não terminou aquele que seria seu último filme, "Something's got to give". Sem trabalho e rejeitada por todos os estúdios devido a seu problemático currículo, o símbolo sexual mais famoso da história foi encontrada morta em seu apartamento no dia 05 de agosto, vítima de uma overdose que até hoje suscita polêmica. Como sua personagem em "Os desajustados", a recém-divorciada Roslyn Taber, Monroe também conseguia transmitir, através de seus olhos luminosos, um amor pela vida que, a julgar pelo que acontecia por trás das câmeras, era apenas uma fachada para esconder uma personalidade triste e infeliz.

E em 1966 chegou a hora de Montgomery Clift. Um dos maiores galãs dos anos 50, admirado tanto por público quanto pela crítica, Clift passou toda a carreira (e a vida) em constante angústia em relação a sua sexualidade, o que não o impediu de entregar trabalhos fascinantes, como "Um lugar ao sol" (onde aproveitou sua personalidade torturada para construir uma belíssima atuação). Dono de um dos rostos mais bonitos de Hollywood, ele teve sua beleza física seriamente avariada depois de um acidente de carro em 1956 que quase o matou. A tragédia não o impediu de seguir oferecendo ao público trabalhos brilhantes, mas o afastou do estrelato. Em 23 de julho de 1966, foi encontrado morto em sua cama. Em "Os desajustados", sua personagem, Perce Howland, é provavelmente o mais sensível dos homens que se envolvem na vida da bela Roslyn, um aspecto emocional plenamente visível na biografia do ator.


"Os desajustados" é um belíssimo western crepuscular. O clima melancólico que perpassa cada sequência é de uma pungência que se torna ainda mais palpável tendo em vista o destino dos atores que estão em cena. Tudo começa quando a bela e delicada Roslyn Taber (Marilyn Monroe no momento mais sensual e belo de sua carreira) se divorcia e, no caminho para o tribunal, conhece o simpático Guido (Eli Wallach), um piloto de aviação que ganha a vida como mecânico. Viúvo, Guido oferece a casa onde morava com a esposa para que Roslyn passe um tempo em Nevada, ao lado de Gay Langland (Clark Gable, envelhecido mas melhor ator do que nunca), um velho amigo seu, que não tem uma residência fixa, vive como cowboy e tem problemas de relacionamento com os filhos. Quando Guido percebe que entre Roslyn e Gay começa a existir um sentimento maior do que simples amizade, passa a tentar conquistá-la, o que acaba acarretando sérios conflitos entre os três. As coisas ficam ainda mais feias depois que junta-se ao grupo o cowboy de rodeios Perce Howland (Montgomery Clift) e ela descobre que eles estão indo caçar cavalos selvagens para vender a quem os transforma em ração de animais.

Tudo em "Os desajustados" pode (e merece) ser visto de forma metafórica. Os desajustados do título tanto podem ser os cavalos selvagens caçados em cenas de extrema competência técnica quanto os protagonistas do filme, tão perdidos quanto os animais. Gay leva uma vida nômade, sem ãncoras, buscando a liberdade a todo custo. Perce ganha dinheiro em rodeios mas também sonha em nunca viver de um salário fixo, assim como não consegue se envolver de verdade em nenhum relacionamento. Guido é incapaz de deixar no passado o amor que sente pela falecida mulher, o que atrapalha sua vida sentimental. E Roslyn, no meio de três homens calejados, machucados pela vida, tenta dar a eles um rumo, um porto seguro, uma chance de recomeçar a viver, mesmo que perceba que talvez a pessoa errada seja ela.

"Os desajustados" é, no fundo, uma obra sobre a solidão e o desespero que une as pessoas. Mas é também, e principalmente, um belíssimo testamento de alguns dos maiores astros produzidos pelo cinema hollywoodiano.

sábado

PSICOSE


PSICOSE (Psycho, 1960, Paramount Pictures, 109min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Joseph Stefano, baseado em romance de Robert Bloch. Fotografia: John L. Russell. Montagem: George Tomasini. Música: Bernard Herrmann. Elenco: Anthony Perkins, Janet Leigh, John Gavin, Vera Miles, Martin Balsam. Estreia: 16/6/60

4 indicações ao Oscar: Diretor (Alfred Hitchcock), Atriz Coadjuvante (Janet Leigh), Fotografia em preto-e-branco, Direção de Arte em preto-e-branco

Vivien Leigh recortada contra um crepúsculo jurando nunca mais passar fome. Gene Kelly sapateando em poças d'água. Humphrey Bogart se despedindo de Ingrid Bergman em uma pista de voo escondida pela neblina. Marilyn Monroe tendo o vestido levantado pelo ar do metrô. O cinema hollywoodiano é pródigo em legar cenas inesquecíveis aos olhos dos fãs e ninguém pode negar que entre esses momentos-chaves da sétima arte um deles ainda assombra o público por sua ousadia e genialidade técnica: o violento assassinato de Janet Leigh durante um banho de chuveiro, em "Psicose", a obra máxima de Alfred Hitchcock, lançada em 1960. Ao som da trilha sonora absurdamente perfeita de Bernard Herrman, uma das sequências mais brilhantes da história do cinema foi incansavelmente analisada, estudada e imitada, mas ainda mantém-se tão chocante e inesperada como se vista pela primeira vez.

O filme "Psicose" é baseado no romance homônimo de Robert Bloch, por sua vez, inspirado em um fato real, no caso, a história de Ed Gein, um dos serial killers mais conhecidos dos EUA. Escrito pelo jovem Joseph Stefano, o roteiro do filme é provavelmente o mais surpreendente da carreira do cineasta inglês, principalmente por enganar sua audiência da forma mais descarada possível durante sua primeira metade. Tudo começa em uma tarde quente em Phoenix, Arizona, quando a jovem secretária Marion Crane (Janet Leigh) se encontra com seu amante, Sam Loomis (John Gavin), um homem em processo de separação. O romance dos dois sofre com a falta de dinheiro e por esse motivo, Crane toma a decisão impensada de roubar os 40 mil dólares que seu chefe lhe confia para depositar no banco. Fugindo da cidade, ela enfrenta uma tempestade e vai parar no Bates Motel, um afastado hotel prejudicado pelo desvio da estrada principal e que é dirigido pelo solícito Norman Bates (Anthony Perkins). Depois de uma conversa com o rapaz - que vive com a mãe doente em uma sombria mansão localizada ao lado do hotel - a jovem decide voltar atrás em sua decisão e devolver o produto do roubo. Antes que isso aconteça, no entanto, ela é violentamente assassinada pela mãe de Bates, durante um banho de chuveiro.



É justamente aqui, aos 47 minutos de projeção, que Hitchcock demonstra a potência de seu talento em conduzir a plateia pelo caminho que ele deseja. Ao matar a estrela do filme antes mesmo de sua metade (coisa jamais pensada dentro dos tradicionais moldes hollywoodianos), Hitch imediatamente sinaliza ao público que eles estão enganados sobre quem realmente é a personagem central da trama: não é de Marion e seus dólares roubados que se está falando e sim de Norman Bates e sua truculenta mãe. O fato da plateia, a partir daí, passar a simpatizar com Bates, um jovem aterrorizado pelo desequilíbrio mental de sua genitora (uma vez que ele é o protagonista da trama) apenas conduz a história rumo a mais uma desconcertante surpresa.

Tudo bem, não há quem não saiba o desenlace de "Psicose" (e dá uma certa inveja de quem o vai assistir pela primeira vez). O cineasta Gus Van Sant realizou uma desnecessária refilmagem em 1998, quadro a quadro, dando ao péssimo Vince Vaughn a chance de arruinar a personagem mais ambígua da história do cinema de suspense e com isso apresentou a trama a uma nova geração - a pergunta é: por que essa nova geração não foi à locadora pra assistir à versão original? A resposta pode ser: porque é preto-e-branco.

Na verdade, a opção de Hitchcock em filmar "Psicose" em preto-e-branco tem um motivo bastante prosaico: o cineasta achava (com razão) que o sangue fotografado em sua vermelhidão natural seria muito grotesco. O resultado não poderia ter sido melhor: a espetacular fotografia de John L. Russell (substituindo seu colaborador habitual Robert Burks) contribui muito para o clima claustrofóbico desejado pelo diretor e hoje fica difícil imaginar Janet Leigh sendo apunhalada em cores (Van Sant tentou... e deu no que deu).

