O DOCE AMANHÃ (The sweet hereafter, 1997, 112min) Direção: Atom Egoyan. Roteiro: Atom Egoyan, romance de Russell Banks. Fotografia: Paul Sarossy. Montagem: Susan Shipton. Música: Mychael Danna. Figurino: Beth Pasternak. Direção de arte/cenários: Phillip Barker/Patricia Cuccia. Produção executiva: Andras Hamori, Robert Lantos. Produção: Atom Egoyan, Camelia Frieberg.. Elenco: Ian Holm, Caerthan Banks, Sarah Polley, Tom McCamus, Gabrielle Rose. Estreia: 04/10/97
2 indicações ao Oscar: Diretor (Atom Egoyan), Roteiro Adaptado
Vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes
Para provar que é cosmopolita e presta atenção em filmes além daqueles feitos pelos grandes estúdios só para ganhar Oscar, a Academia de Hollywood sempre dá um jeito de indicar diretores menos comerciais ao seu cobiçado prêmio. Em 1997, disputando a preferência dos eleitores com James Cameron e Curtis Hanson, estava o egípcio Atom Egoyan, conhecido do circuito de filmes de arte graças a filmes como "Exótica", premiado no Festival de Cannes de 1994. No entanto, sua indicação, ainda que inesperada, não pode ser creditada somente a essa tendência. "O doce amanhã", que lhe proporcionou uma indicação dupla - como diretor e como roteirista - é um profundo estudo sobre a condição humana e suas idiossincrasias, realizado com a delicadeza de que somente cineastas de fora do circuito do cinemão são capazes.
Adaptado de um romance de Russell Banks - que faz uma pequena participação especial como ator - "O doce amanhã" é um drama adulto, sério e maduro, que não se prende a uma narração linear para contar não apenas uma, mas duas histórias intensas e fortes. Apoiado em uma atuação espetacular de Ian Holm, que substituiu Donald Sutherland no último minuto, o filme de Egoyan toca em assuntos difíceis, como incesto, adultério e vício em drogas mas nunca apela para o choque gratuito ou para denúncias vazias. A intenção do diretor, mais do que fazer discursos ocos, é deixar sua audiência acompanhar como um voyeur todos os desdobramentos de uma (ou duas) tramas que, aparentemente sem conexão, complementam uma à outra.
Ian Holm, em uma interpretação repleta de silêncios devastadores, vive Mitchell Stevens, um advogado que chega a uma pequena cidade do Canadá com o objetivo de convencer seus moradores a mover um processo de negligência contra os fabricantes do ônibus escolar que matou 20 crianças em um trágico acidente. Assombrado pela relação falha que tem com a única filha, Zoe (Caerthan Banks, filha do autor do livro que deu origem ao roteiro), Stevens encontra tanto apoio quanto resistência em sua ideia de ganhar a ação como forma de aplacar seus sentimentos de perda. O único morador que luta contra Stevens é Billy (Bruce Greenwood), que perdeu os filhos gêmeos no acidente e que não vê como um processo pode diminuir sua dor. Enquanto tenta fazer Billy mudar de ideia - contando para isso com a ajuda de uma das poucas sobreviventes, a adolescente Nicole (Sarah Polley), confinada a uma cadeira de rodas - o advogado tem que lidar também com os problemas da filha, viciada em drogas e contaminada pelo vírus da AIDS.
A trama principal do livro e do filme - a tentativa de Stevens em levar adiante seu processo - proporciona ao público a possibilidade de ter uma visão privilegiada da vida dos habitantes da pequena cidade, algo assim como David Lynch fez com "Twin Peaks" - não por acaso também localizada na fronteira do Canadá. Enquanto Lynch usava e abusava de personagens bizarros, porém, Egoyan prefere retratar gente comum, pessoas simples na aparência mas com demônios interiores poderosos. Ele não julga em momento algum, por exemplo, o fato de Nicole, uma adolescente que sonha em tornar-se cantora, ter um relacionamento físico e romântico com seu próprio pai, Sam (Tom McCamus) ou o caso extra-conjugal entre Billy e Risa (Alberta Watson). A bela fotografia de Paul Sarossy dá o tom de uma gélida melancolia, que encontra eco no olhar expressivo de Ian Holm. Elegante e discreta, a interpretação de Holm - vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Toronto - transmite a exata ideia do turbilhão emocional pelo qual passa sua personagem. Principalmente quando dá vazão aos sentimentos de Stevens em relação à filha - com a qual se comunica por telefone - o trabalho de Holm nunca fica aquém do espetacular. É arrebatadora, por exemplo, a cena em que Stevens conta a uma amiga da filha (e sua companheira em uma viagem de avião) a experiência de tê-la quase perdido na infância. A relação dessa cena, contada com delicadeza, com a sequência de abertura - e posteriormente em um outro momento de forte emoção - é coisa de quem sabe o que está fazendo. Só por essa cena Atom Egoyan já fez por merecer sua indicação ao Oscar.
"O doce amanhã" não é um filme de resultados imediatos. Sua história permanece na mente do público por um bom tempo, amadurecendo, fazendo sentido aos poucos - e é fascinante também sua conexão com a famosa fábula do flautista de Hamelin. É um filme triste, mas que cumpre com louvor seu objetivo de encantar os espectadores mais sensíveis e inteligentes. Um gol de placa de um diretor que, apesar de nunca ser medíocre, não conseguiu mais atingir tal nível de excelência.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
segunda-feira
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2 comentários:
Lembro de ter assistido o filme quando fui trabalhar na 2001 vídeo e adorei. Mas, preciso rever.
Tenho curiosidade em assistir, mas ainda não tive oportunidade.
Abraço
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