terça-feira

DESEJO PROIBIDO


DESEJO PROIBIDO (If these walls could talk 2, 2000, HBO Films/Team Todd, 96min) Direção: Jane Snderson ("1961"), Martha Coolidge ("1972"), Anne Heche ("2000"). Roteiro: Jane Anderson ("1961"), Sylvia Sichel, estória de Sylvia Sichel e Alex Sichel ("1972"), Anne Heche ("2000"). Fotografia: Peter Deming, Paul Elliott, Robbie Greenberg. Montagem: Margaret Goodspeed. Música: Basil Poledouris. Figurino: Julia Caston. Direção de arte/cenários: Nina Ruscio/Susan Mina Eschelnach, K. C. Fox, Mary E. Gullickson. Produção executiva: Ellen DeGeneres, Jennifer Todd, Suzanne Todd. Produção: Mary Kane. Elenco: Vanessa Redgrave, Michelle Williams, Chloe Sevigny, Sharon Stone, Ellen DeGeneres, Paul Giamatti, Elizabeth Perkins, Marian Seldes, Nia Long, Natasha Lyonne, Heathe McComb, Rashida Jones, Regina King, Kathy Najimy. Estreia: 05/3/2000

Em 1996, a HBO lançou, com enorme sucesso de público e crítica, o polêmico "O preço de uma escolha", que trata, em três histórias distintas, de um assunto bastante controverso na sociedade norte-americana: o aborto. Com um elenco que contava com Demi Moore, Catherine Keener e Cher - também uma das diretoras -, o filme chegou a ser indicado a três Golden Globes e estabeleceu um alto parâmetro para as produções do canal. Quatro anos mais tarde, "Desejo proibido" tentou repetir o êxito, voltando a discutir uma questão delicada (ao menos para a audiência mais conservadora) e seguindo a mesma estrutura do original. Ao retratar a homossexualidade feminina - e a forma como ela é vista - em três tempos e enfoques distintos, a produção manteve o tom sério e respeitoso do primeiro filme, mas como normalmente acontece com antologias, não conseguiu escapar da irregularidade. Potente em sua primeira parte, interessante em sua segunda e leve em seu encerramento, "Desejo proibido" revela um panorama abrangente de seu tema, mas nem sempre consegue atingir todo o seu potencial.

O primeiro (e melhor) capítulo se passa em 1961 e apresenta a triste história de Edith Tree (Vanessa Redgrave), que vê sua vida desmoronar com a morte de Abby Hedley (Marian Seldes), sua parceira há mais de cinquenta anos. A tragédia fica ainda maior quando um sobrinho distante de Abby, o pouco afetivo Ted (Paul Giamatti) surge para reivindicar a propriedade onde elas moravam: sem o amparo legal que poderia lhe dar o direito de ficar com a casa que ajudou a pagar, Edith precisa lidar com questões práticas ao mesmo tempo em que experimenta a impensável dor da perda. A diretora e roteirista Jane Anderson é extremamente feliz em imprimir o tom de melancolia e amor maduro, valorizado pela atuação monstruosa de Vanessa Redgrave. Começando sua história já em grande estilo - com uma citação direta do clássico "Infâmia" (1961), em que Shirley MacLaine e Audrey Hepburn tinham sua escola atacada por insinuações de homossexualidade -, Anderson é elegante e romântica, ao mesmo tempo em que desperta no espectador toda a indignação possível diante da situação absurda. Destaca-se também o belo trabalho de Elizabeth Perkins, na pele de Alice, a fútil e insensível esposa de Ted, e a sutileza do roteiro, que vai apresentando camadas ao tema conforme a trama vai se desenhando: do medo de andar próximas na rua às burocracias médicas, tudo é tratado com delicadeza extrema, que eleva o primeiro episódio do filme ao status de pequena obra-prima.

 