"Psicose" é genial até em seu trailer (disponível na edição em DVD do filme), e seu enorme sucesso de bilheteria (é o maior êxito comercial do cineasta) mostra que, de vez em quando, o público acerta e vai aos cinemas ver produtos de qualidade. E, em um deserto de boas produções do gênero, voltar a rever a obra-prima de um cineasta como Hitchcock não deixa de ser um bálsamo!

sexta-feira

SE MEU APARTAMENTO FALASSE


SE MEU APARTAMENTO FALASSE (The apartment, 1960, United Artists, 125min) Direçãoe produção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder, I.A.L. Diamond. Fotografia: Joseph LaShelle. Montagem: Daniel Mandell. Música: Adolph Deutsch. Elenco: Jack Lemmon, Shirley MacLaine, Fred MacMurray, Ray Walston, Jack Kruschen. Estreia: 15/6/60

10 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Jack Lemmon), Atriz (Shirley MacLaine), Ator Coadjuvante (Jack Kruschen), História e Roteiro Original, Fotografia em preto-e-branco, Montagem, Direção de arte em P&B, Som
Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), História e Roteiro Original, Montagem e Direção de Arte em P&B
Vencedor de 3 Golden Globes: Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical (Jack Lemmon), Atriz Comédia/Musical (Shirley MacLaine)


Em 1994, o espanhol Fernando Trueba levou o Oscar de filme estrangeiro por "Sedução" e declarou, frente a milhões de espectadores: "Se eu acreditasse em Deus, agradeceria a Deus. Mas, como não acredito, agradeço a Billy Wilder." Prova maior da influência do cineasta austríaco radicado em Hollywood sobre as gerações seguintes de diretores - DO MUNDO - não existe. Afinal, somente um completo desnorteado seria capaz de não reconhecer a importância e o talento do criador de "O pecado mora ao lado". Mas foi somente em 1960 que ele levou seu único Oscar de melhor diretor - e feliz dele, porque Alfred Hitchcock e Charles Chaplin, por exemplo, nunca tiveram a mesma sorte. Sua estatueta veio depois dos prêmios da Associação de Críticos de Nova York e do Directors Guild of America, o sindicato de diretores de Hollywood e, por incrível que pareça, o Oscar lhe sorriu graças a uma comédia romântica, "Se meu apartamento falasse". Como? Uma comédia romântica? Dirigida pelo homem que deu ao mundo petardos pessimistas e cínicos como "Crepúsculo dos deuses" e "Testemunha da acusação"? Sim, meus caros, uma comédia romântica. Mas antes que comecem a pensar que o bom e velho Wilder estava amolecendo, é bom saber que "Se meu apartamento falasse" tem muito da acidez e do sarcasmo do diretor. É uma comédia romântica, sim, mas antes de mais nada, é mais uma de suas obras-primas.

Tudo bem que "Sabrina", que Wilder lançou em 1954, é uma comédia romântica, mas a presença luminosa de Audrey Hepburn chamou muito mais a atenção do que qualquer outro elemento dramático ou estilístico que o filme pudesse ter, e não tinha a cara de seu diretor. "Se meu apartamento falasse", ao contrário, é Billy Wilder do início ao fim, o que o torna mais delicioso de assistir a cada nova revisão. É um filme romântico sem o sentimentalismo piegas que normalmente abunda no gênero e um comédia inteligente sem o apelo escatológico de piadas forçadas e visuais que desgastam o humor no cinema. Em outras palavras, um filme que qualquer diretor que preze sua carreira adoraria ter dirigido.


O protagonista do filme é C.C.Baxter (outro desempenho extraordinário de Jack Lemmon),um executivo de segundo escalão em uma firma de seguro social de Nova York. Ambicioso e solitário, ele empresta a chave de seu apartamento para que seus superiores tenham noites ao lado das amantes, sempre com o objetivo de subir na empresa. As coisas realmente começam a andar quando seu chefe máximo, Sheldrake (Fred McMurray) finalmente o promove, mas exigindo a exclusividade do apartamento do funcionário. Ele aceita a proposta, mas passa a questionar suas prioridades quando descobre que a amante de seu chefe é a mulher por quem é apaixonado, a ascensorista Fran Kubelik (uma jovem e delicada Shirley MacLaine).

Se não bastasse o ritmo excepcional do roteiro de Wilder e I.A.L. Diamond (trabalhando juntos novamente depois de "Quanto mais quente melhor"), que funciona como um relógio tanto nos momentos cômicos quanto nos dramáticos, "Se meu apartamento falasse" conta com um elenco de sonhos. Jack Lemmon brilha, sem fazer muito esforço, na pele de Baxter, um homem comum, com sonhos e esperanças corriqueiros, que vê no amor a chance de se redimir de uma existência vazia e sem muito sentido. E Shirley MacLaine, na flor de seus 26 aninhos, encanta com seu rosto angelical que anseia por um amor correspondido, em uma atuação apaixonante e sedutora. A química entre os dois protagonistas quase ofusca o elenco de coadjuvantes irresistíveis escalado pelo diretor (que além de todos os outros talentos, ainda tinha uma visão impecável de seu elenco de apoio).

"Se meu apartamento falasse" não consegue esconder seu toque de cinismo - os protagonistas, por exemplo, não são modelos a ser seguidos e alguns diálogos são pérolas de incorreção política muito bem disfarçadas - mas no fundo não deixa de ser uma história de amor que apresenta todos os ingredientes comuns ao gênero. No entanto, ao contrário de muitos outros produtos, aqui a receita funciona à perfeição, oferecendo à platéia um saboroso gosto de final feliz verossímil.

E pra acabar a anedota que abriu o post, no dia seguinte à entrega do Oscar de 1994, Fernando Trueba atendeu o telefone e ouviu, do outro lado da linha: "Senhor Trueba? Aqui fala Deus." Era Wilder.

quarta-feira

BEN-HUR


BEN-HUR (Ben-hur, 1959, MGM Pictures, 212min) Direção: William Wyler. Roteiro: Karl Turnberg, baseado no romance de Lew Wallace. Fotografia: Robert L. Surtees. Montagem: John D. Dunning, Ralph E. Winters. Música: Miklos Rosza. Produção: Sam Zimbalist. Elenco: Charlton Heston, Stephen Boyd, Jack Hawkings, Haya Harareet, Hugh Griffith, Martha Scott, Cathy O'Donnell. Estreia: 18/11/59

12 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (William Wyler), Ator (Charlton Heston), Ator Coadjuvante (Hugh Griffith), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora, Figurino Cores, Direção de Arte Cores, Som, Efeitos Especiais
Vencedor de 11 Oscar: Melhor Filme, Diretor (William Wyler), Ator (Charlton Heston), Ator Coadjuvante (Hugh Griffith), Fotografia, Montagem, Trilha Sonora, Figurino Cores, Direção de Arte Cores, Som, Efeitos Especiais
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme/Drama, Diretor (William Wyler), Ator Coadjuvante (Stephen Boyd)


Quem achava que depois de "Os dez mandamentos" e a aposentadoria de Cecil B. de Mille os filmes de temática religiosa seriam coisa do passado em Hollywood deve ter ficado de queixo caído quando o remake de um filme lançado em 1925 em uma versão muda estreou nos cinemas, no final de 1959. Adaptado do romance cristão de Lew Wallace publicado em 1880, "Ben-hur" não só pagou seu orçamento estratosférico para a época (U$ 15 milhões) como tornou-se o recordista de estatuetas da Academia por quase 40 anos, com 11 prêmios no currículo ("Titanic" e "O Senhor dos Anéis, o retorno do rei" igualaram a marca em 1998 e 2003, respectivamente). O fato é que, mesmo que não se tenha simpatia pela propaganda do cristianismo feita pelo filme (motivo pelo qual o abertamente ateu Burt Lancaster recusou o papel-título), não se pode deixar de admirar suas inúmeras qualidades e mais ainda, de reconhecê-lo como o mais fascinante, empolgante e emocionante épico religioso de todos os tempos.

A bem da verdade, o militar Lew Wallace começou a pesquisar a vida de Jesus Cristo porque queria escrever um romance que desmentisse Sua existência ou qualquer outro dogma da Igreja católica. Reza a lenda que, depois de exaustivas pesquisas, ele chegou à conclusão não só de que Ele havia existido mas de que era realmente filho de Deus. A partir daí, logicamente, criou um dos mais populares livros de ficção a enfocar (ainda que de forma sutil) a passagem de Cristo pela Terra. Sutil, sim, afinal, apesar da presença dEle em momentos-chave da trama, "Ben-hur" não conta Sua história. O protagonista do filme dirigido por William Wyler - que aceitou fazer o filme por querer fazer algo do estilo de DeMille e porque recebeu o polpudo salário de um milhão de dólares - não faz milagres nem tampouco pode ser considerado um santo ou um líder de multidões. Ben-hur, a personagem, é um homem simples que se vê em uma situação de desespero ímpar e que tem a oportunidade de resgatar sua humanidade e sua dignidade perdidas, mesmo que para isso tenha que apelar para uma sangrenta vingança. Mais humano impossível.



Ben-hur (vivido com garra pelo vencedor do Oscar Charlton Heston)é um jovem e rico judeu que se recusa a delatar aqueles que planejam uma rebelião contra Roma. Considerado traidor pelo seu melhor amigo, Messala (Stephen Boyd), um aristocrata romano, ele tem sua propriedade confiscada e vê sua mãe e irmã aprisionadas. Condenado a servir de escravo em galés, Ben-hur passa três anos trabalhando como remador (daí a famosa expressão cunhada por Nelson Rodrigues, "trabalhava como um remador de 'Ben-hur') e vê sua vida ser novamente transformada quando, durante uma batalha no mar, ele salva a vida do oficial romano Quintus Arrius (Jack Hawkins). Agradecido, o oficial o liberta e lhe dá trabalho como condutor de sua quadriga. Quando se reencontra com Messala, Ben-hur o desafia a uma corrida de quadrigas, onde a rivalidade entre os dois ex-melhores amigos de infância irá chegar a seus níveis mais extremos.

