GRANDES ESPERANÇAS (Great expectations, 1998, 20th Century Fox, 111min) Direção: Alfonso Cuarón. Roteiro: Mitch Glazer, romance de Charles Dickens. Fotografia: Emmanuel Lubezki. Montagem: Steven Weisberg. Música: Patrick Doyle. Figurino: Judianna Makowsky. Direção de arte/cenários: Tony Burrough/Susan Bode. Produção executiva: Deborah Lee. Produção: Art Linson. Elenco: Ethan Hawke, Gwyneth Paltrow, Anne Bancroft, Robert De Niro, Hank Azaria, Chris Cooper, Kim Dickens. Estreia: 30/01/98
"Não vou contar a história como aconteceu. Vou contar a história como me lembro dela." Com essa informação essencial, o jovem Finnegan Bell (Ethan Hawke) começa a narrar seu romance com a bela e inacessível Estella (Gwyneth Paltrow) na versão anos 90 do clássico "Grandes esperanças", de Charles Dickens. Ao deixar o espectador ciente de que é sob seu ponto de vista que a trama se desenrolará, Finn promete, subliminarmente, que lhe dará um visual exuberante, digno do artista plástico que ele é. Com uma fotografia inacreditável do mexicano Emmanuel Lubezki - que valoriza o verde e muitas silhuetas - o filme de Alfonso Cuarón conquista primeiramente pela visão. Aos poucos, pela audição (graças à belíssima trilha sonora de Patrick Doyle). E quando o público percebe, está envolto também pelo coração. Mesmo que tenha muito pouco a ver com o original de Dickens - filmado em 1946 pelo inglês David Lean - "Grandes esperanças" é um lindo espetáculo romântico, valorizado pelo extremo cuidado visual.
Trazendo o original para a época atual - quando na verdade se passa no século XIX - a adaptação de Mitch Glazer (incompleta quando as filmagens começaram, para desgosto de Cuarón) difere e muito do original de Dickens, que se concentra na ascensão social de seu protagonista (que se chama Pip e não Finn), que não é um artista plástico. Modificando também os nomes das demais personagens, Glazer distancia-se do livro de Dickens quase a ponto de torná-lo irreconhecível. Os puristas, logicamente, detestaram. Quem nunca teve contato com o romance, porém, se encantou com uma história de amor que, se vendida sem nenhum vínculo literário poderia ter sido ainda mais bem-sucedida. A versão de Alfonso Cuarón - que foi revelado ao mundo com o excelente "Como água para chocolate" - reveste o erotismo pulsante do filme com uma sofisticação e uma elegância de encher os olhos. E ninguém melhor para encarnar essa sofisticação e essa elegância toda do que a deslumbrante Gwyneth Paltrow.
Ainda conhecida apenas como a noiva de Brad Pitt, apesar de seu ótimo trabalho em "Emma", Paltrow estava em vias de tornar-se uma atriz respeitada, dona de um controverso Oscar por "Shakespeare apaixonado" quando encarnou a bela, loira, chique e fria Estella. Sua beleza glacial e distante não apenas seduz Finn, mas a audiência masculina em peso (ao menos aqueles que consideram mais sexy uma beleza delicada do que a vulgaridade de mulheres-frutas). Estonteante, Gwyneth representa um mundo de glamour e luxo para o protagonista, um mundo de promessas fascinantes e possibilidades infinitas. Não é à toa que Finn se deixa levar pela ambição para conquistá-la.
Quando o filme começa, Finn é apenas um menino, criado pela irmã (Kim Dickens) e Joe (Chris Cooper), o namorado dela, que trabalha como pescador. Durante um passeio de barco para desenhar, Finn conhece Arthur Lustig (Robert DeNiro), um foragido da cadeia que exige que ele lhe ajude em sua fuga. Logo em seguida, o garoto vai com Joe para a famosa Mansão Paradiso Perduto, refúgio de uma enclausurada milionária que adentrou no mundo da loucura depois de ser abandonada no altar. É através da Sra. Dinsmoor (Anne Bancroft) que Finn conhece sua sobrinha, a bela Estella, por quem se apaixona à primeira vista. Os anos passam com o rapaz sempre fascinado com a beleza e a frieza da jovem, que viaja para morar em Nova York depois de acenar-lhe com uma possibilidade de amor. Sentindo-se inferiorizado por ser pobre e mal-nascido, Finn tem a chance de sua vida quando recebe a ajuda de um misterioso benfeitor, que lhe proporciona uma exposição em Manhattan e dinheiro suficiente para que ele se torne um bem-sucedido artista plástico. Famoso, reconhecido e rico, Finn tem, então, a possibilidade de conquistar o amor de sua vida.
Tudo bem que o roteiro de "Grandes esperanças" não é exatamente um primor e que seus protagonistas soem um tanto rasos. Tudo bem que quase nada sobre do romance que lhe deu origem. E tudo bem que a obsessão de Finn por sua amada Estella chegue às raias do exagero. Mas sobram, no filme de Cuarón, o que falta em muitas histórias de amor que chegam às telas: uma emoção transbordante e uma sensualidade à flor da pele. Juntos em cena, Gwyneth Paltrow e Ethan Hawke tem uma química sexual que se revela em pequenos olhares e pequenos toques. A cena em que Finn pinta retratos de uma Estella completamente nua ao som da bela "Like a friend", da banda Pulp, é digna de figurar em qualquer antologia de momentos eróticos do cinema. E eles nem precisam se tocar para isso...
E se Hawke e Paltrow se seguram muito bem como o casal central, é preciso também aplaudir o elenco coadjuvante, composto por veteranos que mostram em cada cena os motivos pelos quais são respeitados pela crítica e pelo público. Robert DeNiro equilibra bem os elementos repulsivos e generosos de seu Arthur Lustig, uma personagem crucial para a história. Chris Cooper quase rouba o show como o humilde Joe, em especial em seu reencontro com Finn, na vernissage do rapaz. E Anne Bancroft tem uma corajosa atuação, despindo-se de qualquer vaidade na pele da devastada Sra. Dinsmoor, em algumas das cenas mais comoventes do filme. Unidos à trilha sonora espetacular de Patrick Doyle e à beleza pictória de sua deslumbrante fotografia, eles fazem de "Grandes esperanças" uma bela história de amor, apesar do final um tanto abrupto.
Pode não ser uma unanimidade entre a crítica - e até mesmo entre os fãs de cinema - mas "Grandes esperanças" é um filme para ver e rever, sempre se deixando levar pelos sonhos românticos de Finnegan Bell.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
domingo
Assinar:
Postar comentários (Atom)
JADE
JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...
-
EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Osterg...
-
ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA (Presumed innocent, 1990, Warner Bros, 127min) Direção: Alan J. Pakula. Roteiro: Frank Pierson, Alan J. Paku...
-
NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteir...
4 comentários:
Vi o filme faz bastante tempo e gostei.
Acho que possui falhas na narrativa, entretanto, uma produção acima da média.
Ideal para quem gosta de filmes pouco convencionais.
adoro esse filme, nele Cuaron ja prova sua qualidade, boas atuações.
Seu espaço é bem legal.
http://umanoem365filmes.blogspot.com/
Pocha, e eu ainda não vi... :(
Paltrow está melhor neste que no filme que levou o Oscar!
Acho a produção eficiente, sentimental e com otimas interpretações!
abs
Postar um comentário