sábado

DJANGO LIVRE

DJANGO LIVRE (Django unchained, 2012, The Weinstein Company/Columbia Pictures, 165min) Direção e roteiro: Quentin Tarantino. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Fred Raskin. Figurino: Sharen Davis. Direção de arte/cenários: J. Michael Riva/Leslie Pope. Produção executiva: Shannon McIntosh, Michael Shamberg, James W. Skotchdopole, Bob Weinstein, Harvey Weinstein. Produção: Reginald Hudlin, Pilar Savone, Stacey Sher. Elenco: Jamie Foxx, Christoph Waltz, Leonardo DiCaprio, Kerry Washington, Samuel L. Jackson, Don Johnson, James Remar, James Russo, Bruce Dern, Franco Nero, Robert Carradine, Quentin Tarantino. Estreia: 25/12/12

 5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original, Fotografia, Edição de Som
Vencedor de 2 Oscar: Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original
Vencedor de 2 Golden Globes: Ator Coadjuvante (Christoph Waltz), Roteiro Original

 Quentin Tarantino é um cineasta que não nega suas influências. Elas estão sempre espalhadas por sua obra, seja explicitamente (como em "Jackie Brown" ou nos dois volumes de "Kill Bill") ou discretamente (pero no mucho) como em "Pulp Fiction, tempo de violência". Por isso não é de estranhar que "Django livre", seu mais uma vez incensado trabalho seja coalhado de homenagens e piadas internas. Sorte do grande público é que, além de todas essas reverências o homem é também um roteirista de mão cheia (como comprova sua vitória nos Golden Globes e no Oscar) e um diretor que consegue SEMPRE arrancar atuações antológicas de seus atores. Se alguém ainda tinha dúvidas a esse respeito (e alguém tinha?) é altamente recomendável que esse alguém assista, sem desculpa de nenhuma espécie, a esse misto de faroeste/filme sobre escravidão: nele não apenas o cineasta mais cultuado de sua geração lega ao cinema mais um grande filme como mostra que mesmo em filmes de gêneros diversos ao que se acostumou a assinar ele consegue manter-se fiel a seu estilo bastante peculiar e imediatamente reconhecível.

Provocando o desprezo do cineasta Spike Lee - que vê no filme um "desrespeito a seus ancestrais" - Quentin Tarantino fez de "Django livre" uma enciclopédia de todas as suas marcas registradas, somada à sua homenagem rasgada aos westerns-spaghetti menos conhecidos do grande público (ao invés de Sergio Leone e afins, suas influências atendem pelos nomes de Sergio Corbucci e Tonino Valeri, entre outros). Nas duas horas e quarenta cinco minutos de projeção estão espalhados diálogos ácidos, humor negro, personagens deliciosamente complexos e uma carnificina exagerada que não deixa nada a dever ao hiperviolento "Cães de aluguel", o filme de estreia que imediatamente o fez cair nas graças da crítica. Mesmo que demore a engrenar - a impressão que se tem é que a história só começa mesmo depois da primeira hora, quando os protagonistas chegam à fazenda de Calvin Candie (um Leonardo DiCaprio exercitando seu overacting em busca de Oscar) - a história do escravo Django (Jamie Foxx, espetacular) que se torna caçador de recompensas e parte ao lado do alemão King Schultz (Christoph Waltz, premiado pela segunda vez com um Oscar de coadjuvante por um filme de Tarantino, e também vencedor do Golden Globe) em busca de sua esposa Broomhilda (Kerry Washington) utiliza elementos tão díspares quanto a luta "mandingo" (chupada de um filme de 1975) quanto referências à ópera "O anel dos Nibelungos", de Richard Wagner. Mas é tudo misturado de  maneira tão orgânica que é difícil imaginar que o diretor/roteirista (e ator em uma sequência perto do final) vá criando sua trama durante a escrita do roteiro. E é difícil acreditar também que outro elenco pudesse ser melhor do que o escolhido para o projeto.