O que é mais fascinante em "Ben-hur" é seu equilíbrio perfeito entre ação e emoção. As sequências mais empolgantes (em que se destaca a até hoje impressionante corrida de quadrigas) se encaixam magistralmente aos momentos mais dramáticos da trama, que envolvem o relacionamento do protagonista com a família e - e aí entra o aspecto religioso do filme que tanto incomodou Burt Lancaster - com um misterioso homem que atravessa seu caminho por duas vezes e transforma sua vida. Em nenhum diálogo o nome de Jesus Cristo é citado, mas não é preciso ser muito inteligente para perceber quem é o misterioso transeunte.

"Ben-hur" é um espetáculo grandioso, que, no entanto, não deixa jamais de dar importância a seu roteiro em vez de dedicar-se somente a seu visual. Não é à toa que, mesmo perdendo o Oscar (única indicação não convertida em estatueta), o script de Karl Turnberg seja até hoje um exemplo de ritmo, estrutura e bons diálogos. Os diálogos, aliás, merecem um capítulo à parte. O escritor Gore Vidal, abertamente homossexual, declarou, no documentário "Celulóide secreto" - que investiga a visão do cinema sobre os gays - que muitos dos diálogos entre Ben-hur e Messala foram escritos por ele e que, nas entrelinhas, faziam menção a um relacionamento de amantes entre os dois amigos. Segundo Vidal, a ira de Messala contra Ben-hur não advinha apenas de motivos políticos e sim do fato de ter sido rejeitado pelo amante. Assistir ao filme tendo essa informação abre portas imensas na compreensão da personalidade de Messala, vivido com gosto por um Stephen Boyd que sabia dessa mensagem subliminar que foi escondida de Charlton Heston, que jamais se submeteria a ela, haja visto sua visão conservadora da vida e da política.

"Titanic" e "O Senhor dos Anéis, o retorno do rei" podem ter empatado em número de Oscar com "Ben-hur", mas ninguém pode negar a supremacia artística do trabalho de William Wyler em relação a eles. Basta lembrar que nenhum dos dois primeiros levou estatuetas de atuação, atendo-se principalmente a prêmios técnicos, ao contrário deste clássico absoluto, que deu prêmios a Heston e Hugh Griffith por suas soberbas interpretações.

CONFIDÊNCIAS À MEIA-NOITE


CONFIDÊNCIAS À MEIA-NOITE (Pillow talk, 1959, Universal Pictures, 102min) Direção: Michael Gordon. Roteiro: Stanley Shapiro, Maurice Richlin. Fotografia: Arthur E. Arling. Montagem: Milton Carruth. Música: Frank De Vol. Produção: Ross Hunter, Martin Melcher. Elenco: Rock Hudson, Doris Day, Tony Randall, Thelma Ritter. Estreia: 07/10/59

5 indicações ao Oscar: Atriz (Doris Day), Atriz Coadjuvante (Thelma Ritter), Roteiro Original, Trilha Sonora Comédia/Musical, Direção de Arte em Cores
Vencedor do Oscar de Roteiro Original


Em 1985, pouco antes de sua morte decorrente de complicações relacionadas ao então desconhecido vírus HIV, o ator Rock Hudson foi a público revelar o que não era mais novidade nenhuma nos bastidores de Hollywood: sua homossexualidade. A notícia pegou de surpresa o mundo todo, que não conseguia acreditar que aquele mesmo Rock Hudson másculo, viril, bonito, charmoso e enorme (1,93m) que frequentava os mais lúbricos sonhos femininos, era gay. O choque da revelação apenas atesta sem sombra de dúvidas o talento do ator, que em nenhum momento de sua carreira - repleta de sucessos - deixou de ser, aos olhos do público, o que eles gostariam que ele fosse. Seja em épicos grandiosos, dramas familiares ou comédias românticas, Rock Hudson sempre foi o Rock Hudson construído pelos estúdios e agentes, nunca suscitando, entre sua audiência, a menor suspeita sobre sua conduta por trás das câmeras - nem que para isso fosse preciso casar-se com uma secretária. Uma prova disso é a comédia "Confidências à meia-noite", uma deliciosa sessão da tarde que marcou o início de uma bem-sucedida série de filmes que ele fez com a atriz Doris Day - que seria sua amiga até o fim de seus dias.

"Confidências à meia-noite" fez um grande sucesso de bilheteria e levou o Oscar de roteiro original, o que foi praticamente inacreditável na época, uma vez que os próprios estúdios não apostavam que o gênero pudesse chamar público às salas de exibição, por achar que era um estilo ultrapassado de fazer cinema - e pensar que hoje em dia nomes como Meg Ryan, Sandra Bullock e Jennifer Aniston devam sua fama em grande parte àquela que, louvada nos anos 60, foi execrada décadas depois como "a eterna virgem", tornando-se motivo de chacota universal: Doris Day.

Day já tinha 37 anos à época do lançamento de "Confidências" e em nenhum momento do filme é feita qualquer referência ao estado de seu hímen, de onde depreende-se que a sua fama refere-se muito mais a seus sentimentos nobres de envolver-se apenas com os homens certos do que a uma parte específica de sua anatomia. No filme, escrito por Stanley Shapiro e Maurice Richlin, ela vive Jan Morrow, uma decoradora de interiores solteira - hum, provavelmente daí surgiu o boato sobre sua virgindade!! - que, apesar de ser cortejada incansavelmente por um cliente milionário, Jonathan Forbes (Tony Randall), ainda acredita que somente por amor se deve envolver-se em um relacionamento. Enquanto fica trabalhando e sonhando com um príncipe encantado, ela precisa lidar com Brad Allen (Hudson, no auge de seu charme), um compositor com quem divide a linha telefônica. Para sua ira, Jan é obrigada a ouvir as cantadas que ele passa em um número abundante de mulheres, o que a leva a entrar em uma guerra declarada contra ele. O que ela não imagina é que Allen é o melhor amigo de Forbes e, ao descobrir que ela é a sua ranzinza parceira de telefone, resolve seduzi-la. Para isso, inventa uma personagem, o texano sensível e de bons modos Rex Stetson. Logicamente, Jan cai de amores pelo turista, mas o plano do músico passa a ser ameaçado pelo amor que seu amigo sente por sua decoradora.


Talvez hoje em dia, para um público acostumado com comédias românticas que usam e abusam de corpos seminus e diálogos repletos de palavrões e piadas vulgares, o roteiro de "Confidências à meia-noite" seja de uma ingenuidade quase inacreditável. No entanto, sob a aparente superfície de um passatempo ligeiro e familiar, o texto de Shapiro e Richlin brinca, ainda que de forma velada, com assuntos que, em tese, incorreriam na fúria do Código Hayes. Diluídas em meio a piadas engraçadas mas bastante puras, estão brincadeiras sobre homossexualismo (a cena em que Allen tenta incutir na cabeça de Jan dúvidas sobre a masculinidade de Stetson é particularmente hilária) e sobre o futuro da medicina genética (em curtíssimas mas geniais cenas no consultório de um obstetra). Isso sem falar em alguns diálogos de duplo sentido que fazem rir e não ofendem ninguém - nem o fez em seu lançamento, provavelmente porque nada vindo de Doris Day e Rock Hudson poderia ofender a alguém.

"Confidências à meia-noite" é, repito para não deixar dúvidas, uma delícia de filme. Apesar do visual um tanto datado e da premissa inicial que hoje soa quase inverossímil, é uma comédia romântica que cumpre o que promete, além de registrar de forma indelével a invejável química entre Hudson (com um timing cômico admirável) e Doris Day (que era adorada pelas mulheres principalmente por não representar uma ameaça séria a seus relacionamentos, como era o caso de Marilyn Monroe - que por sua vez, era adorada por outras razões).

Em 2003, o filme "Abaixo o amor", dirigido por Peyton Reed e estrelado por Renee Zelwegger e Ewan McGregor prestou uma sincera e divertida homenagem aos filmes da dupla Hudson/Day, mas foi ignorado nas bilheterias. Merece uma segunda chance!

segunda-feira

INTRIGA INTERNACIONAL


INTRIGA INTERNACIONAL (North by northwest, 1959, MGM Pictures, 131min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Ernest Lehman. Fotografia: Robert Burks. Montagem: George Tomasini. Música: Bernard Herrmann. Elenco: Cary Grant, Eva Marie Saint, James Mason, Jessie Royce Landis, Martin Landau. Estreia: 17/7/59

3 indicações ao Oscar: Roteiro Original, Montagem, Direção de Arte (Cores)

Depois de ter filmado boa parte de "Intriga internacional", seu ator principal, Cary Grant chegou até o diretor do filme, Alfred Hitchcock e disse o seguinte: "Acho esse roteiro pavoroso, pois já filmamos a primeira terça parte do filme, acontecem coisas de todo tipo, e não entendo de jeito nenhum do que se trata." A indignação de Grant não era gratuita, como pode comprovar qualquer incauto espectador deste, que é o 49º longa do cineasta inglês. Ao dirigir esta intrincada trama de espionagem - roteirizada por Ernest Lehman - Hitch criou talvez o mais claro exemplo de um "mcguffin", que ele tanto citava em suas entrevistas. "McGuffin", segundo o mestre do suspense, é um elemento da trama que a empurra pra frente, mesmo que no final das contas seja apenas um detalhe ou uma desculpa para o desenvolvimento da história. Entendido? Pois vejamos.

