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O POVO CONTRA LARRY FLYNT

O POVO CONTRA LARRY FLYNT (The People vs. Larry Flynt, 1996, Columbia Pictures, 129min) Direção: Milos Forman. Roteiro: Larry Alexander, Scott Karaszewski. Fotografia: Phillippe Rousselot. Montagem: Christopher Tellefsen. Música: Thomas Newman. Figurino: Arianne Philipps, Theodor Pistek. Direção de arte/cenários: Patrizia Von Brandenstein/Maria A. Nay, Amy Wells. Produção: Michael Hausman, Oliver Stone, Janet Yang. Elenco: Woody Harrelson, Edward Norton, James Cromwell, Courtney Love, Brett Harrelson, Crispin Glover. Estreia: 25/12/96


2 indicações ao Oscar: Diretor (Milos Forman), Ator (Woody Harrelson)
Vencedor de Melhor Diretor (Milos Forman) no Festival de Berlim
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Diretor (Milos Forman), Roteiro

Apesar de ter seu nome no título o verdadeiro protagonista de "O povo contra Larry Flynt" não é o editor da "Hustler", uma das revistas pornográficas mais populares dos EUA. Quem realmente é a personagem principal do filme do tcheco Milos Forman é uma entidade abstrata chamada "liberdade de expressão". É esse conceito, tão valorizado mas tão seriamente ameaçado até mesmo nas mais liberais democracias, o verdadeiro astro do filme que deu a Woody Harrelson sua primeira indicação ao Oscar. É o direito a essa tal liberdade, garantida na Constituição americana, o santo graal perseguido por Larry Flynt e seu advogado, o jovem Alan Isaacman. E é justamente por lutar por esse direito sagrado a todos que o filme do diretor de "Um estranho no ninho" conquista até mesmo a mais conservadora das plateias.

Até mesmo Oliver Stone, chegado que é em uma polêmica, declinou da ideia de dirigir "O povo contra Larry Flynt", preferindo manter-se no menos ostensivo papel de produtor. O explosivo material, escrito pela mesma dupla que deu a Tim Burton o belo roteiro de "Ed Wood", provocou controvérsia antes mesmo de estrear, tendo seu cartaz banido e severamente criticado: no criativo poster, o protagonista tinha o corpo em formato de Jesus crucificado, mas no corpo de uma mulher. Substituído por uma outra propaganda mais comportada, foi apenas o princípio de uma gritaria dos setores conservadores da pudica América do Norte, que não aceitavam de bom grado a ideia de ter um pornógrafo como herói de um filme. Escandalizados ou não, o fato é que os detratores de Larry Flynt não conseguiram ofuscar o brilho do resultado final. Dirigido com uma ironia deliciosa e interpretado por um excelente Woody Harrelson, "O povo contra Larry Flynt" é um dos melhores filmes de 1996 - e poderia muito bem ter ficado com uma vaga entre os indicados ao Oscar principal, já que tanto Harrelson quanto Milos Forman conseguiram ficar entre os finalistas em suas respectivas categorias.

"O povo contra Larry Flynt" começa mostrando a origem do império do protagonista, desde suas ambições infantis até a criação de um boletim (repleto de fotos de mulheres nuas) a ser distribuído aos frequentadores de seu bar de striptease chamado Hustler. Aos poucos, sentindo-se traído pela sutileza e pela delicadeza das fotos de sua rival "Playboy" transforma seu boletim em uma revista mensal, com um grande diferencial: nas páginas da "Hustler" os leitores não encontrariam matérias de interesse geral e sim uma boa e velha pornografia explícita. Chocando a ala conservadora dos EUA, Flynt torna-se figurinha fácil nos tribunais, acusado de incitar a pornografia e principalmente processado por difamação e danos morais pelo respeitável Reverendo Jerry Falwell (Richard Paul), vítima de uma de suas piadas de incrível mau-gosto. Quem o defende em seus julgamentos é seu jovem advogado, Alan Isaacman (Edward Norton), recém-formado e que, apesar de ter aversão às publicações do cliente, jamais deixa de estar ao seu lado.



