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PRIMAVERA PARA HITLER


PRIMAVERA PARA HITLER (The producers, 1967, Alied Artists, 88min) Direção e roteiro: Mel Brooks. Fotografia: Joseph Coffey. Montagem: Ralph Rosenblum. Música: John Morris. Figurino: Gene Coffin. Direção de arte/cenários: Charles Rosen/James Dalton. Produção executiva: Joseph E. Levine. Produção: Sidney Glazier. Elenco: Zero Mostel, Gene Wilder, Dick Shawn, Kenneth Mars, Estelle Winwood, Christopher Hewett, Andreas Voutsinas, Lee Meredith. Estreia: 27/11/67 

2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Gene Wilder), Roteiro Original

Vencedor do Oscar de Roteiro Original 

Parte do público o considerava vulgar a ponto de comentar a opinião diretamente com o diretor. Uma das atrizes do elenco chegou a falar dele como um filme terrível a que ela mesma não conseguia assistir - e que ele apenas comprovou que não se pode subestimar o mau gosto do público. E até mesmo seu produtor executivo chegou a afirmar que não iria lançá-lo por ter dúvidas a respeito de seu humor e pensar que ele iria causar mais problemas do que dinheiro. Por incrível que pareça, uma das comédias mais cultuadas de Hollywood correu sério risco de jamais ver a luz dos refletores - e de nunca ter se tornado uma das maiores surpresas da cerimônia do Oscar de 1968, ao levar a estatueta de melhor roteiro original, batendo o prestigiado "2001: uma odisseia no espaço", de Stanley Kubrick. Primeiro filme dirigido por Mel Brooks, "Primavera para Hitler" derrubou o preconceito da Academia em relação a comédias e foi o tom mais ameno de uma temporada recheada de petardos dramáticos como "O bebê de Rosemary", de Roman Polanski, "Romeu e Julieta", de Franco Zefirelli, e ""O leão no inverno", de Anthony Harvey.

Bem antes do ouro do Oscar, porém, a trajetória de "Primavera para Hitler" em direção ao prestígio passou por maus bocados. O maior responsável por suas dificuldades era, sem dúvida, seu tema: pouco mais de vinte anos depois do fim da II Guerra, uma comédia que citava o nome do chanceler alemão em tom de brincadeira não parecia algo muito auspicioso em termos comerciais - em especial quando um dos personagens era explicitamente nazista e não era condenado pelo roteiro (apesar de soar bastante patético, como aliás todos os demais personagens). Além disso, mostrar Hitler dançando ao lado de seus fiéis aliados não parecia uma boa ideia quando se pensava que (como aconteceu, mais tarde, por um tempo) países, como a própria Alemanha, poderiam banir o filme de seu território. Brooks, um diretor estreante com total controle criativo sobre sua obra - um caso raro na indústria -, não abriu mão de suas decisões e foi adiante com o projeto, desafiando o produtor executivo Joseph E. Levine inclusive na escolha do jovem Gene Wilder para um dos papéis cruciais para o filme. Levine não gostava do trabalho de Wilder e chegou a oferecer um extra de 35 mil dólares para que o cineasta escolhesse outro ator para viver o tímido contador Leo Bloom - mas de nada adiantou, para sorte do filme.

Bloom, o segundo personagem masculino mais importante do filme, chegou a ser oferecido a um iniciante Dustin Hoffman - que tinha preferência em outro papel, o do dramaturgo Frank Liebkind (que ficou com Kenneth Mars). Hoffman acabou por ser escolhido para liderar o elenco de "A primeira noite de um homem" (1967), o que possibilitou que Mel Brooks confirmasse o convite feito a Gene Wilder três anos antes das filmagens, quando o ator ainda era apenas um amigo e colega de Anne Bancroft (mulher do diretor) na peça "Mãe Coragem", de Brecht. Wilder quase não pode acreditar na sorte - estava praticamente falido e ainda não tinha um único filme no currículo, já que "Bonnie & Clyde: uma rajada de balas", no qual faz uma pequena participação, ainda não havia estreado - e aceitou, sem pestanejar, uma parceria que ainda lhe renderia bons momentos nas telas. O que Wilder não poderia imaginar, então, era que seu maior medo - ser recusado pelo protagonista da produção, Zero Mostel - não tinha o menor fundamento: assim que deu de cara com o apavorado jovem ator, Mostel imediatamente tornou-se seu protetor, contrariando sua fama de ditatorial e agressivo. O resultado foi uma química explosiva e rara, que deu ao filme um trunfo dos mais brilhantes.


 

Mas se a relação entre Mostel e Wilder era das melhores, o mesmo não poderia ser dito de sua rotina com Mel Brooks: frequentes embates a respeito de decisões criativas tornaram o relacionamento entre ambos um tanto difícil, ainda que respeitoso. Mostel, um experiente astro dos palcos e das telas, dava vida a Max Bialystock, um produtor de teatro que, em eternas dificuldades financeiras, encontrava no contador Leo Bloom o parceiro ideal para um golpe infalível: montar uma peça teatral (a pior possível) para que ela fracasse e lhes possibilite ficar com o dinheiro das financiadoras - um grupo de idosas com quem ele se relaciona por interesse. O texto escolhido, "Primavera para Hitler", é de autoria de um autor com sérios problemas mentais, e o diretor, Roger De Bris (Christopher Hewett), tem no currículo uma série de fracassos de bilheteria. Com uma equipe selecionada a dedo - entre os piores de cada função - e com um tema polêmico, não tem como dar certo. Mas nem sempre teatro é um investimento previsível, e os dois produtores podem ver sua fraude ir por água abaixo quando o público leva tudo na brincadeira - e tornam o espetáculo um surpreendente hit.

Pronto para ser lançado, "Primavera para Hitler" sofreu um baque inesperado: decepcionado com o humor pouco sofisticado do filme, seu produtor executivo ameaçou desistir da estreia. A decisão já estava praticamente tomada quando a sorte sorriu para Brooks e seus colegas. Cotado para interpretar Leo Bloom no começo da produção, o ator Peter Sellers não pode aceitar o papel, mas acabou por se tornar imprescindível na história do filme. Em uma de suas sessões de cinema privadas, com um grupo de amigos, o popular astro da série "Pantera cor-de-rosa" assistiu a uma cópia do filme, gostou muito do que viu e, ciente de que ele corria o risco de nunca ser lançado, conseguiu convencer a Allied Artists a estreá-lo. O fraco resultado das bilheterias até poderia ser a confirmação de que o instinto do executivo estava correto, mas o Oscar subsequente (e uma indicação a Gene Wilder como ator coadjuvante) e sua metamorfose em um cult movie, a partir dos anos 1970, deram a palavra final. Divertido, infame e construído a partir de um roteiro milimetricamente estruturado, "Primavera para Hitler" - rebatizado como "The producers" em seu lançamento - é uma das comédias mais insanas já feitas em Hollywood. Uma pérola que sobrevive ao tempo - e que deu origem a um musical da Broadway, que, por sua vez, rendeu uma versão para o cinema estrelada por Nathan Lane, Matthew Broderick e Nicole Kidman, lançado em 2005 e sem o mesmo impacto.

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