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ELA É O DIABO


ELA É O DIABO (She-devil, 1989, Orion Pictures, 99min) Direção: Susan Seidelman. Roteiro: Barry Strugatz, Mark R. Burns, romance de Fay Weldon. Fotografia: Oliver Stapleton. Montagem: Craig McKay. Música: Howard Shore. Figurino: Albert Wolsky. Direção de arte/cenários: Santo Loquasto/George DeTitta Jr.,William Durning Sr.. Produção: Jonathan Brett, Susan Seidelman. Elenco: Meryl Streep, Roseanne Barr, Ed Begley Jr., Linda Hunt, Sylvia Miles. Estreia: 06/12/89

Até 1989, com a estreia de "Ela é o diabo", havia uma cobrança quase unânime de público e crítica para que Meryl Streep, já então considerada uma das maiores atrizes de Hollywood - e com dois Oscar no currículo - fizesse uma comédia. Não uma comédia sutil, como "Manhattan" (1979), ou de tintas românticas, como "A difícil arte de amar" (1986), mas uma comédia rasgada, que pudesse apresentar à plateia um lado menos sombrio e dramático de seu potencial. Saída do denso "Um grito no escuro" (1988), que lhe renderia mais uma indicação ao prêmio da Academia, Streep acabou finalmente se rendendo à expectativa dos fãs ao entrar no elenco de "Ela é o diabo", que, dirigido pela mesma Susan Seidelman de "Procura-se Susan desesperadamente" (1986), lhe daria a chance de explorar ainda mais seus talentos. Como forma de inovar ainda mais e sair de vez da zona de conforto, Streep abriu mão do papel de esposa sofredora, traída e abandonada - e posteriormente vingativa - e escolheu viver uma escritora fútil, vaidosa e egocêntrica. Não poderia ter dado mais certo: com um frescor raro e um senso cômico preciso, Meryl Streep conseguiu ofuscar aquela que deveria ser a principal estrela do filme - a comediante Roseanne Barr, em sua estreia no cinema - e deixou na audiência a sensação de que realmente ela poderia fazer qualquer papel.

Baseado no romance "The life and loves of s She-devil", da britânica Fay Weldon, publicado pela primeira vez em 1983, o roteiro de "Ela é o diabo" transfere a ação da Inglaterra para os Estados Unidos e altera o tom um tanto pesado do original para oferecer uma atmosfera mais alto-astral ao público - o que difere bastante da primeira adaptação do livro, feita em forma de minissérie em 4 capítulos para a televisão, em 1986. A escolha de Roseanne Barr - bastante popular nos EUA graças à série "Roseanne" - também já demonstrava que Seidelman não tinha intenção de pesar a mão em sua visão da história, e sim pretendia transformá-la na base de um conto feminista e esperançoso. Com um enredo que, a despeito da origem geográfica, fazia sentido no mundo todo - não à toa teve duas versões no cinema indiano, durante a década de 1990 -, "Ela é o diabo" assumiu importância social inesperada ao falar ao público feminino de forma franca e divertida... e ao eleger como protagonista uma mulher longe do ideal estético e cultural fomentado pela sociedade do século XX. Ruth Pratchett, a personagem principal, está acima do peso, se veste mal, não é exatamente vaidosa (sua verruga monstruosa no rosto pode soar exagerada, mas não deixa de ser um símbolo a mais de sua rebeldia em relação ao convencional) e tampouco tem interesses além da casa, dos filhos e do marido - mas é capaz de qualquer coisa para dar o troco quando se sente apunhalada pelas costas.


 

Antes que Roseanne Barr assumisse o papel de Pratchett - que lhe cai como uma luva, diga-se de passagem -, uma lista de atrizes dos mais variados tipos físicos, etários e currículos foram sondadas e/ou testadas. É difícil imaginar que Kathy Bates, Bette Midler, Rosie O'Donnell e Beverly D'Angelo tenham sido imaginadas para o mesmo papel para o qual foram cogitadas Michelle Pfeiffer, Barbara Hershey, Ally Sheedy e Kathleen Turner, mas foi o que aconteceu. O mesmo ocorreu com a escalação de Ed Begley Jr. para viver Bob, o marido de Ruth: se Jeff Daniels e Jeff Bridges foram seriamente cotados, nomes diversos como Harrison Ford, Richard Dreyfuss, Chevy Chase, Steve Martin, Robin Williams (e até Michael Douglas e Robert DeNiro!!) passaram pela mente dos produtores, o que dá uma bela ideia de como a proposta do filme foi sendo alterada com o passar do tempo. Isso não impede, no entanto, que o resultado final tenha ficado bastante sólido - ainda que não exatamente inesquecível. Seidelman explora ao máximo o talento de seus atores e impõe um belo ritmo ao roteiro, mas falha ao oferecer um conteúdo um tanto superficial: a ideia de fazer Ruth descobrir-se uma mulher com mais qualidades do que pensava ter e com um insuspeito talento para o empreendedorismo acaba ficando em segundo plano diante da vingança inconsequente e pouco crível a que se dedica para infernizar a vida do ex-marido.

A trama começa quando Ruth - uma dona-de-casa dedicada mas pouco atraente e bastante simplória - perde o marido, Bob, para Mary Fisher, uma escritora bem-sucedida, bela, milionária e famosa. Fútil e afetada, Fisher representa o completo oposto de Ruth, que vê na situação o motivo de que precisava para virar a mesa. Ciente de tudo que importa para o ex-marido - família, casa, carreira e liberdade -, a esposa traída arma um plano meticulosamente armado para destruir tudo - e no caminho descobre que a separação talvez tenha sido o melhor que lhe poderia ter acontecido. A trama pode até soar um pouco maniqueísta, mas serve como comédia e envolve até os minutos finais - mesmo que pudesse ser explorada com menos pressa e mais atenção a situações que poderiam render mais, como a relação de Mary com a mãe (a veterana Sylvia Miles) e a amizade entre Ruth e Hooper (Linda Hunt), de quem se torna colega como parte do seu plano de vingança. Susan Seidelman é uma cineasta que busca a simplicidade como parte fundamental de sua obra - e "Ela é o diabo" consegue unir as expectativas de uma produção de estúdio (Orion Pictures) e o senso de independência de um videoclipe. É problemático em termos de condicionar a felicidade feminina ao suporte masculino - ainda que tente timidamente ensaiar aplausos à independência da mulher -, mas é uma sessão da tarde saudosista e divertida.

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