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LADY BIRD: A HORA DE VOAR


LADY BIRD: A HORA DE VOAR (Ladybird, 2017, A24, 94min) Direção e roteiro: Greta Gerwig. Fotografia: Sam Levy. Montagem: Nick Houy. Música: Jon Brion. Figurino: April Napier. Direção de arte/cenários: Chris Jones/Traci Spadorcia. Produção executiva: Lila Yacoub. Produção: Eli Bush, Evelyn O'Neil, Scott Rudin. Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Lois Smith, Beanie Feldstein, Odeya Rush. Estreia: 01/9/2017 (Festival de Telluride)

5 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Greta Gerwig), Atriz (Saoirse Ronan), Atriz Coadjuvante (Laurie Metcalf), Roteiro Original

Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Filme (Comédia/Musical), Atriz Comédia/Musical (Saoirse Ronan) 

Filmes que retratam o fim da adolescência e entrada na vida adulta são comuns, e frequentemente deslizam no sentimentalismo ou no humor grosseiro. Raramente surge uma produção que consegue unir sensibilidade, bom humor e inteligência. Talvez por isso "Lady Bird: a hora de voar" tenha se tornado um dos maiores sucessos de sua temporada. Realizado com um orçamento minúsculo (aproximadamente 10 milhões de dólares, o que não paga nem o cachê de nomes como Julia Roberts e Angelina Jolie), o filme de estreia da atriz Greta Gerwig como cineasta rendeu quase cinco vezes isso no mercado doméstico e chegou perto de 80 milhões em arrecadação internacional. Tal êxito - refletido também no aplauso unânime da crítica e das cerimônias de premiação, incluindo presença no Oscar e no Golden Globe - tem inúmeras explicações, mas talvez a maior delas seja justamente sua falta de pretensão: sem lances rocambolescos ou truques dramáticos lacrimosos, "Lady Bird" se desenrola diante do espectador como uma deliciosa crônica de amadurecimento pessoal, com uma protagonista adorável mas falível interpretada pela cada vez melhor Saiorse Ronan.

Revelada no elogiado "Desejo e reparação", que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante ainda na adolescência, Ronan conquistou a confiança da diretora logo de cara, ao fazer uma leitura do roteiro durante o Festival de Toronto de 2015. Ao deixar de lado o sotaque irlandês e assumir o visual de uma adolescente (mesmo que já tivesse passado dos vinte anos durante as filmagens), a jovem atriz dá continuidade a uma carreira que, apesar de ainda curta, já é uma das mais consistentes de Hollywood. Graças à direção segura de Gerwig, Ronan veste a personagem com naturalidade admirável e não teme soar desagradável de vez em quando - especialmente em sua relação com a mãe, Marion (Laurie Metcalf), e em suas tentativas de tornar-se popular mesmo sacrificando sua amizade com Julie (a ótima Beanie Feldstein, do igualmente ótimo "Fora de série"). Enquanto aguarda as respostas das universidades a que almeja, Lady Bird (cujo nome verdadeiro é Christine) ainda lida com os problemas inerentes à sua idade, como, por exemplo, sua busca por amor. Nessa busca, ela esbarra em Danny (Lucas Hedges), seu colega do grupo de teatro, e no personalíssimo Kyle (Timothée Chalamet).

 

A primeira versão do roteiro de Gerwig tinha, segundo a própria diretora, mais de 350 páginas - ou, se transformado em filme, algo em torno de seis horas de duração. Logicamente seu texto foi retrabalhado até chegar a aceitáveis 94 minutos. Nesse meio tempo, outro cineasta esteve envolvido nos bastidores da produção: namorado da atriz, a quem dirigiu em seu aplaudido "Frances Ha" (2012), Noah Baumbach chegou a se oferecer para comandar o filme - uma sugestão delicadamente rejeitada... e bem sucedida. Muito provavelmente Baumbach, a despeito de seu grande talento, não teria o mesmo carinho com que Gerwig trata suas criações. Mesmo quando mostra um lado pouco louvável dos personagens, o roteiro o faz com tanta verdade, tanto frescor, que é difícil não se deixar cativar. Lady Bird é uma adolescente cheia de falhas, mas também é repleta de qualidades - e é nessa dualidade, nessa complexidade que reside a genialidade do desempenho de Saoirse Ronan. Ela não cria uma personagem imaculada para conquistar a plateia, e sim um ser humano o mais perto possível do real, que envolve o público tanto por seus erros quanto por seus acertos.

"Lady Bird" estreou no Festival de Telluride, em setembro de 2017 e, a partir daí, tornou-se figurinha fácil em festivais de cinema e integrante fixo das listas de melhores filmes do ano. Levou pra casa os Golden Globes de melhor filme e melhor atriz (ambos na subcategoria musical ou comédia) e chegou à cerimônia do Oscar com cinco indicações importantíssimas, inclusive melhor filme e direção. Pode não ter sido feliz em converter as indicações em estatuetas, mas foi realizado o desejo de Gerwig em realizar um filme sobre a entrada na vida adulta de uma personagem feminina como contraponto aos bem-sucedidos "Boyhood: da infância à juventude" (2014) e "Moonlight: sob a luz do luar" (2016). Do primeiro traz o sabor de crônica do dia-a-dia, e do segundo, um tom de poesia e certa melancolia. De ambos, apresenta um produto final que mostra a força do cinema independente - e a coragem de nadar contra a maré e evitar o drama fácil. "Lady Bird: a hora de voar" é uma pérola. Um clássico instantâneo e atemporal.

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