Já o segundo segmento, dirigido por Martha Coolidge, peca por sua incapacidade (ou opção) de aprofundar um questionamento bastante relevante - inclusive dentro da comunidade gay. Em 1972, quando os movimentos feministas e homossexuais estavam em alta dentro da sociedade dos EUA, a jovem Linda (Michelle Williams), um tanto decepcionada com o preconceito que presencia junto às pretensamente liberadas e modernas ativistas, se envolve com Amy (Chloe Sevigny), a quem conhece em um bar frequentado por lésbicas. Apesar de morar com um amigas também gays, ela passa a conhecer a discriminação dentro da própria casa, já que Amy, ao contrário delas, se veste como homem e age de forma masculinizada. Sem saber como lidar com a diferença entre elas - e pressionada pelas colegas, pouco à vontade com sua nova namorada -, Linda passa a questionar até que ponto as aparências podem influir na saúde de seu relacionamento. Coolidge (que assinou o delicado "As noites de Rose", que indicou Laura Dern e Diane Ladd ao Oscar, em 1992) constrói uma obra de textura visual quase palpável, que mergulha o espectador no universo de suas personagens, mas tropeça na superficialidade do roteiro, que não sabe desenvolver a contento todas as possibilidades do tema e ainda surge com um desfecho artificialmente feliz e fácil. Michelle Williams - começando sua trajetória em interpretar mulheres sofridas e atormentadas - está bem, mas Chloe Sevigny - recém vinda de uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante por "Meninos não choram" (1999) - já apresenta alguns trejeitos e expressões que seriam comuns à toda a sua carreira posterior.

 

O ato final da produção, por sua vez, aposta na leveza, no bom humor e até no otimismo - como um aceno aos novos tempos que (todos esperavam) estavam por surgir. No ano 2000, um casal bem resolvido, feliz e apaixonado, resolve ter um filho e completar sua família não convencional. A princípio, Fran (Sharon Stone) e Kal (Ellen DeGeneres) querem que um amigo seja o pai biológico de seu bebê, mas ao ver sua proposta recusada por Arnold (Mitchell Anderson) e Tom (George Newbern), passam a tentar outros modos de concepção. Para isso, buscam um doador anônimo de esperma (em um site especializado), inseminação artificial (em uma clínica conceituada) e meses de tensão enquanto esperam um resultado positivo. Enquanto isso, questionam (mas não muito) a ideia de por um filho em um mundo preconceituoso, violento e super povoado. Escrito e dirigido por Anne Heche (esposa de Ellen DeGeneres à época), o episódio é bem menos denso do que os primeiros, preferindo um tom positivo que encontra eco no desempenho solar de Sharon Stone e no sarcasmo de DeGeneres. Novamente faz falta um aprofundamento do tema, mas sua opção em seguir um caminho oposto ao drama dos dois primeiros segmentos não deixa de ser acertado, principalmente ao contrapor a dor do preconceito à esperança de um novo e mais tolerante mundo.

No cômputo final, "Desejo proibido" tem mais acertos do que erros. Em uma época em que a televisão ainda engatinhava em tratar de temas polêmicos - ao menos de forma tão explícita -, o filme tem a coragem não apenas de falar sobre a homossexualidade feminina em algumas de suas diversas formas, mas também de não esconder o amor das protagonistas em cenas veladas e/ou falsamente pudicas. Com sequências de sexo dirigidas com bom gosto e delicadeza (mesmo que limitadas pelo veículo) e sem medo de se posicionar ao lado contrário a qualquer tipo de intolerância, a produção posicionou a HBO como um importante aliado na causa gay e deu um passo à frente na caminhada da emissora pelo prestígio de que viria a desfrutar logo em seguida.

 

quinta-feira

ENTRE FACAS E SEGREDOS

 


ENTRE FACAS E SEGREDOS (Knives out, 2019, Lionsgate, 130min) Direção e roteiro: Rian Johnson. Fotografia: Steve Yedlin. Montagem: Bob Ducsay. Música: Nathan Johnson. Figurino: Jenny Eagan. Direção de arte/cenários: David Crank/David Schlesinger. Produção executiva: Tom Karnowski. Produção: Ram Bergman, Rian Johnson. Elenco: Daniel Craig, Ana de Armas, Jamie Lee Curtis, Christopher Plummer, Toni Collette, Chris Evans, Don Johnson, LaKeith Stanfield, Katherine Langford, Riki Lindhome, Jaden Martell, Eddi Patterson, K Callan, Frank Oz, Noah Segan. Estreia: 07/9/2019 (Festival de Toronto)

