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sexta-feira
A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO
A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (The last temptation of Christ, 1988, Universal Pictures, 164min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Paul Schrader, romance de Nikos Kazantzakis. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Thelma Schoonmaker. Música: Peter Gabriel. Figurino: Jean-Pierre Delifer. Direção de arte/cenários: John Beard/Giorgio Desideri. Casting: Cis Corman. Produção executiva: Harry Ufland. Produção: Barbara De Fina. Elenco: Willem Dafoe, Harvey Keitel, Barbara Hershey, Paul Greco, Verna Bloom, Harry Dean Stanton, David Bowie. Estreia: 12/8/88
Indicado ao Oscar de Diretor (Martin Scorsese)
O cineasta Martin Scorsese foi criado como católico e chegou a freqüentar um seminário, quando teve intenção de tornar-se padre. Talvez esse background inusitado para um diretor de cinema tão chegado a filmes tão violentos e pesados como “Taxi driver” e “Touro indomável” tenha sido o responsável pela gritaria em torno de “A última tentação de Cristo”, adaptação cinematográfica de Scorsese do polêmico livro escrito pelo grego Nikos Kazantzakis, que basicamente criou celeuma ao dar um enfoque humano ao filho de Deus. Anos antes de Mel Gibson encher os bolsos de dinheiro com sua violenta versão da história, em "A paixão de Cristo", Scorsese sofreu para levar às telas a visão filosófico/espiritual de Jesus, que ele compartilhava com o escritor. Tendo lido o livro em 1972 - presente da atriz Barbara Hershey - ele levou mais de quinze anos para finalmente fazê-lo chegar aos cinemas. E ser praticamente apedrejado por isso.
Piquetes em frente aos cinemas, ameaças da Igreja Católica e discussões ao redor do mundo fizeram no entanto que seu filme atingisse uma glória que provavelmente não era de seu interesse. O que o cineasta, um dos mais brilhantes de sua geração, diga-se de passagem, queria – e consegue, a despeito de toda a confusão que desviou do foco principal da produção – era fazer uma obra acima de religiões, teologias e divisões entre crenças. Scorsese queria fazer um filme para reafirmar sua fé e a de quem pudesse ser atingido por sua obra. E saiu-se vitorioso. Há muito que Hollywood devia um filme tão inflamado e apaixonado quanto “A última tentação de Cristo”.
Muito da extrema qualidade do filme vem da energia e da paixão de seus criadores. Indo muito além das belas palavras de Kazantzakis, o roteiro, de autoria do colaborador habitual do diretor, Paul Schrader apresenta, sem ordem cronológica linear, fatos importantes da vida de Jesus Cristo (em uma atuação corajosa de Willem Dafoe) até o momento de Sua crucificação, onde tem a visão do que seria Sua vida se tivesse uma vida de ser humano normal, em um relacionamento carnal com Maria Madalena (Barbara Hershey, bela e sexy),uma família convencional e, heresia das heresias, amantes - sim, no filme Cristo se divide entre duas irmãs, depois da morte da esposa. Justamente esse terço final do filme, o que vem a ser literalmente sua última tentação foi o que incomodou aqueles que têm as Escrituras ao pé da letra e que nem de longe percebeu que, no fim de tudo, ao optar pelo auto-sacríficio, Jesus provou seu amor de forma indelével e salvou a humanidade.
Apesar da beleza de seus momentos finais, onde até o mais renitente cínico pode se emocionar, “A última tentação” é, acima de tudo, cinema da mais alta qualidade. Desde a fotografia de Michael Ballhaus até a trilha sonora de Peter Gabriel, tudo funciona da maneira esperada, inclusive um surpreendente David Bowie como Pilatos - surpreendentemente quem não foi muito feliz em cena foi o veterano Harvey Keitel, que não encontrou o tom certo de seu Judas Iscariotes, dono de algumas das mais emocionais cenas do longa, inclusive o poderoso confronto entre "traidor e traído" na parte final do filme.
Ao contrário de seus detratores mal-informados, a obra de Scorsese devia figurar como obrigatória no ensino de Religião pelos quatro cantos do planeta. Suas discussões legítimas e pertinentes, aliadas ao talento de sua equipe artística - que trabalhou com um orçamento de apenas 7 milhões de dólares - faz de "A última tentação" um dos pontos altos da carreira de seu diretor, que em seguida lançaria um de seus trabalhos mais populares, o suspense "Cabo do medo", feito para agradar à Universal Pictures e que provaria, de forma indubitável que, não importa o gênero, Scorsese é um gênio.
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