quinta-feira

JACKIE BROWN

JACKIE BROWN (Jackie Brown, 1997, Miramax Films, 154min) Direção: Quentin Tarantino. Roteiro: Quentin Tarantino, romance "Punch Rum", de Elmore Leonard. Fotografia: Guillermo Navarro. Montagem: Sally Menke. Figurino: Mary Claire Hannah. Direção de arte/cenários: David Wasco/Sandy-Reynolds Wasco. Produção executiva: Elmore Leonard, Bob Weinstein, Harvey Weistein. Produção: Richard N. Gladstein. Elenco: Pam Grier, Samuel L. Jackson, Robert Forster, Robert De Niro, Bridget Fonda, Michael Keaton, Chris Rock. Estreia: 25/12/97

Indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Robert Forster)
Vencedor de Melhor Ator (Samuel L. Jackson) no Festival de Berlim

Pouco mais de três anos se passaram entre a estreia de "Pulp Fiction" no Festival de Cannes de 1994 - de onde saiu com a Palma de Ouro - e de "Jackie Brown", no natal de 1997. Talvez por excesso de expectativa, no entanto, o terceiro trabalho de Quentin Tarantino não causou o mesmo barulho daquele que muitos consideram sua obra-prima. Como prova da incoerência da crítica - e também de boa parcela do público - Tarantino foi vítima de si mesmo: todos aqueles que incensaram "Pulp fiction" por sua criatividade e inovação esperavam o mesmo de "Jackie Brown". Como o ex-atendentende de videolocadora pode ser tudo, menos repetitivo, o esperado não aconteceu. Bastante diferente de "Pulp fiction", seu filme foge do previsível e, se não revolucionou o mundo do cinema, ao menos reiterou a excelência de seu criador como um cineasta capaz de sempre pegar o espectador de surpresa.

Trabalhando pela primeira - e até agora única - vez em cima de material alheio, Tarantino adaptou o romance "Punch run", de Elmore Leonard à sua maneira, se apropriando da trama e das personagens com sua característica avidez. Transformar a protagonista em uma negra - no livro ela era branca - foi apenas o princípio: "Jackie Brown" pode até dever sua origem a Leonard (cujo "Irresistível paixão" também virou filme logo em seguida), mas é Tarantino puro, na sua mais cristalina essência. Estão no filme todas as suas obsessões: personagens marginalizadas, edição inteligente, diálogos longos e recheados de referências pop e principalmente atuações brilhantes - e de atores redescobertos por seu tradicional talento arqueológico.



A Jackie Brown do título - a tal que era branca e transformou-se em negra para dar a oportunidade para a atriz Pam Grier voltar aos holofotes depois de anos desaparecida do cinema (onde trabalhou em filmes sobre a cultura black nos anos 70) - é uma comissária de bordo de uma empresa de aviação mixuruca que faz vôos entre EUA e México. Para complementar sua magra renda, ela trabalha como atravessadora para Robin Ordell (Samuel L. Jackson), um vendedor de armas procurado pelo FBI. Pega em uma armadilha da polícia, ela se vê obrigada a deletar seu chefe, mas antes disso, bola um plano que a fará colocar a mão em 500 mil dólares que pertencem ao criminoso. Para isso, ela conta com a ajuda de Max (Robert Forster, outro ressuscitado pelo diretor), seu agente de condicional que tem uma quedinha por ela. Porém, o que ela não sabe é que outras pessoas também estão de olho na grana, em especial um antigo comparsa de Ordell, o ex-presidiário Louis (Robert DeNiro) e a sexy (Bridget Fonda), uma gata de praia que vê no dinheiro a chance de sua vida.

A bem da verdade, é difícil resumir a trama de "Jackie Brown" sem que se fique com a sensação de déja-vu: a sinopse é, realmente, quase derivativa, repleta dos clichês que povoam o gênero policial. Mas Quentin Tarantino não é um cineasta burocrático e isso fica claro em inúmeras sequências de um filme muito acima da média de seus congêneres. Se a primeira parte concentra-se na apresentação das personagens - e o faz com propriedade e um senso de humor negro invejáveis - sua segunda metade é nunca menos do que fascinante. Valorizado pela edição espetacular de Sally Menke  (parceira fiel do diretor, morta em 2010), o roteiro vai de um drama policial sobre lealdade e segundas chances para um intrigante suspense, que prende o espectador na cadeira com a respiração em suspenso. A repetição da sequência do plano de Jackie - vista pelos pontos de vista diferentes das personagens - é genial, não dando à audiência nenhuma pista sobre o que virá. Quando tudo fica claro diante do público, é impossível não abrir um sorriso de cumplicidade...

E cumplicidade talvez seja a palavra-chave em "Jackie Brown". Quentin Tarantino faz com que a audiência entre aos poucos na história contada, para que, ao seu final, sinta-se como parte integrante da narrativa, testemunha privilegiada de uma trama tão cheia de detalhes que qualquer frase, qualquer tom, qualquer acontecimento, por mínimo que pareça, tem uma importância fundamental em seu desfecho. Para isso, conta com um Samuel L. Jackson brilhante (mais uma vez) e uma Pam Grier que justifica a transformação racial da protagonista (além de um inspirado Robert Forster e uma divertida Bridget Fonda). Apenas Michael Keaton, com sua habitual apatia, destoa do restante do elenco. Tendo ainda uma trilha sonora vibrante que prende desde a primeira cena e um elenco de personagens que Leonard criou e Tarantino adotou como um pai carinhoso, "Jackie Brown" é um trabalho que não deixa nada a desejar aos fãs de bom cinema. Azar de quem não consegue perceber que um tentar novo "Pulp fiction" seria a pior coisa que poderia acontecer à carreira de seu criador.

4 comentários:

renatocinema disse...

Vi no cinema e gostei.

Entendo que Cães de Aluguel e Pulp Fiction foram melhores. Mas, Jackie Brown me agradou exatamente por Tarantino fugir do que esperavam dele, ou seja, inovação sempre.

Aqui ele apresenta um roteiro linear e atrativo.

renatocinema disse...

Adorei também a trilha sonora, que comprei rapidamente.

Luís Azevedo disse...

Concordo contigo quando dizes que o pior que podia acontecer à carreira de Tarantino era criar um novo Pulp Fiction. MAs mesmo assim continuei a ficar desiludido com este filme. Todos os seus filmes são diferentes, mas mantêm alguns pontos em comum, principalmente o diálogo. Este filme simplesmente não possui a mesma qualidade de diálogo (opinião muito subjectiva é claro).
E outra coisa: Disseste que se mudou a cor personagem para abrir espaço para a Pam Grier, mas não acredito que foi isso que aconteceu. O Tarantino queria fazer um filme de blaxploitation e usou a melhor actriz para um filme do género.
PS. Se estiveres interessado na minha opinião sobre o filme aqui vai o link:
Baú-dos Livros
Cumps cinéfilos :)

Rafael W. disse...

É o pior filme do Tarantino, mas ainda é ótimo!

http://cinelupinha.blogspot.com/

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