sexta-feira

ENCONTRO ÀS ESCURAS


ENCONTRO ÀS ESCURAS (Blind date, 1987, TriStar Pictures, 95min) Direção: Blake Edwards. Roteiro: Dale Launer. Fotografia: Harry Stradling. Montagem: Robert Pergament. Música: Henry Mancini. Figurino: Tracy Tynan. Direção de arte/cenários: Rodger Maus/Carl Biddiscombe. Produção executiva: Gary Hendler, Jonathan D. Krane. Produção: Tony Adams. Elenco: Bruce Willis, Kim Basinger, John Larroquette, William Daniels. Estreia: 24/3/87

Em maio de 1986, quando começaram as filmagens de "Encontro às escuras", Bruce Willis ainda não era o astro de Hollywood que se tornou após a estreia e o estrondo de "Duro de matar" (1988), mas já tinha a seu favor a popularidade adquirida com o êxito de audiência da telessérie "A gata e o rato", que coestrelava com Cybil Sheppard e que lhe deu visibilidade o bastante para que arriscasse uma carreira no cinema. No entanto, mesmo que seu futuro na tela grande ainda fosse uma incógnita, sua escolha para o papel principal em um filme do festejado Blake Edwards foi uma aposta certeira do estúdio (TriStar Pictures): por mais que a sensualidade de Kim Basinger fosse um atrativo dos maiores (leia-se "9 1/2 semanas de amor"), é certo que o carisma de Willis foi um dos fatores preponderantes para o razoável sucesso da produção, uma comédia romântica despretensiosa que arrecadou perto de 40 milhões de dólares - apesar do pouco caso com que foi recebida pela crítica. Mesmo sendo dirigido por um veterano tão celebrado quanto Edwards (ou talvez justamente por isso), "Encontro às escuras" acabou decepcionando e hoje é mais lembrado por ter sido a estreia de Willis no cinema do que por suas qualidades cômicas - mas, visto sem grandes expectativas, é um filme leve, divertido e simpático, com um sabor delicioso de nostalgia.

A trama até lembra um pouco o sensacional "Depois de horas" (1984), de Martin Scorsese, ao colocar seu protagonista no centro de um furacão provocado pelo desejo por uma mulher - um inferno de tempo limitado (boa parte do filme se passa em uma única noite) e consequências imprevisíveis, com a violência sempre à espreita, ainda que retratada de forma cínica e irônica. No caso do filme de Edwards a vítima é Walter David, um típico yuppie dos anos 1980, um ambicioso executivo perto de ver seu sonho de promoção chegar a suas mãos. Justamente para agradar ao patrão conservador, Walter resolve não aparecer sozinho em um jantar de negócios - e aceita encontrar uma amiga da cunhada mesmo sem saber absolutamente nada a seu respeito (exceto o fato de que a beldade não pode beber "para não sair de si.") Assim como seu irmão, Walter entende equivocadamente a dica e só vai descobrir isso tarde demais. Encantado pela beleza e pelo charme de Nadia Gates (Kim Basinger, morena e com surpreendente timing cômico), Walter insiste em que ela beba alguns goles de champagne antes do compromisso formal com seu chefe. Para seu desespero, porém, o aviso da cunhada se revela um eufemismo, e a tímida Nadia, sob o efeito do álcool, libera uma personalidade tão festiva quanto irresponsável, capaz de destruir a imagem cuidadosamente construída por Walter diante de seus colegas de trabalho. Não bastasse isso, seu ex-noivo, David (John Larroquette), não parece disposto a aceitar tranquilamente o rompimento - e surge como uma sombra no caminho do novo casal.


 

Apostando tanto no humor visual (que tanto deu certo em seus filmes com Peter Sellers) quanto na tentativa de evocar uma atmosfera de pesadelo (mas sem o tom sinistro de uma produção de suspense), Blake Edwards demonstra uma irregularidade incômoda: não apenas a história demora a começar como sofre de uma queda brusca de ritmo no terço final. O roteiro de Dale Launer sofreu diversas alterações até chegar às telas, e o próprio roteirista rejeitou o produto final, que se mostra um cruzamento nem sempre bem-sucedido entre o já citado "Depois de horas", o nonsense "Totalmente selvagem", de Jonathan Demme (lançado em 1986) e as comédias românticas estreladas por Katharine Hepburn e Spencer Tracy. A química entre Bruce Willis e Kim Basinger é precisa, mas nem sempre é aproveitada a contento - a ponto de o casal ser separado por quase todo o último ato. Quando funciona, "Encontro às escuras" faz lembrar os melhores momentos de Blake Edwards. Quando não acontece, deixa um sentimento de frustração que explica a má recepção do filme junto à crítica. Não se pode deixar de perceber a falha do cineasta em manter um ritmo consistente ou construir um mínimo de profundidade em seus personagens, que agem sempre de forma imatura e inconsequente - ok, é uma comédia, mas até mesmo dentro das regras de um gênero específico é possível criar coerência e complexidade.

No início de sua produção, "Encontro às escuras" teria Madonna como atriz principal - na época em que a cantora estava flertando fortemente com o cinema, estrelando filmes divertidos como "Procura-se Susan desesperadamente" (1985) e "Quem é esta garota?" (1987). A substituição por Kim Basinger se deu quando a polêmica estrela pop descobriu que Bruce Willis já havia sido contratado como o astro do filme, o que a impediria de impor seu então marido Sean Penn no papel central. Não que Penn precisasse - hoje é um dos melhores atores em atividade em Hollywood -, mas o projeto em conjunto do casal talvez apagasse o fiasco de "Surpresa de Shangai", que fizeram em 1986 e pelo qual haviam sido apedrejados pela crítica e ignorados pelo público. É difícil dizer se o resultado seria melhor ou pior do que a versão estrelada por Bruce Willis e Kim Basinger - mas, a julgar por boa parte das produções lideradas por Madonna em suas incursões na tela grande, não teria sido um ponto alto de sua carreira. Para Willis, no entanto, foi um belo pontapé inicial de uma trajetória admirável que inclui sucessos acachapantes de bilheteria ("O sexto sentido", de 1999) e produções de extremo prestígio ("Pulp fiction: tempo de violência", de 1994).

 

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