Indicado ao Oscar de Roteiro Original

É impossível ser apresentando a Benoit Blanc sem que o personagem mais famoso de Agatha Christie venha à mente. Claramente calcado no belga Hercule Poirot - presença em 33 romances e 54 contos da escritora inglesa -, o detetive criado pelo diretor e roteirista Rian Johnson para seu "Entre facas e segredos" não envergonha sua maior fonte de inspiração: excêntrico, inteligente e sofisticado, Blanc também encontrou em Daniel Craig seu intérprete ideal e teve a suprema sorte de fazer sua primeira aparição nas telas em uma produção que consegue ser uma empolgante história de detetive, uma deliciosa comédia e um belo (ainda que descompromissado) estudo de personagens. Indicado a um merecido Oscar de roteiro original (que perdeu para o impecável "Parasita") e o pontapé inicial do que promete ser uma bem-sucedida série de filmes, "Entre facas e segredos" se beneficia ainda de um elenco impecável, que reúne nomes consagrados (Christopher Plummer, Jamie Lee Curtis), novatos promissores (Ana de Armas, Katherine Langford) e astros populares (Chris Evans, Toni Collette). Lançado no Festival de Toronto, em setembro de 2019, tornou-se um dos maiores sucessos de bilheteria do ano - com mais de 300 milhões de dólares arrecadados internacionalmente - e confirmou Johnson (de "Star Wars: os últimos Jedi") como um dos novos (e originais) talentos de Hollywood.

A trama criada por Johnson começa quando Harlan Thrombey (Christopher Plummer), famoso escritor de romances policiais, é encontrado morto no dia seguinte à festa em comemoração a seus 85 anos de idade. Apesar de todas as evidências levarem a crer que o escritor cometeu suicídio, o detetive Benoit Blanc (Daniel Craig) é misteriosamente contratado para fazer uma investigação mais aprofundada, para surpresa da disfuncional família da vítima - todos com sólidos motivos para ficarem satisfeitos com o desaparecimento do patriarca. Richard (Don Johnson), seu genro, acabara de ter um romance extraconjugal descoberto pelo sogro, que o obrigava a contar a verdade à esposa, Linda (Jamie Lee Curtis); Walt (Michael Shannon), seu filho caçula, fora demitido do cargo de responsável pela editora da família, que ocupava mesmo com conflitos de interesse com o pai; sua nora, Joni (Toni Collette), tivera desmascarado seu esquema de embolsar duas vezes o pagamento da universidade da filha adolescente; e seu neto, Ramson (Chris Evans) fora deserdado depois de um sério desentendimento. Enquanto conversa com os suspeitos e se aproxima da família, Blanc conta com a ajuda da amiga e cuidadora de Harlan, a brasileira Marta Cabrera (Ana de Armas) - que parece saber muito mais do que aparenta, mas teme por sua família de imigrantes.

 


Ao utilizar-se de vários elementos que fizeram a glória das histórias policiais clássicas - uma mansão que é parte integrante da narrativa, uma vítima de índole duvidosa, uma série de suspeitos pouco afeitos à verdade, pistas falsas, reviravoltas constantes e um detetive fascinante - "Entre facas e segredos" conquista a plateia sem muito esforço. Basta poucos minutos para que o público já esteja envolvido na trama e com sua própria versão da verdade definida - o que, logicamente, muda conforme a ação vai se desenvolvendo. A edição inteligente, que usa e abusa de flashbacks intrigantes e reveladores, é um destaque extra, ao enfatizar as várias camadas do belo roteiro. E se Daniel Craig tem a chance de um novo personagem a ser explorado em uma série de filmes - "Glass Onion" estreou em 2022 e outros capítulos devem vir com o tempo -, o elenco de coadjuvantes de peso não fica atrás. Antes de sua indicação ao Oscar pelo polêmico "Blonde" (2022), a cubana Ana de Armas apresenta um misto de carisma e inocência que justifica a atenção de Hollywood a seu nome; Jamie Lee Curtis mostra que a maturidade lhe fez muito bem; Toni Collette mais uma vez rouba a cena sempre que aparece; e Chris Evans surpreende ao explorar com sagacidade sua imagem de galã irônico e mordaz. Mérito da direção firme de Rian Johnson - com um belo timing cômico a serviço de uma boa história -, a química impecável do elenco mostra-se providencial para prender a atenção do espectador, e a direção de arte reflete visualmente as características exuberantes da trama e dos personagens, repletos de idiossincrasias e segredos.

Divertido e sagaz como os melhores livros de Agatha Christie, "Entre facas e segredos" é um presente aos fãs do gênero. Anos-luz à frente das modernas adaptações da obra da escritora dirigidos por Kenneth Branagh - que matam suas maiores qualidades em busca de um público mais afeito a redes sociais do que a telas de cinema -, o filme de Rian Johnson é a prova de que enredos espertos, diretores competentes e atores talentosos são muito mais importantes do que pretensas rupturas narrativas e visuais. Tradicional e clássico na estrutura e no desenvolvimento - mas com a agilidade do bom cinema  norte-americano comercial -, é capaz de conquistar, sem contraindicações, qualquer tipo de público que goste de ser seduzido por uma boa trama de mistério e bom-humor.

