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A ESTRANHA PASSAGEIRA

A ESTRANHA PASSAGEIRA (Now, voyager, 1942, Warner Bros, 117min) Direção: Irving Rapper. Roteiro: Casey Robinson, romance de Olive Higgins Prouty. Fotografia: Sol Polito. Montagem: Warren Low. Música: Max Steiner. Figurino: Orry-Kelly. Direção de arte/cenários: Robert Haas/Fred M. MacLean. Produção: Hal B. Wallis. Elenco: Bette Davis, Paul Henreid, Claude Rains, Gladys Cooper, Bonita Granville, John Loder. Estreia: 22/10/42

3 indicações ao Oscar: Atriz (Bette Davis), Atriz Coadjuvante (Gladys Cooper), Trilha Sonora Original (Drama)

Vencedor do Oscar de Trilha Sonora Original

Por incrível que pareça, o maior sucesso de bilheteria da carreira de Bette Davis, "A estranha passageira", não teve a mesma sorte junto aos críticos. Recebido com ressalvas pela imprensa que tanto havia alardeado as qualidades de seus trabalhos anteriores - que renderam quatro indicações consecutivas ao Oscar e uma estatueta dourada, por "Jezebel" (1938) -, o filme de Irving Rapper não precisou dos aplausos dos jornalistas para levar multidões às salas de exibição e emocionar milhares de espectadores com sua trama romântica e melodramática. Baseado no terceiro livro de uma saga em cinco partes que conta a história de uma família rica de Boston - entre 1936 e 1942 -, o filme de Rapper voltou a colocar Davis na briga por um prêmio da Academia (que perdeu para Greer Garson, por "Rosa da esperança") e deu a Max Steiner o segundo de seus três troféus.

Apesar da implicância de Davis com a música de Steiner - segundo ela a trilha do compositor era intrusiva demais e atrapalhava o resultado final de sua atuação -, a partitura de "A estranha passageira" é uma das mais celebradas do autor, e uma das mais expressivas de sua brilhante trajetória. Romântica sem cair no sentimentalismo e forte mesmo evitando o exagero dramático, sua composição ilustra com eficiência a história criada pela escritora Olive Higgins Prouty e adaptada com extrema fidelidade por Casey Robinson - que também colaborou, sem crédito, no roteiro oscarizado de "Casablanca" (1942). Mas enquanto a travessia das páginas do livro para sua adaptação cinematográfica foi relativamente simples, a produção do filme, como era de se esperar quando se trata de Bette Davis, teve sua cota de atribulações. Primeiro foi a saída do diretor original, Edmund Goulding, que foi desligado do projeto por problemas de saúde - e levou com ele a ideia de ter Irene Dunne no papel principal. Seu substituto, Michael Curtiz, queria Norma Shearer ou Ginger Rogers como protagonista (e Ginger era uma entusiasta da possibilidade) - mas foi barrado quando Davis, decidida a ser a estrela do filme, convenceu o produtor Hal B. Wallis a contratá-la e demitir Curtiz. O resultado não poderia ter sido melhor: não apenas a atriz teve o sucesso comercial que ela e a Warner Bros desejavam como Curtiz foi alocado para dirigir "Casablanca" - que lhe rendeu um Oscar e a glória de ter comandado um dos maiores clássicos da história do cinema.

 

"A estranha passageira" é um melodrama romântico típico da Hollywood dos anos 1940. A protagonista, Charlotte Vale, é uma solteirona temporã, dominada por sua tirânica mãe (Gladys Cooper, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante) e presa em constantes pensamentos negativos a respeito de sua aparência e personalidade. Tida como o patinho feio de uma família de posses, Charlotte é constantemente humilhada e tratada quase como uma empregada, uma enfermeira destinada a abdicar da própria vida. Em vias de um colapso nervoso, ela é enviada, pelo Dr. Jaquith (Claude Rains), a um centro de reabilitação psicológica, de onde sai, meses depois, com a autoestima elevada e a saúde mental equilibrada. Em viagem de navio - onde começa a testar sua nova personalidade, mais centrada e sociável -, ela conhece o galante Jerry Durance (Paul Henreid), por quem acaba se apaixonado mesmo ciente do fato de que ele é casado, embora infeliz e incapaz de uma separação por causa das filhas. O romance impossível é encerrado com o final da viagem, e, para surpresa de todos, Charlotte retorna ao lar disposta a assumir as rédeas do próprio destino - o que inclui um noivado sem amor com o gentil Elliot Livingston (John Loder). 

"A estranha passageira" é longe de ser o melhor filme de Bette Davis, uma das mais fantásticas atrizes da era de ouro de Hollywood. Porém, é um dos mais representativos de sua fase como estrela dos melodramas da Warner, que a ajudaram a estabelecer-se como um mito. Com a ajuda do figurinista Orry-Kelly, do diretor de fotografia Sol Polito e da direção de Rapper - que possibilitou que sua personalidade artística se sobrepusesse a qualquer inovação narrativa -, Davis fez de sua Charlotte Vale um ícone romântico dos mais duradouros. Repleto de momentos dramáticos, frases de efeito ("Oh, Jerry, não peçamos a lua, nós já temos as estrelas!") e até sequências de um humor duvidoso (o chofer brasileiro que atende os protagonistas durante um passeio pelo Rio de Janeiro é provavelmente uma das representações mais estereotipadas da história), o filme mantém intocada sua aura mesmo depois de setenta anos - e é inegável que boa parte de tal perenidade se deve ao carisma e ao fascínio de sua atriz central. É por ela, mais do que por sua trama pouco surpreendente, que "A estranha passageira" vale cada minuto.

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