Do nada, o publicitário Robert Tornhill (Cary Grant) passa a ser perseguido por um gupo misterioso de homens que aparentemente o quer morto. O grupo, liderado pelo frio Vandamm (James Mason), não hesita em tentar assassiná-lo das mais variadas maneiras e utiliza-se de todos os artifícios possíveis para eliminá-lo. Quando descobre que está sendo confundido com um tal de George Kaplan, Tornhill resolve localizá-lo para esclarecer a confusão. O que ele não sabe é que Kaplan não existe: é um agente inventado por um grupo americano de contra-espionagem - que obviamente não tem a menor disposição de revelar sua armação. Contando com a ajuda da bela Eve Kendall (Eva Marie Saint), ele tenta provar sua identidade e sua inocência no assassinato de que passa a ser acusado.

Realmente a trama de "Intriga internacional" é das mais complicadas - e talvez até mesmo simplesmente a mais frágil - da carreira de Hitchcock, mas também não dá pra negar que o motivo sobre a perseguição de Vandamm e seus homens ao falso Kaplan é o que menos importa no resultado final. Do alto de sua experiência e talento, Hitch proporciona a seu público um filme repleto de sequências de ação de tirar o fôlego, intercaladas com cenas com diálogos espertos e românticos/sensuais entre Grant e Eva Marie Saint (que ficou com o papel que foi oferecido a Cyd Charisse e Sophia Loren). A cena de amor entre os dois no dormitório de Eve no trem onde eles se conhecem é provavelmente uma das mais sexies da carreira do cineasta, notoriamente avesso a manifestações tão claras a respeito de sexualidade e a química entre os dois atores é uma das razões pelas quais o filme funciona tão bem no quesito romântico. Mas Grant quase recusou o papel.


Aos 55 anos de idade, Grant se achava velho demais para viver o irrequieto protagonista de "Intriga internacional", mas acabou sendo convencido por Hitchcock, principalmente porque James Stewart, que estava interessadíssimo no papel teve que sair do projeto para filmar "Anatomia de um crime", de Otto Preminger. Na verdade, Hitchcock postergou o início das filmagens até que Stewart estivesse já comprometido com o filme de Preminger e não pudesse liderar o elenco de "Intriga". O motivo? O diretor considerava que o fracasso comercial de seu filme anterior, "Um corpo que cai" se devia muito à idade avançada do ator. Incoerentemente, ele chamou Grant - um ano mais VELHO que Stewart - para o papel. Vai entender o gorducho!!!

O fato é que Cary Grant domina o filme, com uma atuação exata e discreta, mas sempre eficiente. Com seu charme e elegâncias inatas, ele equilibra atordoamento, angústia, paixão e até mesmo um bem-vindo senso de humor que provavelmente não soaria tão natural em James Stewart. Além do mais, Grant tem um carisma que de imediato o conecta à plateia, a quem não resta nada além do que ficar de olhos vidrados assistindo às espetaculares - e antológicas - cenas de ação do filme. Sucessos de bilheteria como a trilogia Bourne, por exemplo, devem - e muito - a sequências como a perseguição de um avião à personagem de Grant em um descampado e à cena final no Monte Rushmore, dois perfeitos exemplos do talento incansável de seu diretor.

"Intriga internacional" não é meu Hitchcock preferido - não fica nem entre os cinco mais - mas é inegavelmente um dos mais eficientes thrillers de espionagem de todos os tempos.

domingo

IMITAÇÃO DA VIDA


IMITAÇÃO DA VIDA (Imitation of life, 1959, Universal Pictures, 124min) Direção: Douglas Sirk. Roteiro: Eleanore Griffin e Allan Scott, baseado no romance de Fannie Hurst. Fotografia: Russell Metty. Montagem: Milton Carruth. Música: Frank Skinner. Produção: Ross Hunter. Elenco: Lana Turner, John Gavin, Juanita Moore, Sandra Dee, Susan Kohner, Troy Donahue, Robert Alda, Dan O'Herlihy. Estreia: 30/4/59

2 indicações ao Oscar: Melhor Atriz Coadjuvante (Susan Kohner, Juanita Moore)
Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Susan Kohner)

Antes de abandonar Hollywood e voltar para a sua Alemanha natal, o cineasta Douglas Sirk realizou o que talvez seja, ao lado de "Palavras ao vento", seu filme mais emocional e característico: baseado em um romance de Fannie Hurst, "Imitação da vida" tornou-se seu filme mais bem sucedido em termos de bilheteria, acrescentando um polêmico ingrediente à sua receita de melodramas familiares: o racismo.

Em 1959, Martin Luther King estava no auge de sua luta a favor dos direitos civis dos negros e o romance de Hurst serviu perfeitamente para que Sirk juntasse seu fascínio pelos problemas entre pais e filhos com a nascente preocupação de uma parcela do povo americano com o problema do preconceito racial. Dessa união surgiu um filme poderosamente tocante sobre duas mulheres aparentemente diferentes que se unem na busca pela felicidade das filhas.

A trama de "Imitação da vida" começa no verão de 1947 quando a aspirante a atriz Lora Meredith (Lana Turner), a mãe viúva de uma menina de seis anos de idade, conhece Annie Johnson (Juanita Moore), uma mulher negra que procura um lugar para trabalhar e morar com a filha pequena. As duas acabam se acertando e Annie vai trabalhar com Lora, aproveitando a amizade que surge entre as duas meninas. Aos poucos Lora começa a fazer carreira nos palcos - o que a leva a afastar-se do fotógrafo Steve Archer (John Gavin), apaixonado por ela - e melhorar de vida, deixando de lado a educação da própria filha, que passa a ver em Annie uma figura materna bem mais presente e dedicada - ainda que a filha verdadeira da criada, Sarah Jane, filha de um pai branco, a rejeite por ser negra.

Dez anos depois, quando as meninas estão entrando na juventude, as coisas estão bem diferentes. Lora está famosa e é uma atriz muito bem-sucedida, enquanto Annie é seu braço-direito e melhor amiga. Sarah Jane (Susan Kohner), ainda revoltada com sua origem, esconde de seus amigos e pretendentes que tem sangue negro correndo nas veias, envolvendo-se em situações sempre perigosas e degradantes. E a filha de Lora, Susie (Sandra Dee) se descobre apaixonada por Steve, que volta à vida de sua mãe depois de anos.

"Imitação da vida" é um dramalhão típico, repleto de situações dramáticas que hoje fazem a glória dos autores de telenovelas. Mas ainda assim tem uma aura clássica que o mantém acima de seus congêneres - nem que seja como exemplo de um estilo datado para as gerações posteriores. Lana Turner - recém-saída do escândalo da morte de seu amante Johnny Stompanato - brilha como uma mulher dividida entre uma vida familiar e um universo de glamour e sucesso (talvez como a própria atriz se sentisse na época), mas é a trama paralela que analisa a problemática relação entre Annie e Sarah Jane que mais chama a atenção no resultado final.


Sintomaticamente, foram justamente Juanita Moore e Susan Kohner que conquistaram as únicas indicações ao Oscar do filme. Moore comove sempre que tem a chance de mostrar seu rosto martirizado pela dor da rejeição da própria filha - uma rejeição que não sofre da parte de Susie, que vê nela um exemplo materno mais eficiente do que sua própria mãe biológica. E Kohner apresenta um trabalho eficiente em um papel ingrato mas rico em seus conflitos psicológicos e sentimentais (como curiosidade, Kohner é mãe dos cineastas Chris e Paul Weitz, da série "American pie").

Visualmente "Imitação da vida" usa e abusa do kitsch, mas de forma bem mais discreta do que em trabalhos anteriores de Sirk, o que demonstra sua maturidade em termos visuais. A fotografia de Russell Metty é esplendorosa e casa perfeitamente com o ideal "romântico de fotonovela" proposto pelo cineasta - especialmente na segunda metade do filme, quando a vida de Lora Meredith transforma-se em uma espécie de conto de fadas escondendo graves problemas de relacionamento por trás de seus sorrisos de mentira. Pode-se dizer que a marca registrada de Sirk era justamente desconstruir as fachadas de vidas aparentemente perfeitas. E aqui, mais uma vez, ele o faz com delicadeza e contundência.

