terça-feira

DOIS TIRAS MEIO SUSPEITOS

 


DOIS TIRAS MEIO SUSPEITOS (Partners, 1982, Paramount Pictures, 93min) Direção: James Burrows. Roteiro: Francis Veber. Fotografia: Victor J. Kemper. Montagem: Danford B. Greene, Stephen Lovejoy. Música: Georger Delerue. Figurino: Wayne Finkleman. Direção de arte/cenários: Richard Sylbert/George Gaines. Produção executiva: Francis Veber. Produção: Aaron Russo. Elenco: Ryan O'Neal, John Hurt, Kenneth McMillan, Robyn Douglas, Jay Robinson, Denise Galik. Estreia: 30/4/82

Para que se goste de "Dois tiras meio suspeitos" é preciso que se leve em conta que seu humor - como o título nacional deixa bem claro - se baseia basicamente em clichês e estereótipos homossexuais, o que, à época de seu lançamento (1982) não era uma questão que chegava a incomodar o público médio que havia ignorado de forma ostensiva o policial "Parceiros da noite" (1980) e lotado as salas de exibição para rir do casal gay de "A gaiola das loucas" (1978) - não por acaso escrito pelo mesmo Francis Veber dessa produção de baixo orçamento da Paramount que não era do agrado dos executivos do estúdio e naufragou nas bilheterias. Descrito pela crítica como um cruzamento entre o filme estrelado por Al Pacino - que narrava as desventuras de um detetive inserido no submundo gay nova-iorquino para encontrar um serial killer - e "Um estranho casal", protagonizado por Jack Lemmon e Walter Matthau em 1968, "Dois tias meio suspeitos" é um típico exemplar dos chamados buddy movies, mas acrescido de uma temática gay que o coloca em uma seleta lista de produções que ousaram desafiar o conservadorismo que ditava as regras do cinema norte-americano na virada da década de 1980. É possível inclusive afirmar que seu pífio desempenho comercial tem mais a ver com a mentalidade das plateias do que por sua falta de qualidade. Mesmo que não seja uma comédia memorável, a única incursão de James Burrows no cinema merece créditos por, de uma forma ou outra, colocar nas telas um protagonista gay simpático que não sofre de problemas familiares ou morre vitimado pela AIDS.

Kerwin (John Hurt) é um sargento da polícia de Los Angeles que não consegue disfarçar sua orientação sexual - o que lhe dá enorme dificuldade em encontrar um parceiro profissional. Para sua surpresa, no entanto, ele é chamado por seus superiores e descobre que foi escalado para investigar uma série de assassinatos de homossexuais, aparentemente pelo mesmo criminoso. Se a missão não é exatamente novidade, a forma encontrada pelo departamento para atingir seu objetivo é bastante peculiar: infiltrar dois policiais na comunidade gay local e, apresentando-os como um casal, fazê-los chegar à identidade do serial killer. Rejeitado por seus colegas no dia-a-dia, Kerwin vê no caso a possibilidade de adquirir respeito e prestígio com a solução dos crimes, mas não poderia imaginar a dificuldade que surge da ideia. Seu novo parceiro, o sargento Benson (Ryan O'Neal), além de heterossexual convicto, é mulherengo, pouco afeito a sutilezas e não exatamente fã das consequências que podem advir desse capítulo de sua carreira. Missão dada e missão aceita: Kerwin e Benson precisam não apenas investigar mortes violentas, mas aprender a conviver com suas diferenças - especialmente Benson, cujo medo de ser realmente confundido com um homem gay é tão grande quanto o de ser morto no cumprimento do dever.

 

James Burrows, o diretor de "Dois tiras meio suspeitos", tornou-se, décadas depois do lançamento do filme, o responsável pela condução de mais de 240 episódios da série "Will & Grace" - além de ter, no currículo, trabalhos em "Friends", "Mike & Molly", "Cheers", "Frasier" e da série que originou-se de seu único trabalho no cinema (apresentada entre 2012 e 2013). Seu timing para comédia é inegável, buscando sempre o melhor efeito para arrancar gargalhadas do público - algo não muito difícil com a presença sempre certeira de John Hurt, capaz de fazer rir com o mínimo gesto ou entonação. Voltando ao universo gay que já havia lhe rendido um Emmy e outros prêmios por sua atuação como Quentin Crisp em "Vida nua" (1975) - papel ao qual retornou em "An Englishman in New York" (2009) -, Hurt se destaca principalmente em comparação com Ryan O'Neal: depois de uma década de 1970 repleta de êxitos (e uma festejada colaboração artística com Stanley Kubrick), O'Neal entrava em um período problemático na carreira, enfileirando um fracasso atrás do outro e colecionando críticas negativas. Em "Dois tiras meio suspeitos" ele desfila seu charme quase ingênuo em situações constrangedoras das quais se desincumbe com relativa eficácia. Sua dupla com Hurt funciona essencialmente graças ao contraste avassalador não apenas em termos visuais, mas também - e principalmente - em estilos de vida. Mais do que uma trama policial razoavelmente interessante, o roteiro de Francis Veber trata da relação conflituosa entre seus personagens centrais - e do poder miraculoso da tolerância.

