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ENCONTROS E DESENCONTROS

ENCONTROS E DESENCONTROS (Lost in translation, 2003, Focus Features, 104min) Direção e roteiro: Sofia Coppola. Fotografia: Lance Acord. Montagem: Sarah Flack. Música: Kevin Shields. Figurino: Nancy Steiner. Direção de arte/cenários: K.K. Barrett, Anne Ross/Mayumi Tomita. Produção executiva: Francis Ford Coppola, Fred Roos. Produção: Sofia Coppola, Ross Katz. Elenco: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris. Estreia: 29/8/03 (Festival de Telluride)

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Sofia Coppola), Ator (Bill Murray), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Roteiro Original
Vencedor de 3 Golden Globes: Melhor Filme Comédia/Musical, Ator Comédia/Musical (Bill Murray), Roteiro

Filmes sobre pessoas solitárias que se encontram em determinado momento de suas vidas e passam por transformações são moeda corrente dentro dos clichês dramáticos hollywoodianos. Por que então um filme pequeno, discreto e tão sutil quanto “Encontros e desencontros” causou tanto auê entre a crítica e o público de bom gosto? A resposta mais óbvia poderia acusar a nobreza do sangue de sua diretora – Sofia Coppola é filha do veterano Francis Ford, aqui atuando como produtor executivo. Mas o fato é que nem mesmo o prestígio do velho e bom Coppola seria capaz de sobrepujar-se à delicadeza, inteligência e humor melancólico do segundo filme de sua filha. Ao falar da natureza inerentemente solitária dos seres humanos e de que como pessoas tão diferentes podem cruzar nossas vidas e fazê-las menos comuns, a pequena obra-prima de Sofia comove, faz rir e de quebra apresenta um trabalho de atuação irrepreensível de Bill Murray, merecidamente indicado ao Oscar de Melhor Ator.


Murray abandona – pero no mucho – a persona de palhaço que forjou em quase toda a sua carreira no papel de Bob Harris, um ator decadente e em crise de meia-idade que vai ao Japão para gravar um comercial de whisky. Sozinho e incapaz de lidar com as diferenças culturais do país do sol nascente, ele entra em uma fase de isolamento total até que conhece, no hotel onde está hospedado, a jovem Charlotte (Scarlett Johansson), mulher de John (Giovanni Ribisi), um fotógrafo profissional que dedica-se mais ao trabalho que ao casamento. Recém-formada em Filosofia, Charlotte sente-se abandonada em Tóquio e logo ela e Bob iniciam uma amizade baseada unicamente no fato de serem dois seres humanos totalmente fora de seus universos particulares. Conhecendo a noite da cidade eles passam também a conhecer um ao outro e surge um relacionamento forte e honesto entre eles.



Dificilmente “Encontros e desencontros” pode ser considerado um drama romântico, uma vez que o relacionamento entre Bob e Charlotte passa longe do romantismo barato e recheado de lugares-comuns dos filmes do gênero. O amor que surge entre eles não é um amor que necessite de consumação física – mesmo quando passam a noite juntos, eles apenas dormem, comprovando a intimidade entre eles acima de qualquer noite tórrida de sexo. O amor que sentem um pelo outro é um amor entre duas pessoas conectadas por algo mais do que simplesmente carne. Talvez por isso, por essa delicadeza de sentimentos, o filme de Sofia tenha incomodado tanta gente e encantado outro tanto. Não há diálogos forçados no roteiro premiado com o Oscar, ainda que muitos deles sejam engraçados. E é aí que entra em cena outra qualidade do filme.

Os diálogos repletos de frescor e simplicidade escritos por Sofia Coppola soam verdadeiros e não como frases de efeito. Recitados por Johansson e um Bill Murray inspiradíssimo, eles são como música para ouvidos tão mal acostumados a cenas escritas com petulância e má-vontade. E nem mesmo as sequências cômicas parecem exageradas ou descartáveis, permitindo a Murray que ria de si mesmo com a melancolia que seu personagem exige. Uma melancolia, aliás, que perpassa todo o filme, que ainda permite ao espectador uma visão ampla de um país que mistura com precisão a tecnologia e a modernidade com o orgulho às tradições mais ancestrais.
  
Uma pérola delicada e sutil, “Encontros e desencontros” ainda tem a coragem de encerrar sua história com um misterioso adeus entre seus protagonistas ao som da bela “Just like honey”, da banda Jesus & Mary Chain. A frase que Bob Harris sussurra ao ouvido de sua querida Charlotte pode não ser ouvida pelo público, mas fica ressoando por um bom tempo depois do final da obra-prima de Sofia Coppola.

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