TREM-BALA (Bullet train, 2022, Sony Pictures Entertainment, 127min) Direção: David Leitch. Roteiro: Zak Olkewicz, romance de Kôtarô Isaka. Fotografia: Jonathan Sela. Montagem: Elisabet Ronaldsdóttir. Música: Dominic Lewis. Figurino: Sarah Evelyn. Direção de arte/cenários: David Scheunemann/Elizabeth Keenan. Produção executiva: Brent O'Connor, Ryosuke Saegusa, Kat Samick, Yuma Terada. Produção: Antoine Fuqua, David Leitch, Kelly McCormick. Elenco: Brad Pitt, Aaron Taylor-Johnson, Joey King, Brian Tyree-Henry, Andrew Koji, Hiroyuki Sanada, Michael Shannon, Bad Bunny, Logan Lerman, Sandra Bullock. Estreia: 18/7/2022 (Paris)
Publicado no Japão em 2010, o livro "Trem-bala", escrito por Kôtarô Isaka, tornou-se um fenômeno, com mais de 700 mil exemplares vendidos, e acabou, como não poderia deixar de ser, chamando a atenção de Hollywood. Com os direitos adquiridos pela Sony Pictures e produzido com um orçamento de 90 milhões de dólares, a intrincada história de cinco assassinos profissionais cujas missões se cruzam em uma inusitada viagem chegou às telas com um elenco de primeira linha, um diretor acostumado a sequências recheadas de adrenalina e a responsabilidade de devolver ao público o hábito de ir às salas de exibição depois do longo hiato provocado pela Covid-19. Com uma renda acumulada de quase 240 milhões de dólares internacionalmente, é difícil dizer que fracassou em seu intento - mas dividiu a crítica e não fez o barulho que se poderia esperar. Mesmo assim, o resultado final é um delicioso filme de ação, com inspirados momentos de humor e um visual dos mais caprichados dos últimos anos.
Na direção, que ficaria a cargo de Antoine Fuqua, o cineasta David Leitch, cujo currículo apresenta produções extremamente comerciais, como "Deadpool 2" (2018) e "Velozes e furiosos: Hobbs & Shaw (2019) - além do subestimado e estiloso "Atômica" (2017) - deixou de lado o tom mais sério proposto no projeto original para assumir sem medo o caos, o deboche e a ironia. Com diálogos rápidos, idas e vindas no tempo, cenas de luta empolgantes e personagens excêntricos, o roteiro de "Trem-bala" nem sempre é rigorosamente fiel a seu material original, mas até mesmo as alterações feitas na trama do livro servem com perfeição à visão iconoclasta de Leitch, que prescinde das definições levianas de heróis e vilões, algozes e vítimas: durante as pouco mais de duas horas de duração do filme, nada que é dito é completamente confiável e nenhuma verdade é absoluta. Tal opção pelo dúbio e pela diversão ao invés da sobriedade faz de "Trem-bala" um produto raro, um respiro muito bem-vindo a um gênero que normalmente falha em tal equilíbrio. E se a presença de Brad Pitt parece apontar para um filme calcado em um grande astro - e caro, com um cachê milionário de 20 milhões de dólares -, o desenvolvimento do roteiro insiste em sua principal característica: não há um personagem central além do trem que dá nome ao filme.
A princípio até pode parecer que Pitt é o personagem principal da trama, já que é o maior nome do cartaz e o primeiro a surgir na tela, mas não demora para que fique perceptível que seu Ladybug é apenas uma peça em um tabuleiro repleto delas. Escalado por sua superior (cuja intérprete-surpresa surge apenas nos momentos finais) a recuperar uma maleta em um trem-bala que viaja de Tóquio a Kyoto, Ladybug - que está passando por momentos difíceis na carreira, sendo acusado de não conseguir lidar com a agressividade - embarca no veículo sem ter a menor ideia de que sua missão está longe de ser simples como parece. No mesmo local, estão outros dois assassinos de aluguel, Tangerine (Aaron Taylor-Johnson) e Lemon (Bryan Tyree Henry), e a misteriosa Prince (Joey King) - que apesar do nome, esconde uma identidade feminina e um violento trauma familiar. Contratados pelo infame mafioso White Death (Michael Shannon) para salvar seu jovem filho das mãos de sequestradores, Lemon e Tangerine acabam por cruzar o caminho de outros criminosos beligerantes e cruéis - e, no decorrer do caminho, alianças são feitas e desfeitas, fatos do passado são trazidos à tona, reviravoltas acontecem a cada parada e até uma cobra assassina parece fazer parte de uma trama cujos desdobramentos remetem a coincidências das mais bizarras.
"Trem-bala" é um filme com inúmeras qualidades,
mas justamente elas podem incomodar parte dos espectadores. Seu humor -
um tanto macabro e violento - não é exatamente convencional. A
estrutura do roteiro - repleta de flashbacks e flash forwards - obriga a
uma atenção extra que poucos estão dispostos a conceder diante do
cinema quase preguiçoso que vem sendo oferecido pelos grandes estúdios. A
falta de um herói - por mais que Ladybug seja uma espécie de fio
condutor da trama ele não é o protagonista absoluto - talvez confunda
àqueles que buscam uma narrativa mais simples. E o visual elaborado
(cortesia da fotografia admirável de Jonathan Sela) pode soar como
excessivamente colorido e kitsch. Mas o fato é que, somadas todas as
características que fazem dele um filme de ação que tenta fugir da
pasteurização do gênero, o resultado é uma produção muito acima da
média, que não perde o ritmo em momento algum, que apresenta personagens
interessantes interpretados por um elenco impecável e que não hesita em
oferecer sequências coreografadas com precisão cirúrgica. É divertido,
inteligente e produzido com extrema competência. Quanto ao fato de ser
baseado em um livro japonês e contar com atores ocidentais é uma outra
discussão, mais séria e mais profunda que em nada atrapalha o prazer de
ser envolvido por um filme por 127 minutos de entretenimento puro.
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