quarta-feira

O DESPERTAR DE UMA PAIXÃO

 


O DESPERTAR DE UMA PAIXÃO (The painted veil, 2006, Warner Independent Pictures/Bob Yari Productions, 125min) Direção: John Curran. Roteiro: Ron Nyswaner, romance de W. Somerset Maughan. Fotografia: Stuart Dryburgh. Montagem: Alexandre de Franceschi. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Ruth Myers. Direção de arte/cenários: Juhua Tu/Peta Lawson. Produção executiva: John Curran, Mark Gordon, Robert Katz, Ron Nyswaner. Produção: Sara Colleton, Jean-François Fonlupt, Edward Norton, Naomi Watts, Bob Yari. Elenco: Edward Norton, Naomi Watts, Liev Schreiber, Toby Jones, Juliet Howland. Estreia: 13/12/2006

Vencedor do Golden Globe de Trilha Sonora Original

Publicado em forma de folhetim na revista Cosmopolitan, entre novembro de 1924 e março de 1925, o o romance "The painted veil", de W. Somerset Maughan, deu origem a duas adaptações cinematográficas antes de 2006. A primeira, lançada em 1934 como "O véu pintado",  tinha Greta Garbo como estrela mas não chega a ser um grande destaque na carreira da icônica atriz. A segunda, batizada como "O sétimo pecado", estreou em 1957e apresentava Eleanor Parker no principal papel feminino - e é igualmente pouco lembrada em seu currículo. Por isso, quando uma terceira versão do filme chegou às telas, no final de 2006, não houve a gritaria sempre tão comum quando se trata de refilmagens de clássicos. Dirigido por John Curran (cineasta sem um grande sucesso para chamar de seu) e estrelado por dois atores de grande prestígio, Edward Norton e Naomi Watts, "O despertar de uma paixão" é uma adaptação fiel e elegante de uma história sobre amor, traição e perda - e se não alcançou o sucesso merecido, isso diz mais sobre o mau costume do público de consumir produtos rasos do que sobre suas várias qualidades.

A história se passa na década de 1920 e começa com o casamento da bela e frívola Kitty Garstin (Naomi Watts em papel oferecido a Nicole Kidman) com o jovem bacteriologista Walter Fane (Edward Norton). Ansiando por fugir dos domínios da mãe possessiva, Kitty aceita o pedido do introvertido Fane e se muda com ele para Shangai. Lá, sentindo-se solitária e deslocada, ela se apaixona por um conterrâneo, o vice-cônsul Charles Townsend (Liev Schreiber), e inicia um tórrido romance que, pouco discreto, acaba descoberto por seu marido. Ofendido em seus brios e disposto a punir a esposa, Fane planeja, então, uma vingança das mais cruéis: cabe a Kitty passar por um divórcio escandaloso e, por consequência, ser rejeitada pela sociedade, ou acompanhá-lo a um distante vilarejo acometido por um violento surto de cólera. Decepcionada com a atitude de Townsend em não ampará-la, Kitty embarca com o marido para uma viagem da qual não sabe se voltará. Longe da cidade, porém, ela acaba por encontrar um sentido para a própria vida - ajudar as freiras a cuidar de um orfanato - e ver com outros olhos o homem com quem se casou. A dúvida que surge, no entanto, é uma só: será que as provações poderão reaproximar o casal, ou o relacionamento já está definitivamente condenado?

 

Embalado pela bela trilha sonora de Alexandre Desplat, premiada com o Golden Globe, "O despertar de uma paixão" acerta o tom ao optar por uma narrativa clássica e suave, sem atropelos de ritmo ou excessos melodramáticos. O roteiro de Ron Nyswaner - autor de "Filadélfia" (1993) - conta sua história de forma a envolver o espectador gradualmente, dando tempo aos personagens (e ao público) de compreender todas as suas implicações, sejam elas românticas ou sociais. Mesmo que a direção de Curran seja pouco inventiva e até trivial visualmente, é difícil não se deixar impactar pelo belo trabalho de Edward Norton e Naomi Watts, também produtores do filme: em um registro minimalista que evita a grandiloquência, os dois atores mergulham em um universo de dor e sofrimento que se revela através de gestos simples e olhares angustiados. É interessante a maneira com que Curran transita entre o sublime dos momentos românticos e o terror das sequências que mostram as consequências da epidemia, como se mostrasse dois filmes que se cruzam em um mesmo e melancólico clímax. Para isso colabora a atmosfera claustrofóbica imposta pela fotografia quente de Stuart Dryburgh, que transmite com precisão o desespero da situação imposta pela história e os personagens.