Ainda que Will Smith tenha sido o primeiro nome a passar pela cabeça de Tarantino para protagonizar seu filme, o trabalho impecável de Jamie Foxx no papel central é digno de figurar entre os melhores de sua carreira já premiada com o Oscar por seu desempenho na cinebiografia "Ray" (2004). Christoph Waltz novamente dá um banho de interpretação com seu complexo Schultz - que é dono de algumas das melhores falas. Até mesmo Franco Nero - o Django do filme de 1966 - encontra espaço para uma participação afetiva, assim como Don Johnson faz com que se mantenha a tradição do diretor de recuperar a carreira de nomes deixados de lado pelo cinema comercial. E se Leonardo DiCaprio repete os maneirismos de sempre em sua atuação como o vilão Calvin Candie, seu escravo fiel - e surpreendentemente racista ao extremo - vivido por Samuel L. Jackson rouba a cena descaradamente, em uma interpretação que merecia ter sido lembrada pelo Oscar.

Violento como poucos filmes da atualidade - com sangue jorrando aos borbotões, escravos sendo devorados por cães e tiroteios ensandecidos - "Django livre" comprova novamente o talento e a criatividade de seu diretor. Porém, faz pensar o quanto ele ainda tem a oferecer dentro do universo um tanto restrito - ainda que passível de grandes expansões narrativas - em que gravita. Em 2015 ele vem com um novo e aguardado filme - "The hateful eight" - e será a hora de o público mais uma vez se render a sua maestria ou demonstrar sinais de cansaço. O tempo dirá, mas "Django livre" sempre se manterá como um excelente exemplo de seu estilo de fazer grande cinema.

sexta-feira

ANNA KARENINA

ANNA KARENINA (Anna Karenina, 2012, Universal Pictures/Focus Features, 129min) Direção: Joe Wright. Roteiro: Tom Stoppard, romance de Leon Tolstoi. Fotografia: Seamus McGarvey. Montagem: Melanie Ann Oliver. Música: Dario Marianelli. Figurino: Jacqueline Durran. Direção de arte/cenários: Sarah Greenwood/Katie Spencer. Produção executiva: Liza Chasin. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Paul Webster. Elenco: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Taylor-Johnson, Matthew Macfadyen, Domnhall Gleeson, Kelly McDonald, Olivia Williams, Alicia Vikander, Susanne Lothar, Emily Watson. Estreia: 07/9/12 (Festival de Toronto)

4 indicações ao Oscar: Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte/Cenários
Vencedor do Oscar de Figurino

Poucos filmes levaram tão a sério a afirmação de William Shakespeare de que o mundo é um palco quanto a versão do cineasta Joe Wright do clássico russo “Anna Karenina”, publicado por Leon Tolstoi em 1878. Investindo em uma adaptação visualmente estilizada de um dos maiores romances da história da literatura, o diretor que já visitou Jane Austen em “Orgulho e preconceito” e Ian McEwan em “Desejo e reparação” distanciou-se das versões anteriores do livro para criar um espetáculo exuberante e opulento que trata a história de um amor adúltero na Rússia do século XIX como uma peça teatral, onde os personagens tratam de viver papéis pré-estabelecidos de acordo com as regras sociais, reprimindo seus desejos e instintos mais primitivos. Sob a visão de Wright e do roteirista Tom Stoppard – dramaturgo vencedor do Oscar por “Shakespeare apaixonado” – Anna Karenina e seus coadjuvantes são peças de um cruel jogo de aparências emoldurado por uma sociedade mais afeita às convenções do que aos reais sentimentos. Tal visão, sob a fotografia inspirada de Seamus McGarvey e embalada pela trilha sonora de Dario Marianelli, encontra eco na mais deslumbrante transposição da obra de Tolstoi para as telas. Vencedor do Oscar de melhor figurino – merecia também os prêmios de direção de arte, trilha sonora e fotografia – o “Anna Karenina” de 2012 é digno de figurar entre as melhores adaptações cinematográficas já realizadas pelo cinema por várias razões.

