segunda-feira

MÃES PARALELAS

 


MÃES PARALELAS (Madres paralelas, 2021, El Deseo/Pathé Films, 123min) Direção e roteiro: Pedro Almodóvar. Fotografia: José Luis Alcaine. Montagem: Teresa Font. Música: Alberto Iglesias. Figurino: Paola Torres. Direção de arte/cenários: Antxón Gomez/Vicent Díaz. Produção: Agustin Almodóvar, Esther García. Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón, Rossy de Palma. Estreia: 01/9/2021 (Festival de Veneza)

2 indicações ao Oscar: Atriz (Penélope Cruz), Trilha Sonora Original

Os filmes do espanhol Pedro Almodóvar dificilmente podem ser resumidos em poucas palavras sem que se perda, no processo, todas as nuances de tramas raramente simples como podem parecer em um primeiro momento. "Mães paralelas" não foge à regra: o que a princípio soa como um mero melodrama (gênero no qual o diretor navega com conforto e experiência), se mostra, ao final, um poderoso estudo não apenas sobre a maternidade em si, mas também sobre relações familiares, sobre escolhas de vida e sobre o passado como força motriz para transformações no presente. Ao unir a história de duas desconhecidas que tem suas vidas transformadas pelo nascimento de seus bebês com uma trama a respeito de mortos pela ditadura franquista, Almodóvar se arrisca em um terreno novo - o drama político - sem abdicar de suas características mais notáveis (e que fizeram sua glória junto a cinéfilos e críticos).

"Mães paralelas" apresenta quase tudo aquilo que se pode esperar de um bom Almodóvar: personagens femininas fortes (com o bônus de uma atuação monstruosa de Penélope Cruz, a cada dia mais bonita e boa atriz), uma trama repleta de idas e vindas (que causa o terror de quem tenta resumir suas sinopses), uma trilha sonora marcante (indicada ao Oscar) e a capacidade de envolver o público sem muito esforço - além do retorno de sua parceria com a ótima Rossy de Palma. Voltando a um tema bastante caro a si mesmo - a maternidade -, o cineasta abre mão do deboche de suas produções mais anárquicas e aponta sua câmera em direção a uma história mais sombria e dramática, em que questões éticas e menções políticas caminham lado a lado sem que se atropelem ou ofusquem. Pode-se dizer que é um de seus filmes mais maduros e elegantes - o que, de certa forma, deixa pouco espaço para soluções mais catárticas e/ou lacrimosas. Pode soar um tanto anticlimático vindo de um diretor de sangue tão efervescente, mas não deixa de ser também um aceno a tempos mais delicados e sutis. "Mães paralelas" é um Almodóvar tanto atípico quando extremamente característico: um paradoxo que é, a seu modo, a cara de um dos mais fecundos e criativos realizadores da Europa desde a década de 1980.


A trama de "Mães paralelas" começa com o encontro de Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit) em uma maternidade: a primeira, com 40 anos, está prestes a dar à luz ao filho de seu amante casado; a segunda, adolescente, tem uma relação difícil com a mãe, uma atriz retomando a carreira, e não conta com o apoio do pai do bebê. Algum tempo depois, as duas se reencontram em uma situação pouco comum - não convém dar mais detalhes para não estragar as surpresas que vão surgindo - e criam laços inesperados e profundos. Enquanto isso, Janis insiste em seu projeto profissional de buscar, com a ajuda do pai de sua filha, as ossadas de presos políticos desaparecidos durante o regime franquista. 

Mencionado em uma única linha de diálogo de "Carne trêmula" (1997) - e mesmo assim de forma bastante implícita -, o sangrento período, compreendido entre 1939 e 1976, em que Francisco Franco espalhou violência e repressão junto a seus opositores na sociedade espanhola, surge em "Mães paralelas" com importância crucial, ainda que isso só fique claro em seus instantes finais. O que pode parecer um tanto gratuito transforma-se, aos poucos, em mais uma prova da capacidade de Almodóvar em conduzir o espectador por caminhos imprevisíveis - e com mais camadas do que se pressupunha. Afinal, se o cerne de seu filme é a maternidade (símbolo maior de lar e família), não seria o reencontro com o passado uma forma de fazer as pazes com o futuro? Almodóvar não apresenta respostas, apenas aponta questões - como um bom artista em sintonia com a sensibilidade e a inteligência de sua plateia. Talvez tudo só faça sentido um bom tempo depois da sessão, mas não é essa perenidade que caracteriza o bom cinema?

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