Injustamente pouco lembrado dentro da filmografia de seus astros, "O despertar de uma paixão" passou praticamente em branco pelas cerimônias de premiação e tampouco fez barulho nas bilheterias. Filmado na China e coproduzido por uma companhia local que exigiu controle sobre o roteiro e o corte definitivo - felizmente sem maiores ônus ao resultado final -, talvez tenha sido prejudicado pelo tema pesado e pela campanha pouco esforçada do estúdio. Mas é uma produção caprichada, feita para adultos que procuram mais do que simplesmente finais felizes anódinos e artificiais. Pode-se dizer, sem medo, que é a versão definitiva do romance de Maughan.

terça-feira

NASCE UMA ESTRELA

 


NASCE UMA ESTRELA (A star is born, 2018, Warner Bros, 136min) Direção: Bradley Cooper. Roteiro: Bradley Cooper, Eric Roth, Will Fetters, estória de William Wellman, Robert Carson, roteiros de Moss Hart (1954), John Gregory Dunne, Joan Didion, Frank Pierson (1976). Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Jay Cassidy. Figurino: Erin Benach. Direção de arte/cenários: Karen Murphy/Ryan Watson. Produção executiva: Basil Iwanyk, Sue Kroll, Niija Kuykendall, Ravi Mehta, Heather Parry, Michael Rapino. Produção: Bradley Cooper, Bill Gerber, Lynette Howell Taylor, Jon Peters, Todd Phillips. Elenco: Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott, Rafi Gavron, Anthony Ramos, Ron Rifkin. Estreia: 31/8/201 (Festival de Veneza)

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Ator (Bradley Cooper), Atriz (Lady Gaga), Ator Coadjuvante (Sam Elliott), Roteiro Adaptado, Fotografia, Canção Original ("Shallow"), Mixagem de Som

Vencedor do Oscar de Canção Original ("Shallow")

Vencedor do Golden Globe de Canção Original ("Shallow")

A trama de "Nasce uma estrela" fascina Hollywood - e o público - desde 1937, quando o filme estrelado por Janet Gaynor e Fredric March estreou (e ganhou o Oscar de melhor roteiro). De lá pra cá, outras  versões da trágica história de amor entre dois artistas  - ele decadente; ela em plena ascensão - povoaram a mente e o coração de diferentes gerações, sempre com sucesso de crítica e bilheteria. E levando-se em conta de que era praticamente tradicional que surgisse um novo remake a cada duas décadas, até que demorou para que o século XXI apresentasse a sua própria visão do tema. Tudo bem que projetos já existiam há tempos - e até nomes como Steven Spielberg e Clint Eastwood estiveram ligados a ele em determinados momentos -, mas foi somente em 2018 que finalmente o quarto "Nasce uma estrela" chegou às telas. A demora, no entanto, revelou-se uma bênção: tivesse sido realizado antes, o filme não teria contado com seu maior trunfo - a presença luminosa e potente de Lady Gaga. Uma das maiores estrelas pop surgidas nos anos 2000, Gaga foi, provavelmente, o maior chamariz da produção, e não apenas foi a principal responsável pelos mais de 400 milhões de dólares coletados pelo filme nas bilheterias: premiada com o Golden Globe e indicada ao Oscar de melhor atriz, ela tornou-se a imagem mais potente do filme, que lhe rendeu a estatueta de melhor canção original (situação que espelha o que aconteceu com Barbra Streisand em 1976).

A presença de Gaga no papel central de "Nasce uma estrela" deve-se muito aos esforços do ator/diretor/roteirista/produtor Bradley Cooper, que insistiu em sua escalação a despeito da resistência da Paramount Pictures, pouco confiante no talento e no poder de fogo da cantora - conhecida por suas apresentações excêntricas que flertavam abertamente com o bizarro e a ruptura do status quo. Para o papel, que exigia dotes musicais além do corriqueiro, o estúdio preferia nomes menos polêmicos, como Beyoncé, Jennifer Lopez, Shakira, Rihanna e até Selena Gomez, mas Cooper, certo de que a escolha de Gaga era a mais certeira, lançou mão do mais velho dos truques, filmando a si mesmo e à cantora em cenas escritas por ele mesmo e o corroteirista Will Fetters: diante do resultado final, com o sucesso estrondoso do filme e o arrastão de prêmios da temporada (com oito indicações ao Oscar, incluindo melhor filme), dificilmente os executivos se arrependeram da decisão. Mesclando inocência, garra, paixão e força, Lady Gaga engole o filme toda vez que está em cena, mesmo ao lado de um Bradley Cooper no melhor momento de sua carreira.