O ritmo é uma das maiores qualidades em "O povo contra Larry Flynt". Mesmo quando o filme corre o risco de tornar-se repetitivo devido às idas e vindas do protagonista aos tribunais, o roteiro jamais cai na armadilha de deixar-se levar pelos fatos históricos puros e simples, além de presentear o público com um humor cruel extremamente engraçado. O Larry Flynt criado por Scott Alexander e Larry Karazsewski é um anti-herói absoluto, escória da sociedade, mas dotado de uma personalidade e um carisma inegáveis, além de um senso de humor irresistível. Nem mesmo depois de ficar paraplégico devido a um atentado contra sua vida - um evento nunca devidamente esclarecido - ele deixou-se levar pelo negativismo e a depressão, praticamente usando suas limitações como uma medalha de honra. Sua defesa ferrenha pela liberdade de expressão é também a defesa de um direito inalienável de qualquer cidadão. Como ele mesmo declara em determinado momento, "se a Primeira Emenda pode proteger a um lixo como eu, poderá proteger a todos vocês." É fascinante seu discurso quando compara a pornografia com a guerra e a violência e deixa na cabeça de todos a pergunta que jamais quer calar: o que é mais ofensivo, um corpo feminino ou uma criança morta???

Woody Harrelson tem, aqui, um dos ápices de sua carreira desigual. Elevando à máxima potência a promessa com que acenava desde seu Mickey Knox de "Assassinos por natureza", ele transcende sua personagem, transformando-se em Larry Flynt de forma arrebatadora. Ao acrescentar ao papel sua própria personalidade anárquica e controversa, Harrelson mereceu a indicação ao Oscar e não teria sido injusta sua vitória. Ele está tão bem que consegue ofuscar até mesmo ao ótimo Edward Norton, que não tem muito o que fazer como Isaacman a não ser pontuar com correção o show do colega de cena. Em compensação, não dá para acreditar em todos os prêmios arrebatados por Courtney Love. A roqueira - viúva de Kurt Cobain e então líder da banda Hole - recebeu elogios rasgados da crítica e chegou a vencer disputas importantes, como dos críticos de Nova York e Boston por sua atuação como Althea, a esposa e musa de Flynt, que morreu de AIDS depois de ter se viciado em morfina. Péssima e sem nenhum carisma, Love tem a seu favor apenas o visual bagaceiro que combina com a personagem, mas está longe de ser uma atriz de respeito. Não é exagero afirmar que seu trabalho é o único ponto fraco do filme...

As discussões suscitadas por "O povo contra Larry Flynt" são legítimas e relevantes, o que faz do filme de Milos Forman politicamente indispensável. Mas, acima de tudo, seu trabalho é cinema da mais alta qualidade. Forman está nitidamente à vontade contando a trajetória de Flynt, ecoando a busca de liberdade de seu mais famoso protagonista - o falso desequilibrado mental vivido por Jack Nicholson em "Um estranho no ninho". Fascinado por personagens que fogem do convencional, Forman mais uma vez brinda seu público com uma obra cuja importância ressonará por muito tempo. Cinema e política andando juntos sem panfletarismo barato! Genial!

5 comentários:

renatocinema disse...

Infelizmente, ainda não tive tempo de assistir essa obra.

Mas, o comentário sobre a atuação de Woody Harrelson ofuscar o ótimo Edward Norton me obrigam a colocar na minha locadora esse filme como uma das prioridades.

Sempre escuto elogios ao filme chegou a hora de assistir.....Passou da hora.

Thomás R. Boeira disse...

Preciso assistir esse filme!
Está na lista de filmes que vou assistir em 2011.

Abraço,
Thomás
http://www.brazilianmovieguy.blogspot.com/

A Sapatólatra disse...

Esse filme é demais, já vi várias vezes, recomendo...

Silvano Vianna disse...

Muuuito bom.

Adoro o Woody Harrelson e em nesse filme ele manda bem d+. Um dos melhores se não o melhor personagem que ele pegou no cinema.
Vale conferir sim.

Denize Gomes disse...

Este filme é um dos que eu mais amei até hoje...é lindo.Acho que ele só perde para Amor além da vida com Robin Willians.

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