"Imitação da vida", assim como toda a obra de Douglas Sirk, não é do agrado de todo mundo. É preciso deixar de lado o preconceito contra melodramas e embarcar na viagem proposta pelo cineasta. Uma vez aceito o convite para penetrar seu universo é relaxar e se emocionar.

sexta-feira

QUANTO MAIS QUENTE MELHOR


QUANTO MAIS QUENTE MELHOR (Some like it hot, 1959, MGM Pictures, 120min). Direção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder, I.A.L. Diamond. Fotografia: Charles Lang Jr. Montagem: Arthur P. Schmidt. Música: Adolph Deutsch. Figurino: Orry-Kelly. Produção: Billy Wilder. Elenco: Jack Lemmon, Tony Curtis, Marilyn Monroe, George Raft, Pat O'Brien, Joe E. Brown Estreia: 29/3/59

6 indicações ao Oscar: Diretor (Billy Wilder), Ator (Jack Lemmon), Roteiro Adaptado, Fotografia, Figurino, Direção de Arte
Oscar de Melhor Figurino

Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical (Jack Lemmon), Atriz Comédia/Musical (Marilyn Monroe)

Em mais uma de suas espirituosas declarações, o cineasta Billy Wilder disse o seguinte: "Tenho uma tia-avó na Áustria que é pontualíssima, mas ninguém pagaria um tostão para vê-la." Não é preciso ser adivinho para entender os motivos que levaram o genial cineasta a soltar essa pérola: ele tinha dirigido Marilyn Monroe duas vezes e sabia com toda a certeza do mundo que, por mais torturante que fosse comandar a estrela, seu nome estampado no cartaz de um filme era garantia de bilheteria. E na segunda ocasião ele estava, outra vez, certo. Fazer com que Monroe acertasse suas cenas era um inferno (em uma ocasião ela errou uma única frase 59 vezes!!!), mas quem, em sã consciência pode julgar Wilder, quando o resultado de tão estafante missão é algo como "Quanto mais quente melhor"?

Considerada unanimemente como uma das comédias mais engraçadas de todos os tempos (o American Film Institute foi ainda mais longe, categorizando-a como a melhor comédia da história), "Quanto mais quente" foi também um dos poucos filmes americanos a figurar na lista negra da Legião de Decência do Catolicismo Romano (sim, isso existe), condenado, provavelmente, por utilizar, para atingir seus objetivos humorísticos, dois homens travestidos. E quem acha que isso é coisa do Papa está enganado: o Kansas também proibiu o filme de estrear, porque "travestismo é muito perturbador para seus conterrâneos". Só o que pode se pensar quanto a isso é: coitado dos cidadãos do Kansas, que foram privados de dar muitas e saudáveis risadas.

"Quanto mais quente melhor" se passa em 1929, em plena vigência da Lei Seca, onde gângsters circulavam livremente pelas ruas de Chicago e chacinas aconteciam a cada esquina. Uma dessas chacinas é testemunhada por dois músicos falidos, Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon), que ameaçados de morte pelo mafioso Spats Colombo (George Raft), só encontram uma saída: candidatar-se aos cargos de integrantes de uma banda feminina que está de passagem marcada para a Flórida. O fato de ser uma banda só para mulheres é um detalhe que logo eles tiram de letra: com os nomes de Josephine e Daphne eles embarcam rumo à liberdade ao lado de inúmeras beldades. O que eles não poderiam imaginar é que, durante a viagem eles conheceriam a bela Sugar Cane (Marilyn Monroe) e que o milionário Osgood Fielding III (Joe E. Brown) cairia de amores pela versão feminina de Jerry.


Roteiristas de comédias deveriam ter o script de "Quanto mais quente melhor" como sua Bíblia. É impressionante o número de boas piadas espalhadas pelo script, equilibradas magistralmente entre gags visuais e diálogos engraçadíssimos, que nunca apelam para o vulgar ou grosseiro - o que seria tentador, levando-se em conta a premissa da trama. Tudo é construído cuidadosamente, sem pressa, com um ritmo que nunca é demais nem de menos. Todas as tramas - a perseguição feita pelo mafioso, a farsa que une o milionário criado por Joe para conquistar Sugar e o "romance" entre Daphne e Osgood - tem seus momentos de brilho e importância e acabam fazendo parte de um conjunto irresistível de cenas hilariantes e de uma inteligência rara no gênero. Tudo está no lugar em "Quanto mais quente melhor", cada cena pode ser examinada solitariamente milhares de vezes e sempre será genial, graças especialmente à direção impecável de Billy Wilder e ao elenco escolhido por ele, em que ninguém - NINGUÉM - soa artificial ou fora do espírito da coisa. Das mulheres que fazem parte da banda aos mafiosos, nada está faltando ou sobrando no filme - e alguns coadjuvantes são excepcionais, como o carregador do hotel, apaixonado por Josephine e Joan Shawlee como Sweet Sue (e isso para não citar a incrível participação de Joe E. Brown, que rouba todas as cenas em que aparece como Osgood III).

Mas se o elenco secundário segura o rojão com segurança e desenvoltura, são os atores principais que fazem com que tudo que dá certo no filme pareça ainda mais perfeito. Se Marilyn Monroe enfeita a tela com sua sensualidade e carisma sempre que entra em cena e Tony Curtis demonstra um até então insuspeito talento pra comédia, não há como negar que é Jack Lemmon quem comanda o show. Na pele de Daphne, Lemmon (que ficou com o papel recusado por Jerry Lewis e que Wilder quis oferecer a Frank Sinatra) apresenta um timing irretocável para o humor, sempre utilizando o tom exato para cada frase, a entonação perfeita para cada palavra e uma expressividade corporal e facial que dispensa qualquer exagero (alguns atores ditos de comédia bem que poderiam assistir ao filme com mais frequência para aprender alguma coisa). Indicado ao Oscar por seu trabalho, Lemmon perdeu a estatueta para Charlton Heston, de "Ben-hur", o que já demonstrava desde então o preconceito da Academia para com filmes menos sérios (Billy Wilder também concorreu como diretor, mas não houve a merecidíssima indicação a Melhor Filme).

É um desafio assistir "Quanto mais quente melhor" sem rir - logicamente pessoas com bom gosto cinematográfico que preferem piadas inteligentes à humor pastelão-escatológico. E Wilder tinha razão quando dizia que Marilyn Monroe valia qualquer sacrifício: é impossível imaginar uma outra atriz que conseguisse unir com tanta facilidade sensualidade com inocência. Mesmo em preto e branco (a atriz concordou com a exceção à sua regra contratual de fazer apenas filmes coloridos porque o diretor convenceu-a de que a maquiagem de Lemmon e Curtis ficaria grotesca em cores) sua beleza eterna permanece intocada e, se é de "O pecado mora ao lado" sua cena mais conhecida, é este seu melhor trabalho e o Golden Globe de melhor atriz em comédia/musical apenas reitera essa afirmação.

quinta-feira

GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE


GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE (Cat on a hot tin roof, 1958, MGM, 108min) Direção: Richard Brooks. Roteiro: Richard Brooks, James Poe, baseado na peça teatral homônima de Tennessee Williams. Fotografia: William Daniels. Montagem: Ferris Webster. Produção: Lawrence Weingarten. Elenco: Elizabeth Taylor, Paul Newman, Burl Ives, Jack Carson, Judith Anderson, Madeleine Sherwood. Estreia: 18/9/58

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Richard Brooks), Ator (Paul Newman), Atriz (Elizabeth Taylor), Roteiro Adaptado, Fotografia em cores

Se existe uma característica marcante nos filmes adaptados das peças teatrais de Tenessee Williams ela talvez nem seja inteligência e densidade de seus diálogos, ainda que eles realmente sejam muito especiais. A julgar por "Uma rua chamada pecado", dirigido por Elia Kazan e por este "Gata em teto de zinco quente", comandado por Richard Brooks, o que se sobressai inequivocadamente em seus textos é o alto grau de um elemento que, em sua época - os rígidos anos 50 - era o pesadelo dos censores e do malfadado Código Hayes de Produção: uma sexualidade forte, impactante e que, mesmo reprimida com muito esforço, escapava corajosamente por entre os olhares dos grandes atores que interpretavam suas personagens.

Em "Gata em teto de zinco quente", o sexo é um elemento onipresente, ainda que jamais mostrado de outra forma que não através dos olhares lascivos de Maggie (Elizabeth Taylor), desesperada para retomar a vida sexual ao lado do marido, Brick (Paul Newman), o filho caçula - e preferido - do próspero fazendeiro Big Daddy (Burl Ives), cujo aniversário de 65 anos está sendo comemorado em grande estilo ao lado de toda a família. Maggie tem a seu lado o apoio do sogro, que a tem como filha - ainda que confesse ao filho vê-la também como uma mulher desejável - e espera um neto do casal. Acontece que um bebê é uma impossibilidade, já que, desde a trágica noite do suicídio do melhor amigo de Brick - uma morte intimamente relacionada a suas relações sexualmente próximas - as relações carnais entre o casal foram extintas radicalmente. Entregue à bebida e à auto-comiseração, Brick, que sonhava tornar-se um jogador de futebol, foge do contato físico com a mulher e passa incólume às maquinações de seu irmão mais velho Gooper (Jack Carson), que, contando com a ajuda da esposa Mae (Madeleine Sherwood), sonha ter o controle da herança do pai, que, mesmo sem saber, está com câncer terminal.

