terça-feira

CONCORRÊNCIA DESLEAL

 


CONCORRÊNCIA DESLEAL (Concorrenza sleale, 2001, Medusa Films/Massfilm/Agidi, 110min) Direção: Ettore Scola. Roteiro: Ettore Scola, Furio Scarpelli, Silvia Scola, Giacomo Scarpelli, estória de Furio Scarpelli. Fotografia: Franco Di Giacomo. Montagem: Raimondo Crociani. Música: Armando Trovajoli. Figurino: Odette Nicoletti. Direção de arte/cenários: Luciano Ricceri/Ezio Di Monte. Produção: Franco Committeri. Elenco: Diego Abatantuono, Sergio Castellitto, Gérard Depardieu, Antonella Attili, Elio Germano, Sabrina Impacciatore. Estreia: 23/02/2001

Itália, 1938. Umberto Melchiori tem uma loja de roupas sob medida e, mais do que o orgulho que tem do negócio que acompanha sua família há gerações, considera uma roupa bem talhada uma forma de arte subestimada. Católico praticante e marido dedicado à família - incluindo o cunhado folgado -, ele teria a vida tranquila que pediu a Deus se não fosse Leone Della Rocca, seu vizinho e nêmesis. Judeu e dono de uma loja de roupas prontas, Leone incomoda seu concorrente principalmente por não ter a mesma preocupação estética, preferindo conquistar seus clientes com preços atrativos e a praticidade de uma confecção moderna. Vivendo às turras - a ponto de chegarem às vias de fato -, Umberto e Leone nem desconfiam do romance Romeu e Julieta de seus filhos jovens, e de certa forma só concordam (tacitamente) com a amizade de seus dois caçulas, cujos olhos atônitos e inocentes são as testemunhas de uma rotina banhada a rusgas e constantes momentos de tensão. A rivalidade entre os dois vizinhos, porém, sofrerá uma profunda transformação com a ascensão de Hitler e o recrudescimento do antissemitismo - que fará com que a relação entre suas famílias assuma nuances inesperadas e/ou corajosas.

O 35º longa-metragem do diretor italiano Ettore Scola, lançado em 2001, não foge de sua elogiada sensibilidade quanto a relações interpessoais durante períodos históricos turbulentos. Assim como "Um dia muito especial" (1977) centralizava seu olhar no idílio entre uma dona-de-casa frustrada e um funcionário público homossexual durante a visita de Hitler à Itália, "Concorrência desleal" centraliza seu foco nas consequências funestas da adesão do país à política de Mussolini - e posteriormente às práticas segregacionistas e criminosas da Alemanha nazista. Com um roteiro em tom de crônica que privilegia os momentos mais pessoais em detrimento do didatismo, Scola apresenta, diante do espectador, tipos agradáveis e de fácil identificação - as crianças pensando em travessuras e em formas de chamar a atenção das belas mulheres a seu redor, a dupla de jovens apaixonados, o cunhado pouco afeito ao trabalho, o professor politicamente antenado - como um artifício narrativo leve, para que, em seu terço final, possa estabelecer, com um viés mais sério e melancólico, sua real intenção de emocionar sem apelar para qualquer tipo de excesso sentimental.

 

Mesmo sem o impacto dos melhores trabalhos de Scolla, "Concorrência desleal" não deixa de lado as principais características de sua vasta e prestigiada filmografia. Dotada do delicioso senso de humor italiano e realizada com o inegável talento de seu realizador em buscar a grandeza de seus personagens (sejam eles protagonistas ou coadjuvantes), a produção estrelada por Sergio Castellitto e Diego Abatantuono - ambos com desempenhos memoráveis - é extremamente feliz em sua tentativa de criar uma atmosfera lúdica que vai, gradativamente, se tornando mais pesada e sufocante. Sem forçar situações, o roteiro conduz a trama em um ritmo que permite ao espectador intercalar momentos calorosos com sequências da mais pura poesia, em que a natureza humana, com todas as suas idiossincrasias, se sobrepõe ao pesadelo fascista. Emocionante ao retratar pessoas que deixam de lado rusgas pessoais em nome de algo maior, o filme de Scolla reitera uma fé na humanidade de que somente cineastas com sua sensibilidade são capazes. A bela trilha sonora, de Armando Trovaioli, sublinha tal sentimento, sempre discreta e eficaz, assim como a competente reconstituição de época, que convida o público a uma viagem no tempo, e o elenco, impecável do primeiro ao último nome (e que pode se dar ao luxo de contar com Gérard Depardieu em um pequeno - mas representativo - papel).

O elenco, aliás, é crucial para o sucesso de "Concorrência desleal" em atingir seu objetivo de conquistar o coração do espectador. A química precisa entre Diego Abantuono (como Umberto) e Sergio Castellitto (na pele de Leone) é o ponto alto do filme: os dois atores constroem seus personagens sutilmente, apostando nos detalhes que os afastam e nos tons que os aproximam. Juntos em cena, os dois formam a base para todo o resto da produção, a pedra fundamental de uma história aparentemente frágil (e estabelecida em formato de crônica) que vai se desdobrando aos poucos diante do olhar do público. Sem ser exatamente um clássico instantâneo como "Nós que nos amávamos tanto" (1974) e "Feios, sujos e malvados" (1976) mas indiscutivelmente mais uma pequena obra-prima de seu diretor, "Concorrência desleal" é uma pérola que merece ser louvada como tal.

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