 

Gaga interpreta (com segurança de veterana) a garçonete Ally Campana, que sonha em ver reconhecido seus talentos de cantora e compositora. Recém saída de um relacionamento tóxico, ela vê sua vida mudar radicalmente quando conhece Jackson Maine (Bradley Cooper), astro da música country que a descobre em um bar de drag queens e lhe oferece a chance de cantar com ele em um show. Maine está passando por um longo período de batalha contra as drogas e o álcool, mas isso não o impede de encantar-se com a jovem e convidá-la a juntar-se a ele em uma turnê. Aos poucos o relacionamento profissional evolui para um apaixonado romance, mas enquanto Ally começa a tornar-se mais e mais reconhecida por seus dotes musicais - a ponto de suplantá-lo em sucesso comercial e prestígio -, Maine se afunda progressivamente em sua doença. Brigado com o irmão mais velho, Bobby (Sam Elliott), e com a carreira ameaçada, o outrora celebrado cantor tenta sobreviver à ideia de ficar à sombra da mulher que ama, mas seus demônios interiores crescem à medida em que ela atinge o ápice de sua carreira.

Sem abrir mão de momentos clássicos das versões anteriores da trama - como o clássico momento em que Jackson invade, bêbado, a cerimônia de consagração de Ally -, o remake 2018 de "Nasce uma estrela" consegue o feito raro de modernizar o enredo original sem precisar desrespeitar seus antecessores. Em seu primeiro trabalho como diretor, Bradley Cooper equilibra com destreza as sequências musicais (dentre as quais destaca-se a bela "Shallow", premiada com o Oscar) e os dramas pessoais de seus protagonistas, com uma embalagem visual atraente e um ritmo adequado às plateias de seu tempo. Se Judy Garland estava no auge de sua carreira quando estrelou a versão de 1954 e Barbra Streisand já era uma atriz e cantora de prestígio em 1976, Lady Gaga surpreende ao demonstrar uma segurança ímpar na construção de sua Ally Campana mesmo em sua estreia no cinema. Dona de um carisma irresistível, Gaga bate de frente com o experiente Cooper em cenas de alta carga dramática e, se o público não consegue resistir às lágrimas em seu final, muito se deve à sua dedicação ao papel e ao apelo universal (e atemporal) da história, adaptada (felizmente) sem muitas invenções. Com uma produção caprichada - fotografia deslumbrante, a trilha sonora marcante, edição ágil - e uma direção precisa, "Nasce uma estrela" não decepciona frente a seus irmãos mais velhos e se apresenta como um dos filmes essenciais do gênero.

segunda-feira

MÃES PARALELAS

 


MÃES PARALELAS (Madres paralelas, 2021, El Deseo/Pathé Films, 123min) Direção e roteiro: Pedro Almodóvar. Fotografia: José Luis Alcaine. Montagem: Teresa Font. Música: Alberto Iglesias. Figurino: Paola Torres. Direção de arte/cenários: Antxón Gomez/Vicent Díaz. Produção: Agustin Almodóvar, Esther García. Elenco: Penélope Cruz, Milena Smit, Israel Elejalde, Aitana Sánchez-Gijón, Rossy de Palma. Estreia: 01/9/2021 (Festival de Veneza)

2 indicações ao Oscar: Atriz (Penélope Cruz), Trilha Sonora Original

Os filmes do espanhol Pedro Almodóvar dificilmente podem ser resumidos em poucas palavras sem que se perda, no processo, todas as nuances de tramas raramente simples como podem parecer em um primeiro momento. "Mães paralelas" não foge à regra: o que a princípio soa como um mero melodrama (gênero no qual o diretor navega com conforto e experiência), se mostra, ao final, um poderoso estudo não apenas sobre a maternidade em si, mas também sobre relações familiares, sobre escolhas de vida e sobre o passado como força motriz para transformações no presente. Ao unir a história de duas desconhecidas que tem suas vidas transformadas pelo nascimento de seus bebês com uma trama a respeito de mortos pela ditadura franquista, Almodóvar se arrisca em um terreno novo - o drama político - sem abdicar de suas características mais notáveis (e que fizeram sua glória junto a cinéfilos e críticos).

