O ÂNCORA: A LENDA DE RON BURGUNDY (Anchorman: the legend of Ron Burgundy, 2004, DreamWorks Pictures/Apatow Productions, 94min) Direção: Adam McKay. Roteiro: Adam McKay, Will Ferrell. Fotografia: Thomas E. Ackerman. Montagem: Brent White. Música: Alex Wurman. Figurino: Debra McGuire. Direção de arte/cenários: Clayton R. Hartley/Jan Pascale. Produção executiva: Shauna Robertson, David O. Russell. Produção: Judd Apatow. Elenco: Will Ferrell, Christina Applegate, Paul Rudd, Steve Carell, David Koechner, Fred Willard, Seth Rogen, Vince Vaughn, Ben Stiller, Owen Wilson, Kathryn Hahn, Jack Black, Tim Robbins. Estreia: 28/6/2004
Na segunda metade da década de 1970 nenhum jornalista era mais importante e prestigiado em San Diego do que Ron Burgundy, âncora do programa de maior audiência da televisão regional, admirado pelo público e desejado pelas mulheres. Em uma emissora dominada por uma mentalidade machista, ele era o símbolo máximo de uma sociedade ainda impermeável às conquistas profissionais femininas. Porém, seu poder considerado definitivo sofreu um baque violento com a chegada de Veronica Corningstone, uma repórter dedicada e ambiciosa da Carolina do Norte, decidida a buscar seu lugar ao sol como o primeiro nome do telejornal. A disputa entre os dois - e o inesperado romance entre eles - movimentou os bastidores do telejornalismo da época, e precipitou a ascensão das mulheres no mercado de notícias televisivas. Uma história empolgante - mas que existiu apenas nas mentes dos roteiristas Will Ferrell e Adam McKay, responsáveis por "O âncora: a lenda de Ron Burgundy", uma comédia despretensiosa que, depois de ter sido esnobada diversas vezes pelo estúdio (a DreamWorks), surpreendeu ao ultrapassar a marca de 80 milhões de dólares de arrecadação somente no mercado doméstico (EUA e Canadá) e tornar-se cult por parte do público a ponto de render uma continuação, lançada mais dez anos depois. Com um humor que beira o ofensivo e flerta abertamente com a estupidez, o filme é ideal para quem gosta de rir sem precisar ligar o cérebro - mas, paradoxalmente, faz um crítica sagaz ao machismo e à indústria do jornalismo televisivo.
Com um elenco que é praticamente um quem é quem do humor norte-americano do começo dos anos 2000 - incluindo um Steve Carrel pré-estrelato - e participações especiais de nomes como Tim Robbins, Jack Black e Ben Stiller, "O âncora" parte de uma estrutura clássica narrativa para permitir a seus atores todo tipo de improviso, ampliando consideravelmente seu tom debochado e anárquico. Will Ferrell - também um dos autores do roteiro - deita e rola com um personagem sob medida para seu humor histriônico, que a tantos agrada e a muitos outros repele, e encontra no carisma de Christina Applegate um equilíbrio muito bem-vindo. Juntos em cena, os dois ilustram com perfeição o casamento entre a comédia rasgada e um romantismo que, por mais distorcido que seja, ameniza os exageros de uma produção que não tem medo de ir fundo na palhaçada e não poupa nada nem ninguém. Adam McKay - que pouco mais de uma década depois levaria um Oscar de roteiro por "A grande aposta" (2015), que também lhe renderia uma indicação à estatueta de direção - demonstra segurança ao comandar o que poderia facilmente transformar-se em um absoluto caos: com atores craques no improviso, ele mantém uma surpreendente coesão no desenvolvimento da narrativa mesmo diante de situações propensas ao bizarro.
Se
Ron Burgundy é o retrato perfeito do líder de um universo falocêntrico e
egoísta, seu séquito de colaboradores/admiradores/amigos não fica atrás
- e é um grande mérito que seus intérpretes tenham sido tão bem
escalados. Paul Rudd vive Brian Fantana, um repórter de campo mulherengo
e que considera irresistíveis suas qualidades físicas e suas táticas
amorosas; Steve Carell dá vida a Brick Tamland, o responsável pela
divulgação da previsão de tempo e com o raciocínio lento além da conta; e
David Koechner é o ator ideal para criar Champion Kind, especialista em
esportes e dono de um talento natural para a grosseria. Agindo como uma
gangue de adolescentes rebeldes, o grupo não apenas é uma metralhadora
giratória de absurdos verbais como também volta e meia se envolve em
brigas físicas com o time da emissora rival, liderado por Wes Mantooth
(Vince Vaughn), cuja principal ameaça é fisgar o primeiro lugar na
audiência. Quando Veronica entra em cena, conquistá-la (e impedi-la de
chegar à bancada do telejornal) passa a ser o objetivo principal de
todos - e nem mesmo a aparentemente dócil forasteira parece imune a tal
desejo. A forma com que McKay e Ferrell demonstram tais anseios (através
de momentos que brincam até mesmo com filmes musicais e melodramas) é o
que faz de "O âncora" uma pérola: é difícil não se deixar conquistar
por pelo menos uma das táticas do roteiro, que abrange todos os tipos de
comédia sem cair na falta de foco ou ritmo.
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