Primeiro porque Wright não apenas transportou a história de uma mídia para outra, como aconteceu anteriormente. Ousadamente, ele levou o livro de Tolstoi para as telas com uma escala no teatro, através de um cenário estilizado – brilhantemente executado por Sarah Greenwood e Katie Spencer – onde paredes se movem e salões de baile se transformam em estações ferroviárias, restaurantes, escritórios burocratas e aposentos domésticos, de acordo com a necessidade de cada cena. Como em um espetáculo teatral, Wright brinca com a ludicidade, editando de forma magistral suas sequências como forma de mergulhar sem reservas o espectador em sua trama. Dessa maneira, Karenin (um Jude Law maduro e roubando a cena) rasga uma carta da ex-esposa, a pica em minúsculos pedaços e a joga para cima apenas para imediatamente, tais pedaços transformarem-se em flocos de neve. E Anna (Keira Knightley, a atriz preferida do diretor, aqui em seu terceiro filme juntos) pode sair desesperadamente de sua casa e estar prontamente dentro de um trem, a caminho dos braços de seu amante. A princípio, tal artifício soa estranho ao espectador acostumado com o trivial, mas não demora muito para que ele se deixe seduzir pela beleza estonteante promovida pelo conjunto – coeso e elegante – da obra.
Outro ponto que sublinha as qualidades da adaptação de Stoppard diz respeito à opção em não tentar abraçar a obra inteira de Tolstoi – mais de 600 páginas, afinal de contas – em um único filme. Centrando sua narrativa basicamente no romance adúltero entre Anna e Vronski (Aaron Taylor-Johnson), o dramaturgo corria o risco de ser violentamente rechaçado pelos puristas, que poderiam ver na falta de interesse do roteiro nas elocubrações socialistas do escritor uma maneira de diluir a importância do livro e transformá-lo em um melodrama puro e simples. Stoppard não chega a tanto, mas diminui radicalmente os questionamentos de Liévin (Dohmnall Gleeson) a respeito da desigualdade social que grassava na Rússia imperial, utilizando o personagem quase que apenas como um observador atuante da tragédia que se desenrola à sua frente – enquanto tenta conquistar o amor da bela e ingênua Kit (Alicia Vikander bem antes de sonhar com o Oscar de coadjuvante por “A garota dinamarquesa”). Quem leu o romance sabe bem que as longas páginas gastas pelo escritor para divagar a respeito do dia-a-dia dos camponeses não caberiam em um filme romântico – se é que caberiam em algum outro gênero. Assim, Stoppard acerta em dedicar seu foco ao fatal triângulo amoroso que abalou a sociedade de São Petersburgo no final do século XVIII – ainda que por vezes algumas atitudes dos personagens soem meio abruptas e que Jude Law tenha conseguido fazer de seu Karenin alguém bem mais simpático do que no romance.

Boa parte da simpatia conquistada por Karienin vem do fato de que Law é um ator extremamente superior a Aaron Taylor-Johnson, que vive nas telas o seu rival. Mesmo com seus olhos azuis faiscando ainda mais brilhantes graças à fotografia de McGarvey e o uniforme branco com que seu Vronski desfila pelas telas, Johnson não tem a profundidade e a experiência necessárias para fazer de seu personagem alguém marcante ou forte o suficiente para justificar o amor desesperado de Anna. Bonito ele é, mas lhe falta carisma e sutileza: em muitos momentos o público fica perdido, sem saber de seus reais sentimentos em relação à amante. Enquanto isso, Law deita e rola, puxando para si a protagonização da história, transmitindo uma vasta nuance de sentimentos que acaba fazendo com que o público torça mais por ele do que pelo amante de sua mulher. Já Keira Knightley faz o que pode com uma personagem que tem em sua lista de intérpretes nomes como Greta Garbo e, mais recentemente, Sophie Marceau: limitada, ela até consegue controlar o excesso de caras e bocas que vem marcando sua carreira, mas lhe falta substância dramática para encarar uma das mais complexas e fascinantes personagens femininas da literatura mundial. É de se imaginar o que gente como Natalie Portman e Michelle Williams faria em seu lugar. Mas, dos males o menor, Knightley ao menos consegue ser suportável – coisa de que não foi capaz em “Um método perigoso”, em que quase jogou por terra o belo trabalho de Michael Fassbender como Jung.

