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O ESCORPIÃO DE JADE


O ESCORPIÃO DE JADE (The curse of the Jade Scorpion, 2001, Dreamworks Pictures/Gravier Productions, 113min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Fei Zhao. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Suzanne McCabe. Direção de arte/cenários: Santo Loquasto/Jessica Lanier. Produção executiva: Stephen Tenenbaum. Produção: Letty Aronson. Elenco: Woody Allen, Helen Hunt, Dan Ayckroyd, Charlize Theron, Wallace Shawn, Elizabeth Berkley, David Ogden Stiers. Estreia: 05/8/2001 (Hollywood Film Festival)

Nova York, 1940. CW Briggs trabalha há dezesseis anos como investigador em uma agência de seguros, e é considerado um dos melhores do ramo por, segundo gosta de afirmar, ter a mente criminosa necessária para o trabalho. Arraigado a seus métodos clássicos, Briggs vê em Betty Ann Fitzgerald, a mais nova contratada do escritório, uma ameaça à sua estabilidade profissional: cheia de ideias para renovar o ambiente, ela não faz a menor questão de esconder sua antipatia gratuita pelo veterano colega. A relação de total antagonismo entre os dois não é desconhecida pelos outros empregados, ao contrário do relacionamento secreto entre Betty Ann e seu chefe, Chris Magruder - que há tempos promete abandonar a família para assumir o novo relacionamento. Ambos frustrados - por motivos diferentes - e necessitados de momentos de diversão, os dois aceitam o convite para a apresentação de um mágico em uma casa noturna e tem suas rotinas transformadas: hipnotizados pelo misterioso Voltan, eles divertem a plateia ao se revelarem apaixonados quando em transe - e, à sua revelia e sem o conhecimento de mais ninguém, passam, a partir de então, a cometer, sob o comando do mago, uma série de roubos de joias que podem colocá-los em sérios problemas com a justiça. Além disso, tal situação acaba os aproximando mais do que gostariam de admitir.

Lançado em 2001 e distribuído pela Dreamworks Pictures, "O escorpião de jade" estabeleceu duas marcas numéricas para a carreira de Woody Allen: não apenas era o filme mais caro do diretor até então (com um orçamento de 28 milhões de dólares) como estreou em cerca de 900 salas nos EUA, um lançamento bastante generoso para um cineasta acostumado a circuitos bem mais modestos. Tal providência não foi suficiente, no entanto, para chamar a atenção do público, que não se deixou conquistar por seu humor inteligente e produção caprichada. Apresentando uma reconstituição de época cuidadosa e uma paleta de cores das mais elegantes, "O escorpião de jade" é uma espécie de homenagem do diretor às comédias românticas da década de 1940, estreladas por Cary Grant e Katharine Hepburn. Repleto de diálogos brilhantes e com uma trama original e imprevisível, o filme reafirma a fascinação de Allen por mágicos e afins (elementos com que já havia brincado em "Édipo arrasado" (1989) e "Simplesmente Alice" (1990)), além de oferecer a Helen Hunt um de seus raros bons papéis depois do Oscar por "Melhor é impossível (1997). Hunt, que teve o privilégio de ler o roteiro inteiro antes de aceitar o trabalho (e mesmo assim com um mensageiro esperando na sala ao lado para levar o script de volta), está nitidamente à vontade como Betty Ann Fitzgerald, uma mulher inteligente e sagaz, mas incapaz de se deixar envolver pela mais antiga das mentiras masculinas. Na pele de Briggs, porém, Allen não vai além do que se espera de uma atuação sua: não à toa, ele detesta seu desempenho no filme, frustrado pela recusa de suas duas primeiras opções, Tom Hanks e Jack Nicholson.

 

Não que Allen não esteja em boa forma. Como ele mesmo reconhece, seus dons como ator são bastante restritos, mas CW Briggs é um personagem que cabe em suas limitações. Levemente atrapalhado, metido a conquistador, cheio de manias e com uma saudável dose de neuroses, Briggs diverte a plateia com tiradas rápidas e repletas de um sarcasmo delicioso. Sua parceria com Helen Hunt é preciosa, e a participação mais do que especial de Charlize Theron (depois de uma rápida aparição em "Celebridades", de 1999) incendeia a tela em poucos minutos. Além disso, ao contrário do que acontece na maioria de sua filmografia, o roteirista Allen não se obriga a ter pressa: perto de sua média de 90 minutos de duração, as quase duas horas de "O escorpião de jade" soam como um épico - e, por incrível que pareça, não há nenhuma gordurinha na narrativa, que flui equilibrada entre a comédia romântica à moda antiga e um leve drama policial. Aliás, se há algo do que se reclamar é justamente o fato desse equilíbrio prejudicar o aprofundamento das duas histórias contadas, ainda que elas dialoguem profundamente: apesar da trama dos roubos render bons momentos, é a relação entre Briggs e Betty Ann que torna o filme notável.

Relegado a um segundo plano na carreira de Allen, "O escorpião de jade" estreou nos EUA pouco mais de um mês antes dos atentados ao World Trade Center e, em um gesto de simpatia, o cineasta pisou pela primeira vez no palco da cerimônia do Oscar no começo do ano seguinte para apresentar uma homenagem à Nova York. Em uma de suas tiradas geniais, ele começou seu discurso afirmando que, ao receber um telefonema da Academia, pensou que fosse para um pedido de desculpas por seus integrantes terem ignorado seu filme. Teria sido compreensível: mesmo que "O escorpião de jade" não seja uma obra-prima, seus valores de produção são inegáveis, e uma indicação à estatueta de roteiro original era mais que merecida. Pouco visto e pouco comentado, é um filme que precisa ser descoberto e alçado à lista dos melhores do diretor.

2 comentários:

Odntht disse...

Devo dizer que foi uma surpresa agradável ver que está novamente postando coisas no blog...

Clenio disse...

OI... pois é, às vezes eu sumo um pouco, mas o tesão em escrever sempre me traz de volta. Obrigado pela força.

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