segunda-feira

BARRY LYNDON


BARRY LYNDON (Barry Lyndon, 1975, Warner Bros,
185min) Direção: Stanley Kubrick. Roteiro: Stanley Kubrick, romance de William Makepeace Thackeray. Fotografia: John Alcott. Montagem: Tony Lawson. Música: Leonard Rosenman. Figurino: Milena Canonero. Direção de arte/cenários: Ken Adam/Roy Walker. Produção executiva: Jan Harlan. Produção: Stanley Kubrick. Elenco: Ryan O'Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee, Gay Hamilton, Frank Middlemass, Leonard Rossiter. Estreia: 11/12/75 (Londres)

7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Stanley Kubrick), Roteiro Adaptado, Fotografia, Trilha Sonora, Figurino, Direção de Arte/Cenários

Vencedor de 4 Oscar: Fotografia, Trilha Sonora, Figurino, Direção de Arte/Cenários

Conhecido por sua obsessão em termos profissionais, Stanley Kubrick dedicou boa parte de sua vida a pesquisar sobre Napoleão Bonaparte, a quem escolheu como tema de um seus filmes. Depois de ler alegadamente uma centena de livros sobre o líder francês e ter explorado o assunto por todos os ângulos, porém, viu seu projeto ser cancelado pela Warner Bros por problemas de orçamento - o que mostrou-se premonitório, haja visto o fracasso de "Waterloo" (1970), produzido por Dino de Laurentiis. Partiu, então, para a produção do controverso "Laranja mecânica" (1971) - que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor - mas jamais abandonou a ideia de dirigir uma história passada no século XVIII e utilizar-se de todo o resultado de seus estudos. Foi então que mirou na obra do escritor William Makepeace Thackeray - mais precisamente em "Feira das vaidades", publicado em 1848. Com o tempo, ciente de que a vasta trama do livro não caberia em apenas três horas de duração, mudou novamente de alvo, mas ainda dentro do universo do autor, nascido na Índia em 1811. Surgia assim "Barry Lyndon", mais um de seus clássicos - e certamente a mais sofisticada de suas produções, premiada com 4 Oscar e celebrada pela crítica como uma obra-prima inquestionável.

Filmado na Inglaterra por longos nove meses - o que empurrou sua estreia para dezembro de 1975, quase dois anos e meio depois do começo da produção -, "Barry Lyndon" custou aos cofres da Warner aproximadamente 11 milhões de dólares, mas não foi um sucesso de bilheteria, para decepção do estúdio e do próprio diretor, que viu-se obrigado pela consciência a fazer de "O iluminado" - um projeto bem mais comercial - seu filme seguinte. Nem a exigência dos engravatados - de escalar um ator popular para o papel central, como forma de garantir seu sucesso financeiro - mostrou-se certeira. O apuro visual, o capricho na direção de atores e o roteiro (irônico e inteligente) não foram suficientes para conquistar a plateia. Sem as elocubrações filosóficas de "2001: uma odisseia no espaço" (1968) e o virtuosismo narrativo de "Laranja mecânica", o filme de Kubrick aposta em uma narrativa linear como forma de contar sua história, uma saga pessoal que satiriza com elegância a aristocracia europeia dos anos 1700. Com uma reconstituição de época impecável e uma fascinante direção de fotografia - que inclui belas sequências filmadas a luz de velas -, "Barry Lyndon" provou que o celebrado cineasta jamais poderia ser chamado de repetitivo.


 

A trama de "Barry Lyndon" começa com a morte do pai do protagonista, que se torna órfão ainda criança e passa a ser o centro das atenções de sua mãe. Vivendo na Irlanda do século XVIII, o rapaz, chamado Redmond Barry (e interpretado por Ryan O'Neal), se apaixona por sua prima, Nora Brady (Gay Hamilton), e tal sentimento é o catalisador de uma série de eventos que irá transformar sua vida pelas próximas décadas. Fugindo de uma acusação de assassinato - forjada por seu rival pelo amor da ambiciosa prima -, Barry acaba se unindo ao exército britânico na Guerra dos Sete Anos. Indolente e pouco honesto, ele deserta mas se vê obrigado a fazer parte do exército prussiano. Depois de salvar a vida de seu capitão, torna-se seu protegido, mas sua lealdade não é exatamente sólida e não demora a associar-se a Chevalier de Balibari (Patrick Magee), um jogador irlandês de quem só se afasta quando resolve dar o golpe do baú na milionária Lady Lindon (Marisa Berenson) - de quem assume também o sobrenome. Seu casamento com a viúva, porém, é destinado à tragédia, graças à rivalidade de Barry com seu enteado.

Talvez a maior ousadia de Stanley Kubrck em "Barry Lyndon" tenha sido a escolha de seu ator central. Um dos dez atores mais populares do cinema em uma pesquisa realizada em 1973 (ano do começo da produção), Ryan O'Neal só perdia, na época, para Clint Eastwood - logicamente velho demais para o papel. Vindo do sucesso de filmes como "Love story: uma história de amor" (1970), "Essa pequena é uma parada" (1972) e "Lua de papel" (1973), O'Neal não era, apesar disso, a primeira opção do cineasta, que preferia Robert Redford, também parte da lista dos grandes astros do momento. Com a recusa de Redford - que logo em seguida voltaria ao topo com "Nosso amor de ontem" e "Golpe de mestre", ambos de 1973 - o futuro marido de Farrah Fawcett entrou no projeto como uma forma de somar prestígio ao sucesso comercial. Por um lado deu certo: mesmo com a direção do perfeccionista Kubrick, o ator que levou multidões aos cinemas com seu drama lacrimoso ao lado de Ali McGraw não teve a mesma sorte com a produção que poderia lhe dar o status de grande intérprete - mas obteve o respeito que tal empreitada oferece. Seu desempenho, porém, acabou eclipsado pela opulência da produção: dotado de um ritmo próprio, cuja lentidão é parte indissociável do tom imposto pelo roteiro e pela direção, "Barry Lyndon" encanta principalmente pela beleza plástica. Suas três horas e cinco minutos de duração - meros doze minutos a menos que "Spartacus" (1960) e com direito a intervalo - passam sem pressa diante dos olhos do espectador, que fascinado com a bela fotografia de John Alcott, o figurino de Milena Canonero e o desenho de produção de Ken Adam, se deixa envolver por uma trama iconoclasta, satírica e quase cínica. Com um protagonista que vive na sociedade do século XVIII com uma mentalidade moderna, "Barry Lyndon" é, a seu modo, também à frente de seu tempo. Pode não ter revolucionado o cinema, mas é mais um filme indispensável na carreira de um dos poucos diretores que podem ser realmente chamados de artista.

 

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