Apesar de apelar para algumas sequências que podem incomodar ao público mais suscetível ao politicamente correto, "Dois tiras meio suspeitos" cumpre o que promete desde seu cartaz: fazer rir. Não atinge os níveis de sofisticação de "A gaiola das loucas" - cuja ironia enfatizava a hipocrisia da sociedade francesa -, mas brinca com os elementos típicos da comédia com o objetivo de atingir plateias pouco afeitas ao universo gay. Não deu muito certo em termos financeiros - apesar do orçamento modesto a produção entrou para a lista dos fracassos comerciais da Paramount na década de 1980 -, mas é divertido o bastante para que seus problemas sejam relevados pelo espectador menos exigente. Em um mundo mais atento às diferenças e à tolerância pode soar quase ofensivo. Mas, diante do conservadorismo norte-americano de sua época, não deixa de ser um filme bastante ousado.

segunda-feira

O PODER DO AMOR

 


O PODER DO AMOR (Something to talk about, 1995, Warner Bros, 106min) Direção: Lasse Hallstrom. Roteiro: Callie Khouri. Fotografia: Sven Kykvist. Montagem: Mia Goldman. Música: Graham Preskett, Hans Zimmer. Figurino: Aggie Guerard Rodgers. Direção de arte/cenários: Mel Bourne/Roberta J. Holinko. Produção executiva: Goldie Hawn. Produção: Anthea Sylbert, Paula Weinstein. Elenco: Julia Roberts, Dennis Quaid, Robert Duvall, Kyra Sedgwick, Gena Rowlands, Brett Cullen. Estreia: 20/7/95

Nem sempre o encontro de talento, prestígio e popularidade resulta em um grande sucesso. "O poder do amor" é um exemplo claro dessa afirmação: mesmo com a união do celebrado diretor Lasse Hallstrom (então já indicado ao Oscar por "Minha vida de cachorro", de 1987), da roteirista Callie Khouri (oscarizada por "Thelma & Louise", de 1991) e da atriz Julia Roberts, o filme ficou muito aquém do esperado nas bilheterias e tampouco entusiasmou a crítica. Vendida como uma comédia romântica quando na verdade é um drama familiar quase sonolento, e lançado em um período de crise na carreira de Roberts - que vinha acumulando fracassos comerciais que ameaçavam seu status de grande estrela - a produção da Warner decepcionou tanto o estúdio (que esperava um estouro financeiro) quanto seus fãs, ansiosos por rever seu belo sorriso e seu carisma milionário, o que só voltaria a acontecer com "O casamento do meu melhor amigo", lançado dois anos mais tarde.

Além da direção burocrática de Hallstrom, "O poder do amor" sofre, basicamente, pela absoluta falta de humor de seu roteiro - uma surpresa quando se trata de Khouri - e por personagens que falham em despertar a simpatia do espectador. Até mesmo a protagonista, uma mulher traída e tentando refazer a vida, sofre com um desenvolvimento pouco interessante. Grace Bichon (interpretada no piloto automático por Julia Roberts) administra o haras de seu pai, Wyly King (Robert Duvall), e vive um casamento aparentemente perfeito com o sedutor Eddie (Dennis Quaid). Sua frágil felicidade sofre um baque, no entanto, quando ela descobre que seu marido tem um romance com uma colega de trabalho. Humilhada e ressentida, Grace vai morar com a irmã caçula, Emma Rae (Kyra Sedgwick) e, se recusando a qualquer contato com o ex-marido, passa a questionar o sistema de quase submissão a que as mulheres de sua família se sujeitam em relação aos homens que a cercam. Tal comportamento chega até sua mãe, Georgia (Gena Rowlands), que até então jamais havia percebido tal situação em seu relacionamento.

 

O roteiro de Callie Khouri, como não poderia ser diferente, oferece às personagens femininas um destaque maior do que aos homens da história. Isso não significa, no entanto, que elas sejam capazes de conquistar a plateia. Com diálogos frequentemente enfadonhos e que soam artificiais até mesmo recitados por atrizes do porte de Roberts, Rowlands e Sedgwick, a trama anda em círculos, dá espaço para histórias paralelas pouco atraentes - que envolvem o haras da família e um novo relacionamento pouco crível à protagonista - e sofre com uma indesculpável falta de charme. Nem mesmo os belos cenários, os imponentes cavalos e o elenco carismático são suficientes para disfarçar o ritmo claudicante imposto pela direção - uma surpresa, uma vez que o sueco Hallstrom tem enorme talento para sublinhar as características mais emocionais de seus filmes, como mostrou em "Regras da vida" (1999), que lhe rendeu uma segunda indicação ao Oscar. E se não bastasse o fato do desperdício de suas atrizes, o filme oferece oportunidades ainda menores a seus atores, relegados a segundo plano e com personagens quase patéticos - se tal opção é proposital para enfatizar a força das mulheres há formas menos simplórias de atingir seu objetivo do que fazer dos maridos da família King/Bichon dois babacas machistas e unidimensionais.

É uma pena que "O poder do amor" fique tão aquém das possibilidades de sua equipe de talentos. Seu marketing desastroso - certamente o público esperava uma comédia romântica leve e agradável e encontrou um pretensioso drama com ambições de emular o cinema europeu - foi apenas um dos culpados por fazer dele um dos trabalhos menos marcantes de Julia Roberts. Sem nenhuma cena marcante, uma trama pouco inventiva e uma narrativa cujo ritmo jamais permite o envolvimento do espectador, o filme só não é um desastre completo porque, apesar de tudo, seu elenco esforçado faz valer seus longos 106 minutos de duração - mesmo que a história seja esquecida pouco tempo depois do final da sessão.

A FOGUEIRA DAS VAIDADES

  A FOGUEIRA DAS VAIDADES (The bonfire of the vanities, 1990, Warner Bros, 125min) Direção: Brian DePalma. Roteiro: Michael Cristofer, roman...