Montada na Broadway em 1955 com a direção de Elia Kazan e com Ben Gazarra e Barbara Bel Geddes nos papéis principais, "Gata em teto de zinco quente" transformou-se bastante em sua transição para as telas de cinema, a ponto de seu próprio autor renegar sua adaptação. A mudança radical certamente é a suavização do relacionamento entre Brick e seu melhor amigo: no texto teatral era quase explícito que eles eram, mais do que simples amigos, um casal de amantes que sofria com a aproximação de Maggie. A alteração feita no roteiro do filme enfraquece o conflito, certamente, o que levou até mesmo Paul Newman a ficar aborrecido (ele havia aceito o papel confiando na fidelidade que julgava que a adaptação teria em relação a seu texto original). No entanto, mesmo que o principal drama tenha empalidecido devido a pressões do estúdio e dos moralistas de plantão, não há como negar que o filme de Richard Brooks se sustenta muitíssimo bem com os elementos que apresenta.


Apesar de ser lembrado principalmente pela química impecável entre Paul Newman e Elizabeth Taylor como seu casal central, "Gata em teto..." conta com um elenco coadjuvante notável. Burl Ives (apenas 16 anos mais velho que Newman e um mero ano que Jack Carson, que vive seu filho mais velho) dá um show como o seco mas sentimental Big Daddy, um homem aparentemente centrado em seus negócios mas que, ao sentir a proximidade da morte passa a dar valor ao que realmente conta em sua vida (Ives levaria o Oscar de coadjuvante no mesmo ano deste filme, mas por outro trabalho, em "Da terra nascem os homens"). Judith Anderson (a eterna governanta sisuda de "Rebecca, a mulher inesquecível") brilha sempre que lhe é possível na pele da matriarca da família, uma mulher dedicada à família e leal a seu marido até mesmo nos momentos mais difíceis. E Jack Carson e Madeleine Sherwood roubam as cenas em que aparecem como o ambicioso casal Gooper e Mae, com um excelente timing de comédia.

Aliás, é admirável a forma como o roteiro, escrito pelo diretor e por James Poe, consegue equilibrar suas tramas. A briga pela herança de Big Daddy e o relacionamento em crise de Brick e Maggie se revezam de forma harmoniosa durante os 108 minutos de duração do filme, sem que uma história prejudique a outra ou tire seu brilho. O senso de humor de algumas cenas - em especial graças ao trabalho de Sherwood e Ives, ambos egressos da montagem teatral do texto - conquista pela sutileza e pelo absurdo, fazendo um engraçado contraste com o clima pesado que permeia a maior parte do filme. Brooks e Poe são, inclusive, responsáveis por alguns momentos cruciais da versão cinematográfica: a cena inicial, que mostra o acidente que faz com que Brick quebre o tornozelo e o longo diálogo entre o rapaz e seu pai no porão da velha fazenda - onde eles falam sobre amor, dinheiro e felicidade - são momentos de mais puro cinema de qualidade, onde sentimentos afloram sem censura e sem maniqueísmos.

E qualidade é o que não falta, nem aos diálogos nem aos atores de "Gata em teto de zinco quente". Como Maggie, Elizabeth Taylor está nos seus momentos de maior intensidade sexual - e pensar que ela começou a filmar no dia em que seu marido Michael Todd morreu em um acidente aéreo apenas valoriza seu trabalho. Como Brick, Paul Newman mostra porque sempre foi extremamente respeitado como ator mesmo sento tão bonito - seus olhos azuis fazem um par deslumbrante com os olhos violetas de Taylor e justificam a opção dos produtores em realizar o filme a cores e não no preto-e-branco a que estava destinado. Juntos, Newman e Taylor transmitem uma tensão erótica quase palpável, que transcende o texto: em cena eles são definitivamente um casal em crise e não apenas dois excelentes atores em franca ascensão. Não à toa, ambos foram indicados ao Oscar, e é impossível imaginar uma Maggie tão frágil, intensa e sensual quanto a criada por Liz Taylor, mesmo sabendo que Lana Turner e Grace Kelly foram pensadas para o papel.

"Gata em teto de zinco quente" não tem a força dramática trágica de "Uma rua chamada pecado" e tampouco Richard Brooks é tão talentoso quanto Elia Kazan. Mas é um entretenimento adulto como poucas vezes se vê nas telas. Imaginem se tivesse seguido à risca o forte texto de Tenessee Williams...

quarta-feira

UM CORPO QUE CAI


UM CORPO QUE CAI (Vertigo, 1958, Paramount Pictures, 128min) Direção: Alfred Hitchcock. Roteiro: Alec Coppel, Samuel A. Taylor, baseado no romance "D'entre les morts", de Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Fotografia: Robert Burks. Montagem: George Tomasini. Música: Bernard Herrmann. Figurino: Edith Head. Elenco: James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes, Tom Helmore. Estreia: 09/5/58

2 indicações ao Oscar: Direção de Arte, Som

O tempo pode ser bastante cruel em algumas ocasiões, mas é inegável que às vezes o distanciamento cronológico pode fazer um bem incomensurável a determinados elementos. Uma prova viva disso é o filme "Um corpo que cai". Quando lançado, em 1958, o filme do cineasta Alfred Hitchcock recebeu esparsas críticas positivas, não empolgando quase ninguém. Foi preciso uns bons anos se passarem para que a obra assumisse a posição privilegiada que hoje tem dentre a filmografia do mestre do suspense, considerado quase que por unanimidade um de seus melhores trabalhos.

"Um corpo que cai" é baseado em um romance escrito por Pierre Boileau e Thomas Narcejac, que escreveram a história depois de saberem que o cineasta havia se interessado por seu livro anterior - que deu origem ao filme "As diabólicas", dirigido por François Cluzot. No final das contas, o roteiro de Samuel Taylor pouco utilizou da obra literária dos autores franceses - e nem do primeiro tratamento do script, escrito por Alec Coppel, concentrando-se unicamente na ideia central da história, contada a ele pelo próprio diretor. O resultado final é um fascinante jogo de espelhos filmado com elegância e romantismo, atingindo um equilíbrio perfeito entre uma trama bem urdida e a habitual preocupação de Hitch com o suspense visual de sua obra.

Novamente James Stewart assume o papel principal (pela última vez na obra de Hitchcock, que o considerou culpado pelo fracasso comercial do filme, alegando ser ele muito velho para as novas audiências). Aqui, ele vive John Scottie Ferguson, um policial forçadamente aposentado por sofrer de acrofobia (medo de altura). Depois de testemunhar a morte de um colega, ele vive em um tédio absoluto, quebrado apenas pelas conversas com a artista plástica Midge (Barbara Bel Geddes), apaixonada por ele. O encontro com um antigo amigo - agora milionário por casamento - vai dar um novo mote à sua vida. Gavin Elster (Tom Helmore) pede a Ferguson que passe a seguir sua esposa, que anda se comportando de forma estranha. Sem ter muito o que fazer, Ferguson aceita a empreitada e começa a acompanhar discretamente a bela Madeleine (Kim Novak) e percebe que ela parece estar sofrendo de algum tipo de influência de uma antepassada, Carlotta Valdez, que morreu tragicamente aos 26 anos, suicidando-se. Conforme se aproxima de Madeleine - que tenta se matar jogando-se na Baía de San Francisco - Ferguson vai se apaixonando pela triste mulher. O que parecia ser uma trama sobre espiritismo, no entanto, sofre uma reviravolta quando Madeleine finalmente é bem-sucedida em suas tentativas de suicídio, atirando-se da torre de um campanário. Sentindo-se culpado por não ter conseguido impedir mais esse desastre, o ex-policial entra em uma profunda depressão que só começa a dar sinais de cura quando, em um passeio corriqueiro pelas ruas da cidade, ele se depara com Judy, a bela balconista de uma loja que ele reconhece como uma sósia da mulher que amava e que tirou a própria vida.


Ao contrário de muitos outros filmes de Hitchcock, onde a história importava menos do que a maneira como ela era contada, aqui a trama central é claramente baseada em um jogo de pistas falsas, identidades trocadas e um mistério essencial à narrativa. As viradas que o belo roteiro apresenta, no entanto, casam perfeitamente com o ritmo impresso pelo cineasta, que filma cada cena com um cuidado de ourives. Apesar de tratar-se de um filme de suspense dos mais hipnotizantes, "Um corpo que cai" muitas vezes tem a aparência de um belo romance, ainda que com tintas um tanto quanto doentias. Se o amor de Ferguson por Madeleine ainda tinha um pé na normalidade, apesar das extravagâncias mentais da jovem, seu relacionamento com Judy faria a festa de qualquer psicanalista. Quando, em determinado momento do filme ele pede que ela pinte o cabelo de louro, que o prenda em um coque e se vista exatamente como a falecida mulher por quem era apaixonado, ele está claramente ultrapassando os limites do saudável. Seu olhar embevecido ao vê-la transformada em Madeleine diz mais sobre obessão do que milhares de Glenn Closes enlouquecidas cozinhando coelhinhos de estimação. E, no entanto, ao aceitar a submissão de transmutar-se em outra pessoa, Judy também se entrega ao perigoso jogo do homem que ama.

A trilha sonora tonitruante de Bernard Herrman - uma das mais marcantes de sua carreira, diga-se de passagem - constitui outro ponto de destaque em "Um corpo que cai", comentando a ação com a discrição ou o alarde que cada sequência demanda. O silêncio que percorre o filme, inclusive, é dos mais expressivos que se tem notícia. Ousadamente, Hitchcock constrói longas sequências sem diálogos - alguém lembrou do Brian de Palma de "Doublé de corpo"? -, pegando o público pela mão para percorrer os caminhos tortuosos de sua trama.

