quarta-feira

TUDO SOBRE MINHA MÃE



TUDO SOBRE MINHA MÃE (Todo sobre mi madre, 1999, El Deseo SA, 101min) Direção e roteiro: Pedro Almodovar. Fotografia: Affonso Beatto. Montagem: José Salcedo. Música: Alfredo Iglesias. Figurino: Bina Daigeler, José Maria de Cossio. Direção de arte/cenários: Antxon Gomez/Federico Garcia Cambero. Produção executiva: Agustin Almodovar. Elenco: Cecilia Roth, Marisa Paredes, Penelope Cruz, Antonia San Juan, Candela Peña, Rosa Maria Sardá. Estreia: 16/4/99 

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Vencedor do Festival de Cannes - Melhor Diretor (Pedro Almodovar)


As atrizes hollywoodianas adoram reclamar – não sem certa razão - que é difícil encontrar bons e desafiadores papéis femininos. É de imaginar, portanto, seu choque quando assistiram a “Tudo sobre minha mãe”, filme que deu a Palma de Ouro de Melhor Diretor no Festival de Cannes ao espanhol Pedro Almodóvar. Em seu 13º longa-metragem, o cineasta atinge sua maturidade artística em um filme que apresenta ao público não apenas uma ou duas personagens femininas interessantes, mas simplesmente uma boa meia-dúzia delas (com espaço até mesmo para uma transexual). Deixando de lado os machistas protagonistas de seu filme anterior, o bem-sucedido “Carne trêmula”, Almodóvar criou personagens complexas, multidimensionais e fascinantes, donas dos próprios desejos e sofrimentos – e que carregam na pele e na alma as cicatrizes de suas vidas.

No centro dessa mulherada fascinante toda está Manuela (Cecília Roth em uma atuação madura e admirável), uma mulher assombrada pela trágica e precoce morte do filho adolescente, atropelado em plena noite de seu aniversário de 17 anos, quando tentava um autógrafo da atriz Huma Rojo (Marisa Paredes). Devastada pela dor, Manuela parte para Barcelona com o objetivo de encontrar o pai do rapaz e dar-lhe a triste notícia. Chegando lá, reencontra-se com uma amiga dos tempos de juventude, a prostituta transexual Agrado (a excelente Antonia San Juan, sempre a ponto de roubar as cenas). Através de Agrado, Manuela conhece Irmã Rosa (Penélope Cruz), uma jovem religiosa que dá assistência social nas ruas da cidade e que, para surpresa de todas, se descobre grávida justamente do ex-marido de Manuela, um conquistador que assumiu o nome de Lola ao passar a travestir-se. Fugindo do jugo da mãe burguesa (Rosa Maria Sardí), Rosa vai morar com Manuela justamente quando esta aceita o emprego como assistente pessoal de Huma Rojo, que chega à cidade acompanhada da amante Nina (Candela Pena), uma atriz viciada em drogas com quem vive uma relação tempestuosa.



A rede de relações criada por Almodóvar, nunca forçada e sim absolutamente orgânica graças ao elenco inspirado, empurra seu filme em uma ciranda de crescimento pessoal de todas as mulheres, que descobrem na amizade e na cumplicidade uma forma de seguir suas vidas, por mais complicadas que sejam ou estejam. Apoiado em uma fotografia belíssima do brasileiro Affonso Beato, que nunca trai as origens quentes do cineasta mas foge da cafonice proposital de seus primeiros filmes, o roteito não tem medo de criar um mundo surreal, onde o conquistador machista é também um travesti e uma religiosa aparentemente virgem está grávida e morrendo de AIDS. A trilha sonora de Alfredo Iglesias colabora com o clima melancólico e ao mesmo tempo otimista do filme, que apela para as emoções mais nobres do ser humano sem em nenhum momento buscar a lágrima fácil ou momentos clichês. Pode-se medir a genialidade e inteligência de um cineasta por sua capacidade de contar histórias fora do comum e com personagens quase à margem da realidade e ainda assim fazer com que seu público não fique a todo momento lembrando que está assistindo a apenas uma obra de ficção. Em "Tudo sobre minha mãe", o espanhol comprova - mais uma vez - seu imenso talento em mergulhar a plateia em um universo extremamente particular.

Repleto de um humor no limiar entre o irônico e o vulgar e citações cinematográficas - o título do filme é uma brincadeira com o nome original do clássico "A malvada" (All about Eve), que é assistido por Manuela e seu filho nas primeiras cenas, além de, em determinado momento da narrativa, a própria Manuela substituir Nina no palco, exatamente como acontece na obra estrela por Bette Davis - e teatrais, o filme ainda é dedicado às atrizes que já interpretaram atrizes, às atrizes que já interpretaram mães e à própria mãe do diretor. Uma delicadeza a mais em uma obra impecável, merecidamente premiada com o Oscar de melhor filme estrangeiro e a Palma de Ouro de melhor diretor do Festival de Cannes 1999. Sem dúvida, o melhor trabalho de Pedro Almodóvar, um cineasta acostumado a ser fenomenal.

2 comentários:

renatocinema disse...

Cecília Roth dá show nesse filme.

Um filme envolvente, encantador e apaixonante......como quase todos do diretor.

Adoro o humor meio dúbio do filme.

Belo texto sobre um belo filme.

Emmanuela disse...

Este filme é mesmo fascinante! Sem dúvida um dos melhores do diretor que manipula os sentimentos humanos singularmente.

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