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8MM: OITO MILÍMETROS



8MM: OITO MILÍMETROS (8mm, 1999, Columbia Pictures, 123min) Direção: Joel Schumacher. Roteiro: Andrew Kevin Walker. Fotografia: Robert Elswit. Montagem: Mark Stevens. Música: Mychael Danna. Figurino: Mona May. Direção de arte/cenários: Gary Wissner/Gary Fettis. Produção executiva: Joseph M. Caracciolo. Produção: Judy Hofflund, Gavin Polone, Joel Schumacher. Elenco: Nicolas Cage, Joaquin Phoenix, James Gandolfini, Peter Stormare, Catherine Keener, Anthony Heald. Estreia: 19/02/99 (Festival de Berlim)

Quando o projeto de "8mm: oito milímetros" chegou à Sony Pictures, no final dos anos 1990, era, ao mesmo tempo, extremamente promissor (para os fãs de um cinema adulto e corajoso) e potencialmente perigoso (para um estúdio cioso de suas finanças): escrito pelo mesmo Andrew Kevin Walker que deu ao mundo o primoroso "Seven: os sete crimes capitais" (1995), o roteiro do filme mergulhava o protagonista no sombrio universo dos snuff movies (produções amadoras em que assassinatos são cometidos diante da câmera) e conduzia a plateia em um labirinto de medo, repulsa e violência. A ideia era fazer um filme perturbador, sem grandes concessões comerciais e, se possível, buscando um público mais adulto e exigente. Porém, quando finalmente chegou às telas, em fevereiro de 1999, com um atraso de dois meses em relação a seu cronograma original, "8mm" em pouco lembrava sua gênese: dirigido por Joel Schumacher e estrelado por Nicolas Cage no auge do sucesso popular, o filme apresentou-se aos espectadores como um filme policial competente e sério, mas bem longe da ousadia pretendida por seu criador: ficou no meio do caminho entre o thriller claustrofóbico que sonhava ser e o filme de ação formulaico capaz de amealhar fortunas que era a pretensão de seu estúdio.

Antes que o explosivo material chegasse às mãos de Joel Schumacher - ainda não recuperado das rumorosas críticas a seu "Batman & Robin" (1997) e disposto a correr riscos profissionais em produções que fugissem de blockbusters previsíveis -, nomes fortes da indústria chegaram a ser cogitados pela Sony Pictures. Caso de Paul Verhoeven, William Friedkin e até mesmo David Fincher, que poderia repetir a parceria com o roteirista Andrew Kevin Walker. Quando Schumacher embarcou, a ideia do estúdio ainda era manter o tom pesado do roteiro original e apostar em uma produção radicalmente oposta ao mainstream - e para isso contavam com a presença do ator Russell Crowe no elenco: alçado à categoria de astro graças ao merecido sucesso de "Los Angeles: cidade proibida" (1997), Crowe poderia oferecer ao filme uma credibilidade rara e equilibrar os riscos de rejeição de uma plateia não acostumada a radicalidades. No entanto, em Hollywood raramente as coisas caminham da forma previsível, e depois de um bom tempo à procura de um astro para encabeçar o elenco - e gente como Mel Gibson, John Travolta, Bruce Willis e Nick Nolte chegaram a ser lembrados pelos produtores -, um nome forte surgiu no horizonte. Recentemente premiado com o Oscar de melhor ator por "Despedida em Las Vegas" (1995) e estampando os cartazes de êxitos de bilheteria, como "A outra face" (1997) e "Cidade dos anjos" (1998), Nicolas Cage demonstrava interesse em assumir a protagonização do longa e, com isso, aumentar suas chances de lotar as salas de exibição. O dilema de Schumacher estava armado: uma produção mais barata, quase experimental, com um ator de prestígio, ou um filme policial tradicional, de orçamento generoso, com um astro de primeira grandeza? Não é preciso ser especialista em mercado para adivinhar a opção da Sony Pictures.

 

A entrada da Cage no projeto, no entanto, não significou o fim dos problemas. Indignado com as mudanças propostas por Schumacher para atenuar o tom sombrio do roteiro, Andrew Kevin Walker simplesmente abandonou o projeto, deixando as alterações nas mãos do diretor e de Nicholas Kazan. Ciente de que tais mudanças se faziam necessárias para que o orçamento de estimados 40 milhões de dólares se pagasse nas bilheterias, Schumacher deixou de lado o desejo de chocar a plateia e abraçou a ideia de realizar mais um sucesso financeiro. Não se pode dizer que falhou, mas os quase 100 milhões arrecadados internacionalmente dizem mais sobre seu potencial comercial do que a respeito de suas qualidades artísticas. É óbvio que o diretor consegue se sair bem na condução do filme - há muito mais nele de "Um dia de fúria" (1992) do que de suas versões de Batman, por exemplo -, mas sua falha em escapar dos clichês não deixa de incomodar. Enquanto acompanha o protagonista em sua busca pela verdade e conduz o espectador em um universo insalubre e desconfortável, o cineasta demonstra uma maturidade e um senso de ritmo e tensão admiráveis - auxiliado pela presença de um Joaquin Phoenix ainda jovem mas já extremamente eficiente, em papel recusado por Mark Wahlberg, Mas é perceptível também a quebra de coerência no terço final, quando o roteiro parte da ação cerebral para o confronto físico: é razoavelmente climático, mas formulaico e previsível em excesso. Agrada ao público que busca uma catarse, mas frustra àqueles que esperam desfechos menos banais.

"8mm" ocupa, dentro da carreira de Joel Schumacher, um lugar interessante: foge de seus dramas lacrimosos e superficiais, passa longe de seus equivocados filmes de super-heróis e ousa um pouco mais que suas boas adaptações de John Grisham, mas não chega à quase perfeição de "Um dia de fúria" - esta sim uma produção corajosa e consistente. A trama que leva o detetive particular Tom Welles (interpretado por um Nicolas Cage correto mas sem maiores lances de genialidade) a penetrar no mundo da pornografia ilegal é interessante e se demonstra sufocante por boa parte das duas horas de projeção, e é impossível não perceber a excelência da trilha sonora de Mychael Danna e a inteligência da edição de Mark Stevens - truncada, não óbvia, desconfortável. São elementos que se destacam em uma produção acima da média mas que não alcança jamais todo o potencial de sua proposta inicial. Uma pena que não houve a coragem necessária para seguir à risca o roteiro de Andrew Kevin Walker e manter Russell Crowe no papel central: história poderia ter sido feita.

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