sexta-feira

SEM MEDO DE VIVER


SEM MEDO DE VIVER (Fearless, 1993, Warner Bros, 122min) Direção: Peter Weir. Roteiro: Rafael Yglesias, romance de sua autoria. Fotografia: Allen Daviau. Montagem: William Anderson, Armen Minasian, Lee Smith. Música: Maurice Jarre. Figurino: Marilyn Matthews. Direção de arte/cenários: John Stoddart/John Anderson. Produção: Mark Rosenberg, Paula Weinstein. Elenco: Jeff Bridges, Isabella Rossellini, John Turturro, Rosie Perez, Benicio Del Toro, Tom Hulce. Estreia: 15/10/93

Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Rosie Perez)

De vez em quando uma receita com todos os ingredientes certos pode não ter o resultado esperado, por  razões as mais variadas. Cinema, então, apesar de frequentemente usar e abusar de fórmulas já testadas previamente, é uma incógnita: para cada produção que confirma a validade de elementos já devidamente consagrados, outras várias avisam de que nem sempre a confluência de fatores bem-sucedidos é garantia de sucesso. É o caso de "Sem medo de viver", lançado pela Warner no final de 1993 com evidentes intenções de chegar ao Oscar - com um diretor de prestígio, um ator principal dos mais bem quistos na indústria e um tema capaz de suscitar discussões e quiça lágrimas, o filme viu frustrados seus planos quando foi praticamente ignorado pela Academia (concorreu a apenas uma estatueta) e naufragou nas bilheterias, arrecadando pouco menos de sete milhões de dólares pelo mundo. Com o passar dos anos, porém, e com o apoio da crítica, acabou por adquirir o status de cult, encontrando seu público e passando a ser considerado uma pérola escondida na filmografia dos envolvidos. 

Baseado no romance "Fearless", de Rafael Yglesias, publicado no mesmo ano de lançamento do filme, "Sem medo de viver" é um filme estranho: já começa com o protagonista, Max Klein (Jeff Bridges), conduzindo um grupo de atônitos sobreviventes de um desastre aéreo para longe do acidente. Não demora muito para que seu ato de heroísmo faça dele uma espécie de celebridade - uma consequência com a qual não se sente exatamente à vontade. O que o surpreende, na verdade, é sua repentina inabilidade de conexão com a esposa, Laura (Isabella Rossellini), e o filho pequeno, Jonah, e a sensação de invulnerabilidade e imortalidade. Crente de que sobreviver ao acidente foi como nascer de novo, Max quer recomeçar a vida, redescobrir sentimentos e - como parte de sua mente um tanto desequilibrada pelo trauma - testar seus novos poderes de resistir à morte. Através de Bill Perlman (John Turturro), psicólogo da companhia aérea, designado para acompanhar os passageiros que saíram vivos da tragédia, Max conhece Carla Rodrigo (Rosie Perez), uma jovem que perdeu o filho de poucos meses diante de seus olhos. Surge entre ele, com sua síndrome de super-herói, e ela, com seu exarcebado sentimento de culpa, uma relação inesperada.

 

Dois grandes trunfos fazem com que "Sem medo de viver" escape das armadilhas lacrimosas em que poderia cair. Um deles é a direção do australiano Peter Weir, um dos cineastas mais consistentes a aportar em Hollywood na década de 1980 - depois de sucessivos êxitos de crítica em sua terra natal, como "Picnic na montanha misteriosa" (1975) e "Gallipoli" (1981), em 1993 ele já tinha concorrido ao Oscar de direção por "A testemunha" (1985) e "Sociedade dos poetas mortos" (1989). O segundo deles é a atuação inspirada de Jeff Bridges, que ficou com o papel inicialmente pensado para Mel Gibson (parceiro do diretor em "Gallipolli" e "O ano em que vivemos em perigo" (1984)) e lhe deu uma profundidade comovente. Bridges, que chegou a declarar o filme como um de seus trabalhos preferidos, imprime a Max Klein uma verdade que impede que o roteiro - escrito pelo mesmo Rafael Yglesias autor do romance que lhe deu origem - descambe para a inverossimilhança. Por mais improváveis que sejam algumas atitudes do protagonista, a presença de Bridges equilibra a balança e conduz a história de redenção, desespero e culpa de forma sensível e sem apelar excessivamente ao dramalhão. Apesar da história em si ser bastante pesada - especialmente a trama que envolve Rosie Perez -, a mão elegante de Weir é sentida especialmente em sequências mais lúdicas, como o clímax final e a cena de abertura. Sem cair na tentação de dar tudo mastigadinho à plateia, o diretor a convida à reflexão - e talvez este tenha sido o problema de "Sem medo de viver" junto à pouco ousada Academia.

Ao homenagear apenas Rosie Perez com uma indicação - ela perdeu a estatueta para a pequena Anna Paquin, por "O piano" (1993) -, a Academia perdeu a oportunidade de aplaudir a soberba interpretação de Jeff Bridges, a direção econômica e poética de Weir e a trilha sonora eficiente de Maurice Jarre. Mesmo que não esteja no mesmo nível dos melhores trabalhos do diretor - "A testemunha", "Sociedade dos poetas mortos" e o posterior "O show de Truman: o show da vida" (1998) -, "Sem medo de viver" é um belo filme, envolvente e intrigante na medida certa. Não é uma obra-prima, mas é capaz de tocar alguns corações mais sensíveis e confirmar seu realizador como uma das mais interessantes aquisições internacionais de Hollywood.

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