DESEJO
PROIBIDO (If these walls could talk 2, 2000, HBO Films/Team Todd,
96min) Direção: Jane Snderson ("1961"), Martha Coolidge ("1972"), Anne
Heche ("2000"). Roteiro: Jane Anderson ("1961"), Sylvia Sichel, estória
de Sylvia Sichel e Alex Sichel ("1972"), Anne Heche ("2000").
Fotografia: Peter Deming, Paul Elliott, Robbie Greenberg. Montagem:
Margaret Goodspeed. Música: Basil Poledouris. Figurino: Julia Caston.
Direção de arte/cenários: Nina Ruscio/Susan Mina Eschelnach, K. C. Fox,
Mary E. Gullickson. Produção executiva: Ellen DeGeneres, Jennifer Todd,
Suzanne Todd. Produção: Mary Kane. Elenco: Vanessa Redgrave, Michelle
Williams, Chloe Sevigny, Sharon Stone, Ellen DeGeneres, Paul Giamatti,
Elizabeth Perkins, Marian Seldes, Nia Long, Natasha Lyonne, Heathe
McComb, Rashida Jones, Regina King, Kathy Najimy. Estreia: 05/3/2000
Em 1996, a HBO lançou, com enorme sucesso de público e crítica, o polêmico "O preço de uma escolha", que trata, em três histórias distintas, de um assunto bastante controverso na sociedade norte-americana: o aborto. Com um elenco que contava com Demi Moore, Catherine Keener e Cher - também uma das diretoras -, o filme chegou a ser indicado a três Golden Globes e estabeleceu um alto parâmetro para as produções do canal. Quatro anos mais tarde, "Desejo proibido" tentou repetir o êxito, voltando a discutir uma questão delicada (ao menos para a audiência mais conservadora) e seguindo a mesma estrutura do original. Ao retratar a homossexualidade feminina - e a forma como ela é vista - em três tempos e enfoques distintos, a produção manteve o tom sério e respeitoso do primeiro filme, mas como normalmente acontece com antologias, não conseguiu escapar da irregularidade. Potente em sua primeira parte, interessante em sua segunda e leve em seu encerramento, "Desejo proibido" revela um panorama abrangente de seu tema, mas nem sempre consegue atingir todo o seu potencial.
O primeiro (e melhor) capítulo se passa em 1961 e apresenta a triste história de Edith Tree (Vanessa Redgrave), que vê sua vida desmoronar com a morte de Abby Hedley (Marian Seldes), sua parceira há mais de cinquenta anos. A tragédia fica ainda maior quando um sobrinho distante de Abby, o pouco afetivo Ted (Paul Giamatti) surge para reivindicar a propriedade onde elas moravam: sem o amparo legal que poderia lhe dar o direito de ficar com a casa que ajudou a pagar, Edith precisa lidar com questões práticas ao mesmo tempo em que experimenta a impensável dor da perda. A diretora e roteirista Jane Anderson é extremamente feliz em imprimir o tom de melancolia e amor maduro, valorizado pela atuação monstruosa de Vanessa Redgrave. Começando sua história já em grande estilo - com uma citação direta do clássico "Infâmia" (1961), em que Shirley MacLaine e Audrey Hepburn tinham sua escola atacada por insinuações de homossexualidade -, Anderson é elegante e romântica, ao mesmo tempo em que desperta no espectador toda a indignação possível diante da situação absurda. Destaca-se também o belo trabalho de Elizabeth Perkins, na pele de Alice, a fútil e insensível esposa de Ted, e a sutileza do roteiro, que vai apresentando camadas ao tema conforme a trama vai se desenhando: do medo de andar próximas na rua às burocracias médicas, tudo é tratado com delicadeza extrema, que eleva o primeiro episódio do filme ao status de pequena obra-prima.
Já o segundo segmento, dirigido por Martha Coolidge, peca por sua incapacidade (ou opção) de aprofundar um questionamento bastante relevante - inclusive dentro da comunidade gay. Em 1972, quando os movimentos feministas e homossexuais estavam em alta dentro da sociedade dos EUA, a jovem Linda (Michelle Williams), um tanto decepcionada com o preconceito que presencia junto às pretensamente liberadas e modernas ativistas, se envolve com Amy (Chloe Sevigny), a quem conhece em um bar frequentado por lésbicas. Apesar de morar com um amigas também gays, ela passa a conhecer a discriminação dentro da própria casa, já que Amy, ao contrário delas, se veste como homem e age de forma masculinizada. Sem saber como lidar com a diferença entre elas - e pressionada pelas colegas, pouco à vontade com sua nova namorada -, Linda passa a questionar até que ponto as aparências podem influir na saúde de seu relacionamento. Coolidge (que assinou o delicado "As noites de Rose", que indicou Laura Dern e Diane Ladd ao Oscar, em 1992) constrói uma obra de textura visual quase palpável, que mergulha o espectador no universo de suas personagens, mas tropeça na superficialidade do roteiro, que não sabe desenvolver a contento todas as possibilidades do tema e ainda surge com um desfecho artificialmente feliz e fácil. Michelle Williams - começando sua trajetória em interpretar mulheres sofridas e atormentadas - está bem, mas Chloe Sevigny - recém vinda de uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante por "Meninos não choram" (1999) - já apresenta alguns trejeitos e expressões que seriam comuns à toda a sua carreira posterior.
O ato final da produção, por sua vez, aposta na leveza, no bom humor e até no otimismo - como um aceno aos novos tempos que (todos esperavam) estavam por surgir. No ano 2000, um casal bem resolvido, feliz e apaixonado, resolve ter um filho e completar sua família não convencional. A princípio, Fran (Sharon Stone) e Kal (Ellen DeGeneres) querem que um amigo seja o pai biológico de seu bebê, mas ao ver sua proposta recusada por Arnold (Mitchell Anderson) e Tom (George Newbern), passam a tentar outros modos de concepção. Para isso, buscam um doador anônimo de esperma (em um site especializado), inseminação artificial (em uma clínica conceituada) e meses de tensão enquanto esperam um resultado positivo. Enquanto isso, questionam (mas não muito) a ideia de por um filho em um mundo preconceituoso, violento e super povoado. Escrito e dirigido por Anne Heche (esposa de Ellen DeGeneres à época), o episódio é bem menos denso do que os primeiros, preferindo um tom positivo que encontra eco no desempenho solar de Sharon Stone e no sarcasmo de DeGeneres. Novamente faz falta um aprofundamento do tema, mas sua opção em seguir um caminho oposto ao drama dos dois primeiros segmentos não deixa de ser acertado, principalmente ao contrapor a dor do preconceito à esperança de um novo e mais tolerante mundo.
No cômputo final, "Desejo proibido" tem mais acertos do que erros. Em uma época em que a televisão ainda engatinhava em tratar de temas polêmicos - ao menos de forma tão explícita -, o filme tem a coragem não apenas de falar sobre a homossexualidade feminina em algumas de suas diversas formas, mas também de não esconder o amor das protagonistas em cenas veladas e/ou falsamente pudicas. Com sequências de sexo dirigidas com bom gosto e delicadeza (mesmo que limitadas pelo veículo) e sem medo de se posicionar ao lado contrário a qualquer tipo de intolerância, a produção posicionou a HBO como um importante aliado na causa gay e deu um passo à frente na caminhada da emissora pelo prestígio de que viria a desfrutar logo em seguida.