quinta-feira

O BEIJO DA MULHER-ARANHA


O BEIJO DA MULHER-ARANHA (Kiss of the Spider Woman, 1985, HB Filmes/FilmDallas Pictures, 120min) Direção: Hector Babenco. Roteiro: Leonard Schrader, romance de Manuel Puig. Fotografia: Rodolfo Sanchez. Montagem: Mauro Alice. Música: John Neschling, Nando Carneiro. Figurino: Patrício Bisso. Direção de arte/cenários: Clovis Bueno. Produção executiva: Francisco Ramalho Jr.. Produção: David Weisman. Elenco: William Hurt, Raul Julia, Sonia Braga, José Lewgoy, Milton Gonçalves, Miriam Pires, Herson Capri, Nuno Leal Maia, Denise Dummont, Antonio Petrin, Wilson Grey, Miguel Falabella, Patrício Bisso. Estreia: 13/5/85 (Festival de Cannes)

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Hector Babenco), Ator (William Hurt), Roteiro Adaptado

Vencedor do Oscar de Melhor Ator (William Hurt)

Melhor Ator (William Hurt) no Festival de Cannes

Levando-se em consideração a profusão de problemas em sua produção, não deixa de ser admirável o grande sucesso de crítica alcançado por "O beijo da mulher-aranha", até hoje o único filme brasileiro a ser indicado ao Oscar de melhor filme. Adaptado do célebre romance do argentino Manuel Puig - que também foi adaptado para os palcos como peça de teatro e posteriormente como musical - e dirigido por Hector Babenco (nascido na Argentina e naturalizado brasileiro), o filme tornou-se também a primeira produção independente a concorrer ao prêmio máximo da Academia - e deu a William Hurt sua merecida estatueta de melhor ator (que foi parar em sua prateleira ao lado das láureas do Festival de Cannes, do BAFTA, do David de Donatello - o Oscar italiano -, e dos críticos de Los Angeles e Londres). Filmado em São Paulo entre outubro de 1983 e março de 1984 - contrariando o cronograma previsto em mais de um mês - e preso a problemas de pós-produção que atrasaram seu lançamento em mais de um ano (o Festival de Nova York chegou a recusá-lo, assim como várias distribuidoras, antes que Cannes finalmente o aceitasse), o filme de Babenco foi, também, responsável pelo estabelecimento de Sônia Braga como estrela internacional - ela foi indicada ao Golden Globe de melhor atriz coadjuvante e foi uma das apresentadoras do Oscar 1986.

Mesmo falando inglês foneticamente - ainda não dominava o idioma à época das filmagens -, Sonia é uma das maiores qualidades do filme de Babenco: linda, sexy e dotada de um ar misterioso que sublinha o tom onírico do roteiro, ela transita pela história criada por Puig (e adaptada por Leonard Schrader, irmão do cineasta Paul) na pele de três personagens distintas, e serve como unidade dramática a uma trama que se utiliza da fantasia como forma de sobreviver à dureza da realidade. Com fortes tons políticos - bem-vindos em um período em que o Brasil saía de uma ditadura militar, que também corroeu vários países da América do Sul, como a própria Argentina - e a coragem de ter como protagonistas um homossexual assumido e um preso político, "O beijo da mulher-aranha" é um marco inquestionável do cinema nacional, mesmo com seus defeitos (perdoáveis quando postos em perspectiva).

Com um orçamento restrito a ponto de William Hurt e Raul Julia concordarem em trabalhar pelas passagens aéreas e hospedagem em São Paulo, a produção de "O beijo da mulher-aranha" se viu sem dinheiro para a pós-produção, tão logo as filmagens (atrasadas) acabaram. Em nada ajudava o fato de Babenco e o produtor David Weisman brigarem constantemente durante a fase de edição - a ponto de obrigar o roteirista, Leonard Schrader, a viajar ao Brasil para impedir maiores estragos. A maior dificuldade enfrentada pelo editor, Mauro Alice, era conectar a história principal com as sequências que materializavam os filmes narrados por um dos protagonistas - um problema que explodiu logo depois do término do processo, quando tanto Hurt quanto Julia desgostaram profundamente do resultado. Hurt - não exatamente um ator de personalidade fácil - chegou a cogitar a ideia de comprar os negativos para queimá-los e impedir seu lançamento. Para sorte de todos, porém, as coisas se acalmaram com o tempo, e a estreia, no Festival de Cannes, começou a mostrar que o filme estava no caminho certo: Hurt levou seu primeiro prêmio e pavimentou sua trajetória rumo ao Oscar. Nada mal para um intérprete que não era exatamente a escolha ideal do diretor.

Hector Babenco não considerava Hurt a opção ideal para viver Luis Molina, um homossexual condenado por corrupção de menores e que divide a cela com Valentin Aguerri (Raul Julia), um preso político com quem tem uma relação a princípio distante e posteriormente de admiração, respeito e amor. Burt Lancaster, a escolha original, porém, já não tinha mais idade para o papel, e Hurt, já devidamente considerado um grande ator, soava norte-americano e saudável demais para ser convincente. Na primeira leitura, no entanto, o cineasta mudou de ideia - e, apesar do sucesso de sua escolha, teve bons motivos para quase arrepender-se da decisão: em determinado ponto das filmagens, ator e astro não se falavam diretamente, com seus gênios fortes impedindo a tranquilidade da relação. Além disso, constantes mudanças no roteiro incomodavam o ator - que, no entanto, era considerado um exemplo de dedicação ao trabalho, ao lado de seu colega de cena. Tanto empenho fica claro quando se assiste ao produto final: apesar do ótimo trabalho de Raul Julia, é Hurt quem rouba a cena e engole tudo à sua volta, em uma interpretação antológica e inesquecível. Molina é um personagem complexo, difícil e, em mãos erradas, bastante propensa à caricatura e ao exagero: com extrema sensibilidade, Hurt entrega uma performance jamais previsível.

É difícil não perceber alguns problemas sérios em "O beijo da mulher-aranha", uma produção nitidamente modesta, tanto em termos visuais quanto técnicos. Porém, a inteligência do roteiro - que dá pistas sobre a relação entre os dois protagonistas através das histórias contadas pelo romântico Molina, lindamente fotografadas por Rodolfo Sanchez - e o talento superlativo de seus intérpretes principais (Sonia Braga incluída) fazem dele um capítulo indispensável na história do cinema brasileiro, que, a despeito de seu crescimento artístico, ainda não voltou a figurar entre os escolhidos da Academia na disputa por seu prêmio máximo.

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