Mas enfim, James Stewart era velho demais para o papel principal? Talvez sim, talvez não, dependendo do ponto de vista. A implicância de Hitchcock com esse pormenor talvez venha do fato de que ele, na verdade, estava bastante insatisfeito com Kim Novak, que substituiu Vera Miles, sua primeira opção para o papel, mas que saiu do projeto devido a uma gravidez. Não há como não perceber uma sintonia bem grande entre a intenção de Ferguson em transformar Judy em Madeleine com o que o cineasta fazia com suas musas. Vários de seus biógrafos (inclusive Ruy castro no delicioso "Saudades do século XX") afirmam que, uma vez fascinado por suas atrizes (em especial as louras como Grace Kelly) ele tentava moldá-las a seu gosto, estética e culturalmente falando, exatamente como faz seu protagonista em "Um corpo que cai". Esse pequeno detalhe talvez ajude a entender melhor algumas das várias nuances de mais uma de suas espetaculares obras-primas.

segunda-feira

A CALDEIRA DO DIABO


A CALDEIRA DO DIABO (Peyton Place, 1957, 20th Century Fox, 157min) Direção: Mark Robson. Roteiro: John Michael Hayes, baseado no romance de Grace Metalious. Fotografia: William Mellor. Montagem: David Bretherton. Música: Franz Waxman. Produção: Jerry Wald. Elenco: Lana Turner, Lee Philips, Arthur Kennedy, Lloyd Nolan, Russ Tamblyn, Hope Lange, Diane Varsi, David Nelson. Estreia: 13/12/57

9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Mark Robson), Atriz (Lana Turner), Ator Coadjuvante (Russ Tamblyn, Arthur Kennedy), Atriz Coadjuvante (Hope Lange, Diane Varsi), Fotografia, Roteiro Adaptado

O destino pode realmente ser muito irônico. Uma prova disso? Em "A caldeira do diabo", adaptado do romance de Grace Metalious, a atriz Lana Turner interpreta Constance McKenzie, uma viúva correta que vive em uma pequena cidade do interior dos EUA no início dos anos 40. Dona de uma pequena loja de roupas, ela tem uma relação conflituosa com a filha única, Allison (Diane Varsi), com quem acaba rompendo depois de uma discussão mais séria, causada por revelações sobre seu passado. O reencontro das duas acontece quando a jovem volta à cidadezinha para acompanhar o julgamento de sua melhor amiga, que assassinou o padrasto que a havia violentado. O que há de irônico nisso? Acontece que, pouco depos da cerimônia do Oscar de 1958, Turner (que perdeu o Oscar de melhor atriz para Joanne Woodward) envolveu-se em um escândalo de grandes proporções, envolvendo sua filha, assédio sexual e um assassinato. A vida imita a arte?

Na década de 50, Turner vivia um tórrido caso amoroso com o gângster Johnny Stompanato, a quem sustentava. Na noite de 4 de abril de 1958, alegando estar protegendo sua mãe da violência do amante, sua filha de apenas 14 anos, Cheryl Crane, o assassinou com uma faca de cozinha. Julgada, ela foi inocentada, mas o caso ganhou as manchetes dos tabloides mundiais (sensacionalistas ou não) e dizem que iria virar filme nas mãos de Adrian Lyne (com Keanu Reeves e Catherine Zeta-Jones nos papéis principais). Mas o que é apenas uma história dos bastidores de Hollywood não deixa de ser uma espécie de eco da trama de "A caldeira do diabo".

Peyton Place - o nome do romance que deu origem ao filme - é também o nome da pacata cidade que é seu cenário. A trama começa no final do ano letivo de 1941, quando o confiante Michael Rossi (Lee Philips) assume o posto de diretor da escola secundarista, para desgosto de seus alunos, que esperavam que o trabalho fosse parar nas mãos de uma professora mais antiga e mais querida. Mesmo sendo persona non grata junto aos alunos, Rossi se encanta com Constance McKenzie (Turner), a mãe de uma das estudantes em vias de formar-se, a sensível Allison, cujo sonho é tornar-se escritora e não entende a forma rígida de sua mãe de ver o progresso e a liberdade sexual. Allison é a melhor amiga de Selena Cross (Hope Lange), a filha de sua empregada, uma moça tímida e romântica que tem sua vida transformada quando é estuprada pelo padrasto, Lucas (Arthur Kennedy), um homem bêbado e violento. Para defender-se de um novo ataque, ela o mata e vai parar no banco dos réus. Só quem pode salvá-la é o médico da cidade, Dr. Swain (Lloyd Nolan), que conhece a verdade sobre a saúde da garota.

"A caldeira do diabo" tem ressonâncias de filmes como "Juventude transviada" na sua tentativa bem intencionada de questionar as relações entre pais e filhos, bem como em sua busca de dar luz aos ares de uma liberalidade sexual que chegaria com força à América nos anos 60. Nesse ponto também tem semelhanças com "Clamor do sexo", que Elia Kazan lançaria em 1961, e com os filmes de Douglas Sirk, ao destruir com precisão cirúrgica a aparência de normalidade de uma sociedade baseada em aparências. É o sexo escondido, temido e malvisto que desencadeia todos os dramas no filme de Mark Robson, enredando suas personagens - na maioria jovens desorientados e frustrados em suas descobertas amorosas - em uma avalanche de tristeza, revolta e violência. Não é à toa que Allison deseja fugir de Peyton Place, de sua mãe e das obrigações de uma vida que exige regras que ela não tenciona cumprir. É Allison, em seu desejo por viver da maneira que anseia que, de certa forma, põe sentido na história criada por Grace Metalious - e age como a narradora do drama.

"A Caldeira do diabo" está longe de ser uma obra-prima. Visto hoje, é de um visual datado, com um roteiro por vezes esquemático (escrito surpreendentemente pelo parceiro habitual de Hitchcock, John Michael Hayes) e um elenco nada excepcional (ainda que 5 atores tenham recebido indicações ao Oscar, um recorde na época). Além do mais, tem uma tendência ao melodrama que pode incomodar aos mais exigentes (não é de admirar que alguns anos depois tenha dado origem a uma longeva série de TV com cara de telenovela). Mas suas intenções são admiráveis e ele tem a cara de sua época, com tudo que isso tem de bom e de mau.

TESTEMUNHA DA ACUSAÇÃO


TESTEMUNHA DA ACUSAÇÃO (Witness for the prosecution, 1957, United Artists, 116min) Direção: Billy Wilder. Roteiro: Billy Wilder, Harry Kurnitz, baseado na peça teatral de Agatha Christie. Fotografia: Russell Harlan. Montagem: Daniel Mandell. Música: Matty Malneck. Figurino: Edith Head, Joseph King. Produção: Arthur Hornblow Jr. Elenco: Charles Laughton, Tyrone Power, Marlene Dietrich, Elsa Lanchester, John Willams. Estreia: Dezembro/57

6 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Billy Wilder), Ator (Charles Laughton), Atriz Coadjuvante (Elsa Lanchester), Montagem, Som
Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Elsa Lanchester)

Considerada a Rainha do Crime da literatura policial, a inglesa Agatha Christie teve pouca sorte com as adaptações de seus romances para o cinema. Nem mesmo "Assassinato no Orient Express", com um elenco estelar e um Oscar de atriz coadjuvante para Ingrid Bergman chegou perto do brilhantismo. Felizmente exceções existem para cada regra e a exceção aqui tem a assinatura de Billy Wilder, o cineasta austríaco acostumado a legar obras-primas ao mundo. Dirigido e co-escrito por Wilder (ao lado de Harry Kurnitz), "Testemunha da acusação", baseado na peça teatral homônima de Christie é, sem espaço para qualquer tipo de dúvida, a melhor transposição de uma obra da escritora para o cinema. Para quem não acredita, basta apenas assistir a uma única vez para nunca mais esquecer.

Ao contrário da peça original, que já começa no julgamento do protagonista, o roteiro de Wilder e Kurnitz aumenta a importância do advogado Wilfrid Robbarts, vivido com uma verve irresistível pelo britânico Charles Laughton (indicado ao Oscar por sua atuação). Recém-saído do hospital devido a um ataque do coração, ele é procurado pelo jovem Leonard Vole (Tyrone Power em seu último filme completo antes de sua morte por enfarte) para que o defenda em um caso de homicídio. Vole é acusado de assassinar uma senhora de idade com quem vinha se encontrando (e que, segundo as más línguas, incentivando seu interesse romântico) e, conhecendo a fama de Robbarts pede sua ajuda para ser absolvido. O veterano advogado aceita a causa, mas tem uma grande surpresa quando, durante o julgamento, fica sabendo que a principal testemunha da acusação é justamente a pessoa que eles menos poderiam esperar: Christine Helm (Marlene Dietrich), a esposa de Vole, disposta a destruir as chances de absolvição de seu marido.

