terça-feira

O HOMEM DO ANO


O HOMEM DO ANO (O homem do ano, 2003, Conspiração Filmes/Warner Bros, 105min) Direção: José Henrique Fonseca. Roteiro: Rubem Fonseca, livro "O matador", de Patrícia Melo. Fotografia: Breno Silveira. Montagem: Sérgio Mekler. Música: Dado Villa-lobos. Figurino: Cláudia Kopke. Direção de arte/cenários: Kiti Duarte/Toni Vanzolini. Produção executiva: Beto Bruno. Produção: José Henrique Fonseca, Leonardo Monteiro de Barros, Flávio R. Tambelini. Elenco: Murilo Benício, Cláudia Abreu, Natália Lage, Paulo César Pereio, José Wilker, Agildo Ribeiro, Jorge Dória, Lázaro Ramos, Wagner Moura, Amir Haddad, Mariana Ximenes, André Gonçalves, Perfeito Fortuna, Moska, Marilu Bueno. Estreia: 11/4/2003 (Festival de Cognac)

Não fosse o talento indiscutível dos envolvidos,"O homem do ano" poderia facilmente ser confundido com uma reunião de família: o roteiro é do celebrado escritor Rubem Fonseca, que é pai do diretor, José Henrique Fonseca, que por sua vez, é casado com Cláudia Abreu, dona de um dos principais papéis femininos. Basta assistir-se ao filme, porém, para constatar que este feliz encontro artístico apenas valoriza o resultado final, uma trama policial recheada de ironia que envolve o espectador em uma teia de situações quase surreais pelas quais passa o protagonista, um homem comum alçado à condição de herói do dia para a noite. Interpretado por Murilo Benício - perfeito em sua composição quase calada e por vezes atônita -, o lacônico Maiquel é criação da escritora Patrícia Melo em seu livro "O matador", e em sua encarnação cinematográfica é, sem favor, um dos personagens mais interessantes do cinema brasileiro do começo dos anos 2000.

"O homem do ano" se passa no Rio de Janeiro longe dos cartões-postais e apresenta, ao invés de corpos dourados de sol e um clima bossa-nova, um universo claustrofóbico, no qual a violência é tão comum quanto um jogo de sinuca e quaisquer mal-entendidos pode resultar em tragédia. É mais ou menos o que acontece com Maiquel, um jovem introspectivo que tem sua vida virada de cabeça para baixo por um motivo mais que banal: depois de perder uma aposta e ser obrigado a pintar o cabelo de loiro, ele entra em conflito com Suel (Wagner Moura em um papel pequeno mas marcante), um dos clientes do bar que frequenta e, antes que possa mudar de ideia, acaba matando o rapaz diante da namorada dele, Érica (Natália Lage, ótima em um papel bastante complexo). Ao contrário do que imaginava, no entanto, ele não é preso, e sim transformado em um benfeitor pela comunidade, que sofria nas mãos da vítima, um bandido pé-de-chinelo que amedrontava a vizinhança. Se não bastasse as homenagens que começa a receber dos vizinhos, Maiquel é procurado por um grupo de homens endinheirados que lhe propõem um alto pagamento em troca de seu trabalho em eliminar toda e qualquer ameaça à segurança de seus bens. 

 A princípio hesitante em aceitar essa nova incumbência, Maiquel acaba por tornar-se o homem de confiança dos empresários, com todo o respeito que a função possibilita. E se não fosse o bastante, Érica reaparece em sua vida, exigindo que ele a proteja depois da morte de seu amante - um problema que atrapalha os planos de Maiquel de ter uma vida relativamente normal com Cledir (Cláudia Abreu), com quem se casa e começa uma família. Dividido entre as duas mulheres, Maiquel se torna a pedra no caminho de bandidos profissionais, que iniciam uma série de represálias para impedi-lo de continuar sua carreira de matador. Eleito homem do ano pelo grupo que lhe paga - e bem-visto pela comunidade onde mora -, o outrora pacífico rapaz se vê cada vez mais afundado em uma vida regida pela violência e pela paranoia, em que nem mesmo seu suíno de estimação parece estar a salvo. De modo inacreditável, Maiquel, mesmo que pareça dono do seu destino, se sente impotente em acabar com sua nova rotina, preso entre duas mulheres e um trabalho que lhe dá prestígio e dinheiro - mas não a paz de espírito que ele almeja.

A ironia que permeia "O homem do ano" é, sem dúvida, um dos pontos altos do roteiro do veterano Rubem Fonseca, que mantém o estilo direto e seco de Patrícia Melo sem abrir mão de suas particularidades como autor. Seu texto é abrilhantado pelo elenco - Murilo Benício e Natália Lage à frente. e veteranos como Jorge Dória, José Wilker e Agildo Ribeiro como coadjuvantes de luxo - e pela direção inteligente de José Henrique, que conduz a trama com perfeito equilíbrio entre a tensão e o humor quase sombrio. Comparado por alguns críticos ao excepcional "Cidade de Deus" (2002), "O homem do ano" tem como similar apenas a ambientação e o tom realista - ainda que em seu filme Fonseca não se aprofunde em questões sociais ou na violência gráfica. A sutileza do cineasta em evitar, sempre que possível, a sanguinolência explícita, empurra o filme para características dramáticas das mais interessantes - e embora nem sempre tente analisá-las sob um viés psicológico, se aproveita delas para criar uma obra com características únicas, que se sustenta sozinha mesmo dentro um gênero com suas próprias regras. Pelo conjunto de qualidades que apresenta, "O homem do ano" é uma produção que não teve a atenção merecida quando chegou às telas. Nunca é tarde, porém, para reparar uma injustiça!

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