quinta-feira

CIDADÃO KANE


CIDADÃO KANE (Citizen Kane, 1941, RKO Pictures, 119min ) Direção: Orson Welles. Roteiro: Orson Welles, Herman J. Mankiewicz. Fotografia: Gregg Toland. Montagem: Robert Wise. Música: Bernard Herrman. Figurino: Edward Stevenson. Direção de arte/cenários: Van Nest Polgase/Darrell Silvera. Produção: Orson Welles. Elenco: Orson Welles, Joseph Cotten, Dorothy Comingore, Agnes Moorehead, Ruth Warrick. Estreia: 01/5/41

9 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Orson Welles), Ator (Orson Welles), Roteiro Original, Fotografia, Montagem, Trilha Sonora Original, Direção de Arte/Cenários, Som
Vencedor do Oscar de Roteiro Original

Perguntem a qualquer crítico de cinema quais são seus dez filmes preferidos e se existe uma obra que certamente estará na lista de todos é "Cidadão Kane". Lançado em 1941 sob uma saraivada de protestos do magnata das comunicações William Randolph Hearts, que via no protagonista uma cópia mal-disfarçada de sim mesmo (e com toda razão), o filme de estreia do então menino-prodígio Orson Welles foi um fracasso de bilheteria, para alívio de Hearts, mas, conforme o tempo foi passando, mais e mais estudiosos foram descobrindo suas inúmeras e inegáveis qualidades, que o levaram facilmente a encabeçar as listas de melhores filmes de todos os tempos dos anos 60 pra cá.

Quando foi contratado pela RKO Pictures para estrear como cineasta, Welles - com meros 24 anos à época das filmagens - já era um nome consagrado no teatro, como um criativo ator e diretor shakespereano e no rádio, onde sua transmissão de "A guerra dos mundos", de H.G. Wells causou pânico generalizado. Tido como um gênio, ele surpreendeu o mundo do cinema com uma liberdade artística que nem mesmo aos mais consagrados autores era permitida. Nada mais natural, portanto, que as expectativas em torno de seu primeiro filme fossem as mais altas possíveis. O fracasso financeiro de "Cidadão Kane", sendo assim, deu um banho de água fria em seus planos. Seu filme seguinte, "Soberba", lhe foi tomado das mãos na fase de edição e nunca mais Welles atingiu a unanimidade de seu primeiro trabalho. Polêmico e não exatamente uma pessoa fácil de se conviver, ele acabou por se deixar queimar pela vaidade, mas ninguém poderá dizer que não deixou sua marca indelével na história do cinema já em seu passo inicial na sétima arte.

Antes de começar "Cidadão Kane", Welles tinha a intenção de dirigir uma versão para as telas do clássico "Coração das trevas", de Joseph Conrad. A história do magnata das comunicações só foi sua terceira opção, mas assim que a ideia do roteirista Herman J. Mankiewicz (irmão do cineasta Joseph) lhe chegou às mãos, parecia-lhe que não havia papel melhor para seu debut. A história de Charles Foster Kane - um menino pobre que herda uma fortuna e cria um império jornalístico não exatamente ético mas incrivelmente popular - acabou despertando a curiosidade do então todo-poderoso Hearst, que viu na trajetória do personagem de Welles um espelho de sua própria. Foi o que bastou para que ele iniciasse uma guerra sem precedentes contra um único filme. Represálias, ameaças e chantagens foram algumas das armas utilizadas pelo magnata, o que não impediu o corajoso Welles de estrear seu filme - para logo em seguida, vê-lo fracassar nas bilheterias e ser alvo do desprezo de seus próprios colegas de cinema - como retrata de forma sublime o documentário "A batalha por Cidadão Kane", disponível como extra no DVD duplo lançado pela Warner. Foi preciso uma distância de duas décadas para que se tornasse um dos mais admirados e louvados produtos do cinema americano em toda a história.


Talvez o que mais tenha prejudicado "Cidadão Kane" em sua estreia - mais até do que a campanha difamatória e negativa da imprensa comandada por Hearst - tenha sido sua coragem em romper com os padrões dos filmes da época. Ousado e inteligente, Welles simplesmente contou a história de Kane da maneira mais surpreendente e aparentemente caótica possível. Ao apresentar seu protagonista sob diversos pontos de vista - utilizando para isso uma edição complexa e uma ordem cronológica aparentemente desconexa - o cineasta destrói as convenções até então em voga e convida o espectador a uma experiência inédita. Para isso contribui a fotografia excepcional de Gregg Tolland, a cereja do bolo: inovando praticamente de todas as formas, Tolland virou de cabeça pra baixo as regras da narrativa convencional, sendo a manifestação visual perfeita para o roteiro genial de Welles e Mankiewicz, que usa e abusa de flashbacks, cinejornais forjados e diálogos sobrepostos. À parte isso, ainda existe o talento do Welles ator, que encarna o protagonista da juventude à velhice, quando ele morre em sua mansão Xanadu, construída para sua amante - tal como Hearst fez na vida real.

É a morte de Kane que dá início ao filme. Na busca da imprensa pelo significado de sua última palavra - "Rosebud" - o filme se desenrola, com personagens fornecendo pistas sobre sua personalidade complicada, tal como peças de um quebra-cabeça que só vai ser completo na cena final, quando o sentido da vida do milionário finalmente fica claro ao público. É tudo tão admirável na maneira como Welles conta sua história que pouca gente percebe um erro quase grotesco: se Kane morre sozinho em seu quarto, quando diz sua palavra final, quem a ouve para iniciar a busca central do filme?

Se é o melhor filme de todos os tempos é questionável. Mas é inegável que "Cidadão Kane" foi essencial para que o cinema desse muitos passos adiante com seu formato narrativo e suas inovações até hoje assombrosas. Ainda bem que o poderio de Hearst não foi capaz de queimar os negativos como queria. Certamente o cinema seria bem mais pobre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acho chocante esse filme ser tão antigo... seus diálogos são muito atuais

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