"Mães paralelas" apresenta quase tudo aquilo que se pode esperar de um bom Almodóvar: personagens femininas fortes (com o bônus de uma atuação monstruosa de Penélope Cruz, a cada dia mais bonita e boa atriz), uma trama repleta de idas e vindas (que causa o terror de quem tenta resumir suas sinopses), uma trilha sonora marcante (indicada ao Oscar) e a capacidade de envolver o público sem muito esforço - além do retorno de sua parceria com a ótima Rossy de Palma. Voltando a um tema bastante caro a si mesmo - a maternidade -, o cineasta abre mão do deboche de suas produções mais anárquicas e aponta sua câmera em direção a uma história mais sombria e dramática, em que questões éticas e menções políticas caminham lado a lado sem que se atropelem ou ofusquem. Pode-se dizer que é um de seus filmes mais maduros e elegantes - o que, de certa forma, deixa pouco espaço para soluções mais catárticas e/ou lacrimosas. Pode soar um tanto anticlimático vindo de um diretor de sangue tão efervescente, mas não deixa de ser também um aceno a tempos mais delicados e sutis. "Mães paralelas" é um Almodóvar tanto atípico quando extremamente característico: um paradoxo que é, a seu modo, a cara de um dos mais fecundos e criativos realizadores da Europa desde a década de 1980.


A trama de "Mães paralelas" começa com o encontro de Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit) em uma maternidade: a primeira, com 40 anos, está prestes a dar à luz ao filho de seu amante casado; a segunda, adolescente, tem uma relação difícil com a mãe, uma atriz retomando a carreira, e não conta com o apoio do pai do bebê. Algum tempo depois, as duas se reencontram em uma situação pouco comum - não convém dar mais detalhes para não estragar as surpresas que vão surgindo - e criam laços inesperados e profundos. Enquanto isso, Janis insiste em seu projeto profissional de buscar, com a ajuda do pai de sua filha, as ossadas de presos políticos desaparecidos durante o regime franquista. 

Mencionado em uma única linha de diálogo de "Carne trêmula" (1997) - e mesmo assim de forma bastante implícita -, o sangrento período, compreendido entre 1939 e 1976, em que Francisco Franco espalhou violência e repressão junto a seus opositores na sociedade espanhola, surge em "Mães paralelas" com importância crucial, ainda que isso só fique claro em seus instantes finais. O que pode parecer um tanto gratuito transforma-se, aos poucos, em mais uma prova da capacidade de Almodóvar em conduzir o espectador por caminhos imprevisíveis - e com mais camadas do que se pressupunha. Afinal, se o cerne de seu filme é a maternidade (símbolo maior de lar e família), não seria o reencontro com o passado uma forma de fazer as pazes com o futuro? Almodóvar não apresenta respostas, apenas aponta questões - como um bom artista em sintonia com a sensibilidade e a inteligência de sua plateia. Talvez tudo só faça sentido um bom tempo depois da sessão, mas não é essa perenidade que caracteriza o bom cinema?

sexta-feira

AO ENTARDECER

 


AO ENTARDECER (Evening, 2007, Hart Sharp Entertainment/Twins Financing/MBF Erste Filmproduktiongesellschaft, 117min) Direção: Lajos Koltai. Roteiro: Michael Cunningham, Susan Minot, romance de Susan Minot. Fotografia: Gyula Pados. Montagem: Allyson C. Johnson. Música: Jan A. P. Kaczmarek. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Caroline Hanania/Catherine Davis. Produção executiva: Michael Cunningham, Jill Footlick, Michael Hogan, Robert Kessel, Susan Minot. Produção: Jeffrey Sharp. Elenco: Claire Danes, Patrick Wilson, Hugh Dancy, Vanessa Redgrave, Toni Collette, Natasha Richardson, Meryl Streep, Mamie Gummer, Eileen Atkins, Glenn Close, Barry Bostwick. Estreia: 09/6/2007 (Newport International Film Festival)

Autor dos livros que deram origem ao premiado "As horas" (2002) - vencedor do Oscar de melhor atriz e indicado a outras sete estatuetas - e ao pouco conhecido "Uma casa no fim do mundo" (2004), estrelado por Colin Farrell e Robin Wright -, o norte-americano Michael Cunningham tem predileção por personagens torturados por lembranças do passado e escolhas erradas. Por isso não é surpresa ver seu nome como um dos roteiristas de "Ao entardecer", baseado no romance de Susan Minot: o drama dirigido pelo húngaro Lajos Koltai tem muito da personalidade do escritor e de sua sensibilidade quase feminina, e sua história de amor, renúncia e arrependimentos é o material ideal para emocionar ao público fiel do gênero. Nem sempre a mistura funciona, no entanto, e por mais que sua lista de créditos seja invejável, o filme, lançado sem muito alarde no verão norte-americano de 2007, não chega a ser um marco na carreira de seus envolvidos.