A história, como se sabe, pode ser resumida em poucas linhas: na Rússia imperial do século XVIII, Anna (Keira Knightley), a jovem esposa de um influente político moscovita, Karenin (Jude Law), vai a São Petersburgo com a missão de tentar salvar o casamento do irmão, Stiva (Matthew McFadyen, par romântico de Knightley em “Orgulho e preconceito”), que acaba de ter seu romance com uma babá descoberto pela esposa, Dolly (Kelly McDonald). Frequentando a sociedade local, ela acaba por apaixonar-se perdidamente pelo jovem cavaleiro Vronski (Aaron Taylor-Johnson) – pretendente da irmã de sua cunhada, Kit (Alicia Vikander) – e inicia com ele um escandaloso romance extra-conjugal que a torna uma pária social e a joga contra o marido, que a ameaça tirar-lhe a guarda do único filho. Enquanto isso, Kit, sem mais esperanças de casar-se com Vronski, se deixa conquistar por Liév (Domnhall Gleeson), um jovem fazendeiro que não se deixa cativar pelo jogo de aparências das altas rodas russas.
Elegante, charmoso, visualmente deslumbrante e narrado como uma sóbria sinfonia que aos poucos vai se deixando envolver pela tragédia, “Anna Karenina” é um trabalho raro. De extremo cuidado plástico e emocional, é um dos mais fascinantes filmes de 2012 apesar de alguns pequenos pecados. Altamente recomendável para quem gosta de cinema com conteúdo.

quinta-feira

BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE

BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS RESSURGE (The Dark Knight rises, 2012, Warner Bros/Legendary Pictures, 165min) Direção: Christopher Nolan. Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan, estória de Christopher Nolan, David S. Goyer, personagens criados por Bob Kane. Fotografia: Wally Pfister. Montagem: Lee Smith. Música: Hans Zimmer. Figurino: Lindy Hemming, Craciunica Roberto. Direção de arte/cenários: Nathan Crowley/Kevin Kavanaugh. Produção executiva: Kevin De La Noy, Benjamin Melniker, Thomas Tull, Michael E. Uslan. Produção: Christopher Nolan, Charles Roven, Emma Thomas. Elenco: Christian Bale, Anne Hathaway, Michael Caine, Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, Marion Cottilard, Gary Oldman, Morgan Freeman, Matthew Modine, Cillian Murphy, Ben Mendelsohn, Juno Temple, Thomas Lennon, Liam Neeson. Estreia: 16/7/12

O que falta dizer sobre "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge" que ainda não foi dito, analisado, dissecado e elogiado desde sua estreia, a maior de 2012, com uma bilheteria arrasadora que confirmou de uma vez por todas a força do personagem e do talento de todos os envolvidos? O encerramento da trilogia dirigida por Christopher Nolan - que provou que entretenimento e inteligência podem conviver pacificamente em um blockbuster, haja visto também o sucesso merecido de "A origem", que chegou a concorrer ao Oscar de melhor filme - pode não ser tão impactante quanto o segundo capítulo da série (que, afinal de contas, contava com a atuação assombrosa de Heath Ledger) mas consegue ser empolgante, comovente e surpreendente, apesar de alguns pequenos defeitos. De quantos "filmes de verão", pouco afeitos a "detalhes" como roteiro e direção de atores se pode pode afirmar a mesma coisa?

A essa altura todo mundo sabe que a trama mantida em segredo por Nolan antes da estreia começa sete anos depois dos acontecimentos do segundo filme, mostrando Bruce Wayne (Christian Bale) isolado em sua mansão e a imagem de Batman manchada pela acusação da morte de Harvey Dent (Aaron Eckhart) - na verdade obra das armações do Coringa (Heath Ledger).  Batman e Wayne são obrigados a voltar à ação, no entanto, quando um mercenário chamado Bane (o impressionante Tom Hardy) passa a ameaçar Gotham City com a destruição em massa proposta por Ra's Al Ghul (Liam Neeson), mentor de ambos na Liga das Sombras. Junta-se à receita a charmosa ladra Selina Kyle (Anne Hathway na ingrata tarefa de ofuscar a Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer no filme comandado por Tim Burton em 1992), o jovem policial idealista Blake (Joseph Gordon-Levitt) e a milionária Miranda Tate (Marion Cotillard) - que ambiciona tornar-se sócia de Wayne em seus experimentos - e pronto: Nolan oferece à audiência cenas de ação de extrema competência, dramas humanos críveis e reviravoltas em número suficiente para que as quase três horas de projeção passem voando diante dos olhos do público.


