ENTRE FACAS E SEGREDOS (Knives out, 2019, Lionsgate, 130min) Direção e roteiro: Rian Johnson. Fotografia: Steve Yedlin. Montagem: Bob Ducsay. Música: Nathan Johnson. Figurino: Jenny Eagan. Direção de arte/cenários: David Crank/David Schlesinger. Produção executiva: Tom Karnowski. Produção: Ram Bergman, Rian Johnson. Elenco: Daniel Craig, Ana de Armas, Jamie Lee Curtis, Christopher Plummer, Toni Collette, Chris Evans, Don Johnson, LaKeith Stanfield, Katherine Langford, Riki Lindhome, Jaden Martell, Eddi Patterson, K Callan, Frank Oz, Noah Segan. Estreia: 07/9/2019 (Festival de Toronto)
Indicado ao Oscar de Roteiro Original
É impossível ser apresentando a Benoit Blanc sem que o personagem mais famoso de Agatha Christie venha à mente. Claramente calcado no belga Hercule Poirot - presença em 33 romances e 54 contos da escritora inglesa -, o detetive criado pelo diretor e roteirista Rian Johnson para seu "Entre facas e segredos" não envergonha sua maior fonte de inspiração: excêntrico, inteligente e sofisticado, Blanc também encontrou em Daniel Craig seu intérprete ideal e teve a suprema sorte de fazer sua primeira aparição nas telas em uma produção que consegue ser uma empolgante história de detetive, uma deliciosa comédia e um belo (ainda que descompromissado) estudo de personagens. Indicado a um merecido Oscar de roteiro original (que perdeu para o impecável "Parasita") e o pontapé inicial do que promete ser uma bem-sucedida série de filmes, "Entre facas e segredos" se beneficia ainda de um elenco impecável, que reúne nomes consagrados (Christopher Plummer, Jamie Lee Curtis), novatos promissores (Ana de Armas, Katherine Langford) e astros populares (Chris Evans, Toni Collette). Lançado no Festival de Toronto, em setembro de 2019, tornou-se um dos maiores sucessos de bilheteria do ano - com mais de 300 milhões de dólares arrecadados internacionalmente - e confirmou Johnson (de "Star Wars: os últimos Jedi") como um dos novos (e originais) talentos de Hollywood.
A trama criada por Johnson começa quando Harlan Thrombey (Christopher Plummer), famoso escritor de romances policiais, é encontrado morto no dia seguinte à festa em comemoração a seus 85 anos de idade. Apesar de todas as evidências levarem a crer que o escritor cometeu suicídio, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é misteriosamente contratado para fazer uma investigação mais aprofundada, para surpresa da disfuncional família da vítima - todos com sólidos motivos para ficarem satisfeitos com o desaparecimento do patriarca. Richard (Don Johnson), seu genro, acabara de ter um romance extraconjugal descoberto pelo sogro, que o obrigava a contar a verdade à esposa, Linda (Jamie Lee Curtis); Walt (Michael Shannon), seu filho caçula, fora demitido do cargo de responsável pela editora da família, que ocupava mesmo com conflitos de interesse com o pai; sua nora, Joni (Toni Collette), tivera desmascarado seu esquema de embolsar duas vezes o pagamento da universidade da filha adolescente; e seu neto, Ramson (Chris Evans) fora deserdado depois de um sério desentendimento. Enquanto conversa com os suspeitos e se aproxima da família, Blanc conta com a ajuda da amiga e cuidadora de Harlan, a brasileira Marta Cabrera (Ana de Armas) - que parece saber muito mais do que aparenta, mas teme por sua família de imigrantes.
Ao utilizar-se de vários elementos que fizeram a glória das histórias policiais clássicas - uma mansão que é parte integrante da narrativa, uma vítima de índole duvidosa, uma série de suspeitos pouco afeitos à verdade, pistas falsas, reviravoltas constantes e um detetive fascinante - "Entre facas e segredos" conquista a plateia sem muito esforço. Basta poucos minutos para que o público já esteja envolvido na trama e com sua própria versão da verdade definida - o que, logicamente, muda conforme a ação vai se desenvolvendo. A edição inteligente, que usa e abusa de flashbacks intrigantes e reveladores, é um destaque extra, ao enfatizar as várias camadas do belo roteiro. E se Daniel Craig tem a chance de um novo personagem a ser explorado em uma série de filmes - "Glass Onion" estreou em 2022 e outros capítulos devem vir com o tempo -, o elenco de coadjuvantes de peso não fica atrás. Antes de sua indicação ao Oscar pelo polêmico "Blonde" (2022), a cubana Ana de Armas apresenta um misto de carisma e inocência que justifica a atenção de Hollywood a seu nome; Jamie Lee Curtis mostra que a maturidade lhe fez muito bem; Toni Collette mais uma vez rouba a cena sempre que aparece; e Chris Evans surpreende ao explorar com sagacidade sua imagem de galã irônico e mordaz. Mérito da direção firme de Rian Johnson - com um belo timing cômico a serviço de uma boa história -, a química impecável do elenco mostra-se providencial para prender a atenção do espectador, e a direção de arte reflete visualmente as características exuberantes da trama e dos personagens, repletos de idiossincrasias e segredos.
Divertido e sagaz como os melhores livros de Agatha Christie, "Entre facas e segredos" é um presente aos fãs do gênero. Anos-luz à frente das modernas adaptações da obra da escritora dirigidos por Kenneth Branagh - que matam suas maiores qualidades em busca de um público mais afeito a redes sociais do que a telas de cinema -, o filme de Rian Johnson é a prova de que enredos espertos, diretores competentes e atores talentosos são muito mais importantes do que pretensas rupturas narrativas e visuais. Tradicional e clássico na estrutura e no desenvolvimento - mas com a agilidade do bom cinema norte-americano comercial -, é capaz de conquistar, sem contraindicações, qualquer tipo de público que goste de ser seduzido por uma boa trama de mistério e bom-humor.