Contar muito sobre o desenrolar da trama de "Testemunha da acusação" é um crime inafiançável. As reviravoltas são absolutamente surpreendentes (na primeira vez em que assiste ao filme, logicamente) e por mais que pareçam um tanto forçadas soam críveis graças à atmosfera criada pela direção de Wilder e pela atuação de seu elenco. Ao contrário de seus filmes imediatamente anteriores - com personagens americanos até a raiz dos cabelos e portanto com comportamentos bem diferentes dos mostrados aqui - Wilder criou um ambiente classicamente britânico, em que até mesmo o estilo de interpretação dos atores diverge bastante de sua obra - o que levou muita gente a pensar que o filme tivesse sido dirigido por Alfred Hitchcock. Charles Laughton (um dos maiores atores britânicos de todos os tempos) deita e rola na pele do teimoso e brilhante Wilfrid Robbarts, mal dando espaço para os demais colegas de elenco (com exceção da excelente Elsa Lanchester, sua esposa na vida real, que rouba a cena a cada momento em que aparece e levou um Globo de Ouro e uma indicação ao Oscar por isso). Tyrone Power, por exemplo, faz o que pode no papel do réu Leonard Vole, mas sucumbe perante a força de Laughton (e seu papel foi oferecido a nomes tão díspares quanto William Holden, Gene Kelly, Kirk Douglas, Glenn Ford, Jack Lemmon e Roger Moore (!!)). Só quem chama a atenção independentemente do brilho do veterano ator inglês é, pasmem, Marlene Dietrich.

Mais uma personalidade e um símbolo sexual do que exatamente uma atriz respeitada por seus dotes histriônicos, Dietrich ficou com um papel ingrato e extremamente difícil que foi oferecido primeiramente a Ava Gardner e Rita Hayworth. Como Christine Vole (ou Helm), no entanto, Marlene demonstra que, além de sua marcante voz grave, suas belas pernas (uma cena foi criada apenas para que uma delas fosse mostrada) e seu sotaque sedutor, ela tinha sim, muito talento. Houve até cochichos que garantiam uma indicação ao Oscar (ela entusiasmou-se com a possibilidade, que acabou não se provando acurada). Basta Marlene entrar em cena que é impossível desviar os olhos de seu belo e expressivo rosto e é inegável que sua presença colabora muito com o resultado final do filme.

E se não bastasse a trama surpreendente (no final do filme há um pedido dos produtores para que o público não comentasse seu desfecho com ninguém), a direção impecável de Wilder e o elenco espetacular, "Testemunha da acusação" ainda tem um senso de humor delicioso, principalmente nos embates entre o velho advogado e sua enfermeira dedicada. Juntos, Laughton e Lanchester brindam a plateia com interpretações repletas de nuances verbais e físicas, que resgatam a obra do lugar-comum em filmes sobre julgamentos. Se não fosse detalhes meticulosamente oferecidos por Billy Wilder no decorrer da narrativa, não haveria interesse em se assistir ao filme depois da primeira vez - afinal, não há mais surpresas. Mas um homem que criou pérolas como "Crepúsculo dos deuses" e "Sabrina" e ainda haveria de lançar "Quanto mais quente melhor" e "Se meu apartamento falasse" jamais deixaria de encantar seu público. Obrigado, Billy Wilder, por mais uma obra-prima!

sábado

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA


DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (Twelve angry men, 1957, United Artists, 96min) Direção: Sidney Lumet. Roteiro: Reginald Rose. Fotografia: Boris Kaufman. Montagem: Carl Lerner. Música: Kenyon Hopkins. Produção: Reginald Rose, Henry Fonda. Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, Jack Warden, Ed Begley, Martin Balsam, John Fiedler, E.G. Marshall, Edward Binns, Joseph Sweeney, George Voskovec, Robert Webber, Jack Klugman. Estreia: 13/4/57

3 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Sidney Lumet), Roteiro Adaptado

Um rapaz de origem latina é acusado de assassinar o próprio pai com um golpe de canivete. Sem um álibi concreto e tendo duas testemunhas do crime (um vizinho idoso do andar de baixo e uma mulher de meia-idade que assistiu ao homicídio pela sua janela), sua sorte parece não ser das melhores. Com o julgamento encerrado, basta apenas as deliberações do júri para que a justiça seja feita (ou não). Então, uma dúzia de cidadãos de idades, classes sociais e situações financeiras distintas são fechados em uma sala para dar o veredicto. Fim da história, sim? Não, absolutamente não. É justamente nesse ponto onde a maioria esmagadora dos filmes de tribunal acaba é que começa "Doze homens e uma sentença", de Sidney Lumet.

Escrito por Reginald Rose (co-produtor do filme, ao lado do ator Henry Fonda), "Doze homens" não foi um sucesso de público, apesar dos rasgados elogios da crítica e das três importantes indicações ao Oscar que conquistou: filme, diretor e roteiro. Não é difícil entender, uma vez que não é exatamente o tipo de produto que plateias ávidas por ação e astros de primeira grandeza costumam consumir. É um filme com uma inteligência bem acima da média, um elenco escolhido pelo talento e não pelo poder de fogo nas bilheterias, um ritmo teatral (mas nunca enfadonho como podem pensar os avessos ao estilo) e principalmente um filme que dá importância aos diálogos mais do que a movimentos de câmera e afins. É uma prova inconteste da força de uma boa escalação de elenco para elevar um filme à categoria de uma obra-prima.

Quando "Doze homens e uma sentença" começa, o julgamento em si já acabou. O público não tem acesso a quase nenhuma imagem do tribunal (exceção feita à bancada dos jurados e ao rosto angustiado do réu). É apenas quando os doze homens do título sentam à volta de uma mesa para discutir o caso é que o roteiro de Rose agarra a plateia pelo cérebro e não larga mais. O caso, aparentemente fácil de ser julgado passa a ser um desafio aos membros do júri quando, na primeira votação, o jurado de número 8 (Henry Fonda) afirma não ter certeza absoluta da culpa do réu. Contestado pelos outros colegas, ele explica, então, suas dúvidas em relação ao caso. Aos poucos sua retórica passa a contaminar outros parceiros de missão, que, mesmo a princípio certos da culpabilidade do rapaz acusado do crime, começam a questionar suas certezas, para desespero do jurado número 3 (Lee J. Cobb), que não entende como eles podem ter mudado de ideia a respeito de algo que, para ele, é tão cristalino.


O grande diferencial de "Doze homens e uma sentença" são seus diálogos. Fortes, contundentes e realistas, as falas criadas por Reginald Rose são mais do que suficientes para apresentar à audiência tudo que é necessário, sem buscar subterfúgios que o cinema tranquilamente poderia proporcionar. O grau de competência dos diálogos é tão alto que em nenhum momento o público assiste ao julgamento, mas ao final dos 96 minutos de projeção, a impressão que se tem é que ele foi visto com detalhes. E o que é mais importante: apenas o que é importante é mencionado. Em um corriqueiro filme de tribunal, isso ficaria a cargo do editor. Aqui, Carl Lerner tem pouco (mas importante) trabalho.

A importância do trabalho do editor Carl Lerner em "Doze homens e uma sentença" pode parecer pequena, uma vez que aparentemente não é preciso esforço para montar um filme sem maiores cortes. No entanto, é justamente ele quem, ao lado do diretor Sidney Lumet (que viria ainda a comandar pelo menos outro grande filme, "Um dia de cão", em 1975), dá ao filme a cara de cinema que ele tem. Inteligentemente, Lumet e Lerner optaram por uma edição tranquila, suave, delicada, que dá a cada detalhe do roteiro a importância que ele tem. Em teatro é difícil, por exemplo, concentrar-se em um único ator sem perder todo o restante do quadro. Aqui, o diretor e seu editor resolvem esse problema com facilidade e parcimônia, dando a cada ator seu momento certo de brilhar.

E que brilho! Há de se louvar o responsável pelo casting de "Doze homens..." Mesmo que de certa forma Henry Fonda seja uma espécie de protagonista (afinal, é ele quem dá o pontapé inicial no conflito retratado), seus colegas de elenco não ficam para trás em termos de desempenho. Lee J. Cobb como o truculento e quase irascível jurado número 3 (o que tem mais dificuldade em se deixar convencer pelas dúvidas dos colegas) rouba a cena sem nenhuma vergonha e a outra dezena de atores é de tirar o chapéu. Generoso, o texto de Reginald Rose (refilmado para a TV americana em 1997, com Jack Lemmon no lugar de Fonda) dá espaço para todos demonstrarem seu talento, mesmo que - e isso é outra jogada de mestre - suas vidas, ao menos para o espectador, possa ser resumida apenas às horas em que eles estão na sala de jurados. Durante a duração do filme - e da discussão entre as personagens - o mundo fora do tribunal é vislumbrado apenas pelo calor, pela chuva e pelo jogo de baseball que uma das personagens anseia em assistir. Eles estão ali para definir a vida ou a morte de um rapaz e apesar de nem todos terem a mesma consciência da importãncia do fato, o que acontece no mundo exterior não tem mais a mesma urgência. O fato de seus nomes não serem sequer mencionados (com exceção de dois deles, na cena final) apenas reitera sua condição de anônimos.

"Doze homens e uma sentença" é obrigatório. Para fãs de cinema, para estudantes de Direito, para todos que sentem prazer em assistir a uma boa história, contada por gente que entende do riscado. Imperdível!

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...