Fugindo do limitativo nicho de "filmes de super-herói", a trilogia do Homem-morcego criada por Nolan tem uma consistência rara, mantendo um nível de qualidade que encanta tanto aos fãs de histórias em quadrinhos quanto àqueles interessados apenas em um bom filme de ação. Tudo tem espaço no roteiro do cineasta, que tem óbvio carinho pelas personagens e pelos atores que as interpretam (não é à toa que o "time Nolan" está todo aqui, de Bale, Michael Caine e Cillian Murphy aos novos integrantes da troupe, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e Tom Hardy, saídos direto de "A origem"). A história que conta é mais importante para o homem que despontou para o grande público com o fantástico "Amnésia" do que efeitos desconcertantes de câmera e efeitos especiais de ponta (e mesmo assim ele proporciona à plateia bons momentos assim). E é um desafio a qualquer um não sair do cinema bastante satisfeito com as ideias do excelente roteiro e com o final emocionante, com direito até mesmo a uma pequena e feliz surpresa. Seguindo o caminho de costurar várias linhas narrativas simultâneas e com inúmeros personagens, que pode ser bastante perigoso - caso do terceiro "Homem-aranha", de Sam Raimi - quanto bem-sucedido - como aconteceu com a trilogia "O Senhor dos Anéis", de Peter Jackson - Nolan conta com uma edição de extrema competência, que consegue dar conta de tudo mesmo quando a aparência é de uma bagunça descontrolada. Realmente existe um acúmulo de personagens, mas Nolan mantém o pulso firme até o final - e ainda consegue chocar a audiência com uma das cenas mais impressionantes da trilogia (retirada diretamente dos quadrinhos).

Difícil falar de "Batman: O Cavaleiro das Trevas ressurge", em especial depois que tudo foi dito. Mas algo precisa ser afirmado apesar de tudo: é absolutamente imperdível e satisfaz até ao mais exigente fã do personagem de Bob Kane. É um encerramento absolutamente digno e se Anne Hathway não rouba a coroa de Michelle Pfeiffer ao menos faz bonito em cena, com beleza, carisma e talento. Uma pena, no entanto, que a personagem de Marion Cottilard seja tão pouco aproveitada e que agora estejamos todos reféns de novas e temíveis adaptações do herói para o cinema. Obrigado, Nolan, por esses anos de entretenimento de primeira qualidade.

quarta-feira

UM DIVÃ PARA DOIS

UM DIVÃ PARA DOIS (Hope Springs, 2012, Columbia Pictures/Mandate Pictures, 100min) Direção: David Frankel. Roteiro: Vanessa Taylor. Fotografia: Florian Ballhaus. Montagem: Steven Weisberg. Música: Theodore Shapiro. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Stuart Wurtzel/George DeTitta Jr.. Produção executiva: Jason Blumenthal, Nathan Kahane, Jessie Nelson, Steve Tisch. Produção: Todd Black, Guymon Casady. Elenco: Meryl Streep, Tommy Lee Jones, Steve Carrell, Jean Smart, Elisabeth Shue, Mimi Rogers. Estreia: 08/8/12


