TODO PODEROSO (Bruce Almighty, 2003, Universal Pictures, 103min) Direção: Tom Shadyac. Roteiro: Steve Koren, Mark O'Keefe, Steve Oedekerk, estória de Steve Koren, Mark O'Keefe. Fotografia: Dean Semler. Montagem: Scott Hill. Música: John Debney. Figurino: Judy Ruskin Howell. Direção de arte/cenários: Linda DeScenna/Rick McElvin. Produção executiva: Gary Barber, Roger Birnbaum, Steve Oedekerk. Produção: Michael Bostik, James D. Brubaker, Jim Carrey, Steve Koren, Michael O'Keefe, Tom Shadyac. Elenco: Jim Carrey, Morgan Freeman, Jennifer Aniston, Philip Baker Hall, Steve Carell, Sally Kirkland. Estreia: 14/5/2003
Depois de provar-se como um ator capaz de alçar maiores voos dramáticos - em filmes como "O show de Truman: o show da vida" (1998), "O mundo de Andy" (1999) e "Cine Majestic" (2001) - o canadense Jim Carrey achou que já era hora de voltar à sua zona de conforto e abraçar o gênero que lhe deu fama, dinheiro e o amor de milhares de fãs. Ao reunir-se com o cineasta Tom Shadyac - que lhe deu seu primeiro grande sucesso de bilheteria, "Ace Ventura: um detetive diferente" (1994) e lhe confirmou o status de astro com "O mentiroso" (1997) - e assumir novamente seu talento em fazer rir com caras e bocas, Carrey tornou "Todo poderoso" a comédia de maior sucesso de sua carreira e, mais impressionante ainda, da história (batendo o recorde de "Esqueceram de mim", lançado em 1990). Contando com a luxuosa ajuda de Morgan Freeman e Jennifer Aniston - no auge do sucesso de "Friends" -, Carrey nem precisa se esforçar muito para arrancar gargalhadas das plateias, mesmo que nem sempre o roteiro atinja todas as suas possibilidades. Baseado livremente no romance "Almighty me", de Robert Bausch - que não é citado em nenhum momento como fonte oficial -, o filme de Shadyac brinca com a ideia universal de um ser humano adquirir poderes divinos, e aposta todas as suas fichas em seu astro. E ganha.
Criado como veículo para Kevin Hart, que abandonou o projeto por considerar o tema sacrílego, "Todo poderoso" apresenta Carrey como Bruce Nolan, um repórter televisivo infeliz com o rumo de sua carreira. Constantemente subestimado por seus superiores - que lhe escalam sempre para cobrir amenidades irrelevantes -, Nolan atinge o ápice de seu desgosto com a vida quando vê seu maior rival profissional, Evan Baxter (Steve Carrell), ficar com seu almejado posto de âncora do telejornal local. Frustrado e irado com a situação, ele acaba chamando a atenção de Deus, que ouve seus lamentos e lhe aparece (na figura de Morgan Freeman) para informar que, durante um período em que estará de férias, é o próprio Nolan quem irá ficar em seu lugar, tomando todas as decisões inerentes à função. Dotado de super poderes e com o dom de realizar milagres, conceder graças e - em pequenos atos de mesquinhez - prejudicar seu arquirrival no caminho do sucesso. Enquanto se diverte com a situação, porém, o aspirante a celebridade percebe que o Homem-aranha já sabe ("grandes poderes trazem grandes responsabilidades") e passa a negligenciar seu romance com a apaixonada Grace (Jennifer Aniston).
Se o roteiro escrito por Steve Koren, Mark O'Keefe e Steve Oedekerk não consegue escapar das armadilhas de uma trama quase moralista (com uma mensagem que não exatamente combina com o tom iconoclasta do humor praticado por seu ator central), Jim Carrey deita e rola em um papel que remete aos melhores momentos da comédia física que lhe consagrou. Quando o roteiro insiste em falar sério ou até mesmo apelar para o romantismo, o filme de Shadyac mostra que ambiciona mais do que simplesmente fazer rir descompromissadamente - como em seus outros trabalhos com o astro -, mas acaba por criar, involuntariamente, uma quebra de ritmo que compromete o resultado final. Os fãs de Carrey, logicamente, tem muito a aproveitar - o ator está em plena forma - e encontrarão diversos momentos hilariantes. De brinde, ainda há a participação de Steve Carell (ainda creditado como Steven) em uma sequência das mais engraçadas - não por acaso o próprio Carell assumiu a protagonização da continuação, lançada, sem o mesmo êxito, em 2007.
Banido no Egito devido a seu conteúdo considerado ofensivo, "Todo poderoso" é mais um sucesso incontestável na bem-sucedida carreira de Jim Carrey - que levou uma bolada de 25 milhões de dólares de cachê. Leve, despretensioso (ainda que levemente mais profundo do que boa parte de suas comédias) e solar, contrasta radicalmente de seu currículo até então - um currículo que seria enriquecido ainda mais no ano seguinte com o belo "Brilho eterno de uma mente sem lembranças", que ofereceria às plateias um novo lado do ator: o romântico. Antes de sua estreia, porém, o público pode divertir-se às pencas com uma trama que apostava em seu humor debochado e frequentemente exagerado - características que sempre fizeram dele uma aposta certeira quando se tratava de arrancar gargalhadas quase histéricas do espectador.