Narrado em dois tempos cronológicos que se intercalam e completam, "Ao entardecer" tem como protagonista Ann Grant, uma mulher que, à beira da morte (e na pele da excelente Vanessa Redgrave), se deixa mergulhar em lembranças de um passado tão romântico quanto dolorido. Suas reminiscências remetem direto a um fim-de-semana em particular, quando (vivida por Claire Danes), compareceu ao casamento da melhor amiga, Lila Wittenborn (Mamie Gummer) em sua mansão litorânea de Newport. Acompanhada do melhor amigo Buddy (Hugh Dancy) - irmão da noiva -, a aspirante a cantora não resiste à beleza natural do local e à atmosfera romântica do evento e acaba por se apaixonar por Harris Arden (Patrick Wilson), um amigo não aristocrático da família. O problema é que não apenas Lila ainda tem fortes sentimentos pelo rapaz - com quem teve um rápido envolvimento no passado -, mas também o inconstante e quase irresponsável Buddy parece nutrir algo mais do que simples amizade por ele. Quando uma tragédia mancha irremediavelmente a festa, cabe a Ann decidir os rumos de sua vida adiante - uma decisão que irá atormentá-la pelo resto de seus dias.

 

Apesar de não apresentar a profundidade que se poderia esperar de uma trama tão repleta de melancolia e culpa, "Ao entardecer" se beneficia - e muito - de um poderoso elenco feminino que se dá ao luxo de ter, em curtas participações especiais, as espetaculares Meryl Streep e Glenn Close. A primeira dá vida à madura Lila, quando, em visita à sua melhor amiga, rememora a dor dos dias trágicos que praticamente as afastaram. Close, por sua vez, surge em cena como a excêntrica mãe de Lila e Buddy - com direito a pelo menos uma cena digna de seus melhores trabalhos. Dividindo o papel de Ann em diferentes fases da vida, Claire Danes e Vanessa Redgrave compartilham, também, a força da sutileza, optando sempre pelo mínimo para transmitir a variada gama de sentimentos de sua personagem. Na pele das filhas adultas de Ann - duas mulheres com visões distintas da vida e que se vêem diante da iminência da morte -, as ótimas Toni Collette e Natasha Richardson (filha de Vanessa Redgrave também na vida real) encontram o tom exato entre a angústia da perda  e a surpresa em descobrir uma história escondida na vida da mãe aparentemente feliz. Ao elenco masculino resta pontuar com correção o brilho das mulheres: Patrick Wilson é o galã ideal, másculo e romântico, e Hugh Dancy (que se apaixonou por Claire Danes durante as filmagens, e foi correspondido) se destaca como o vibrante e pouco ortodoxo Buddy. Premiado diretor de fotografia indicado ao Oscar por "Malena" (2000), Lajos Koltai sai-se relativamente bem no comando de seus atores e brilha na composição visual das cenas - algumas delas dotadas de uma poesia tocante  -, mas nem sempre consegue manter o ritmo de sua narrativa, o que acaba por comprometer o resultado final e amenizar seu impacto emocional. A carreira musical de Ann, por exemplo, é apenas citada em alguns diálogos - apenas no casamento de Lila ela solta a voz, mas sua paixão por Harris muitas vezes soa maior do que pela música, e até mesmo sua história de amor não alcança profundidade o suficiente para que o espectador se importe com ela. Claire Danes é uma atriz fantástica, mas sua química com Patrick Wilson é apenas morna, o que enfraquece o ponto principal de todo o filme.

Pouco lembrado dentro da filmografia de seus atores - todos eles com um vasto e relevante currículo -, "Ao entardecer" é um belo filme, tanto em termos visuais quanto dramáticos, mas carece da força que os grandes possuem. A história pouco memorável é valorizada pelo ótimo elenco, mas por vezes soa como um dèja-vu, misturando elementos de várias outros romances sem grandes critérios. O roteiro - coescrito por Michael Cunningham e pela autora do livro que lhe deu origem, Susan Minot - não apresenta maiores novidades e é quase previsível, com um final tão sutil que priva o espectador da catarse que se espera de uma produção do gênero. Apesar dos pesares, no entanto, tem tudo para comover aos mais sensíveis - e nunca é perda de tempo assistir gente como Claire, Vanessa, Meryl, Toni e Glenn Close.

SEM DESTINO

  SEM DESTINO (Easy rider, 1969, Columbia Pictures, 95min) Direção: Dennis Hopper. Roteiro: Peter Fonda, Dennis Hopper, Terry Southern. Fo...