Kay e Arnols Soames estão comemorando 31 anos de casamento. Dessa relação sólida e tranquila, nasceram dois filhos e um conforto que transformou-se em comodismo. Dormindo em quartos separados e sem assuntos em comum, o casal parece ter aposentado definitivamente sua vida sexual e afetiva. Mas Kay não quer entregar os pontos facilmente e, depois de ler o livro de um terapeuta de casais extremamente bem-sucedido, gasta quatro mil dólares de suas economias pagando um intensivo de sete dias em uma cidade costeira do Maine para recuperar seu casamento. A princípio decidido a não acompanhar a esposa no que considera uma loucura, Arnold acaba por ceder e eles começam, então, um período onde terão que trazer à tona assuntos que aprenderam a esconder com o passar dos anos. Com essa sinopse, “Um divã para dois” poderia servir para um drama-cabeça do sueco Ingmar Bergman, uma comédia intelectualizada de Woody Allen ou um filme erótico metido a profundo de Bernardo Bertolucci. Mas, com Meryl Streep e Tommy Lee Jones nos papéis principais e a direção de David Frankel (de “O diabo veste Prada”), é apenas uma comédia dramática com bons momentos, bom elenco e a dose de previsibilidade comum a uma produção comercial e despretensiosa. Não muda a vida de ninguém, mas é garantia de um passatempo bastante agradável.
É lógico que ter Meryl Streep ajuda e muito. Já que o roteiro não foge do banal e da superficialidade, o talento da atriz em tirar leite de pedra acaba por tornar-se a principal razão para assistir-se ao filme. Mestre do minimalismo, Streep consegue convencer tanto nos momentos de humor – sutil às vezes, quase de mau-gosto de vez em quando – quanto naqueles em que sua capacidade de falar com os olhos lembra a plateia dos motivos que a levam a ser considerada a melhor atriz americana de sua geração. Ciente das vontades e do objetivo de Kay em salvar seu casamento e recuperar os dias de paixão com o marido, o público torna-se seu cúmplice, entendendo sem fazer esforço o que se passa por sua cabeça diante das constrangedoras perguntas formuladas pelo dr. Bernard Feld (Steve Carrell, bastante contido). Em contraste com a quase insensibilidade do marido (Tommy Lee Jones mais uma vez em um papel seco e no limite do brutal), Streep é uma flor de delicadeza, capaz de ultrapassar seus limites morais para reencontrar a felicidade doméstica (inclusive tentando praticar o sexo oral que aprendeu a fazer lendo um livro escrito por gays para ajudarem mulheres como ela). Mas que as feministas não preparem suas reclamações: se Kay corre atrás do prejuízo, Arnold também percebe, um tempo depois, que precisa fazer a mesma força. O filme não tem viés feminista nem machista. É apenas inconsequente.



Kay não é uma dona-de-casa que viveu para os filhos – apesar de não ter uma “carreira”, trabalha fora e tem condições suficientes para uma vida independente, se assim o quisesse. Arnold não é um homem mau, é apenas uma cria de sua geração, em que ser o provedor basta para ser considerado um bom pai de família. Amor e sexo quase não entram na sua equação, e ele acha que nunca ter traído Kay com outra mulher faz dele um exemplo a ser seguido. Ambos tem suas razões, ambos tem suas culpas. Ao longo do caminho, deixaram de lado suas vontades e seus desejos, assim como a disposição de falar sobre eles. Tudo parecia feliz. Mas, como bem lembra o terapeuta, para curar um desvio de septo é preciso quebrar o nariz; e para quebrar o nariz é preciso que isso seja feito de forma rápida. Kay é a catalisadora desse desejo de mudança. Arnold demora a acompanhá-la. É uma visão um tanto simplista a respeito das características de gênero, mas é preciso entender que estamos falando de um filme hollywoodiano com pretensões puramente comerciais e dirigido por um cineasta apenas correto e sem ambições sociológicas. “Um divã para dois” não se propõe a ser um estudo sobre as relações homem/mulher. Ele quer ser apenas uma boa comédia, aspiração que ocasionalmente alcança.
O maior acerto do filme é, sem dúvida, direcionar seu foco nos atores. Mesmo relegando a ótima Elisabeth Shue a uma única cena e Mimi Rogers a uma participação que nem chega a ser considerável, Frankel explora sem medo o talento superlativo de Streep e Tommy Lee Jones – que chega até mesmo a sorrir e dançar em uma cena, fato raro em uma carreira repleta de personagens carrancudos e ranzinzas. Sem apelar para o humor que se poderia esperar de Steve Carrell – o que não deixa de ser uma pena, já que o ator é sensacional quando tem um bom material em mãos, que o digam “Pequena Miss Sunshine” e “Amor à toda prova” – o cineasta só erra feio quando prefere manter-se no trivial e perde a oportunidade de discutir com mais afinco as questões levantadas pela trama: desde o princípio dá para imaginar o desfecho da história, e o roteiro nada faz para mudar essa percepção. Essa falta de ousadia é o que, afinal, impede “Um divã para dois” de ser uma comédia memorável, mantendo-a no nível de um entretenimento divertido, mas nunca brilhante.

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...