segunda-feira

ADVOGADO DO DIABO

ADVOGADO DO DIABO (Devil's advocate, 1997, Warner Bros/Regency Enterprises, 144min) Direção: Taylor Hackford. Roteiro: Jonathan Lemkin, Tony Gilroy, romance de Andrew Neiderman. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem: Mark Warner. Música: James Newton Howard. Figurino: Judianna Makovsky. Direção de arte/cenários: Bruno Rubeo/Roberta Holinko. Produção executiva: Barry Bernardi, Taylor Hackford, Erwin Stoff, Michael Tadross, Steve White. Produção: Anne Kopelson, Arnold Kopelson, Arnon Milchan. Elenco: Al Pacino, Keanu Reeves, Charlize Theron, Judith Ivey, Jeffrey Jones, Delroy Lindo, Connie Nielsen, Craig T. Nelson, Heather Matarazzo. Estreia: 17/10/97

Representantes de uma das classes mais respeitadas e paradoxalmente mais detestadas dos EUA, os advogados são personagens recorrentes no cinema, normalmente como exemplos de idealismo (ao menos quando retratados pelo escritor John Grisham, ele próprio formado em Direito). O lado escuso dos representantes da lei (normalmente relegados aos vilões) é o ponto de partida de "Advogado do diabo", um aterrador suspense baseado em um livro de Andrew Neiderman. No filme, dirigido por Taylor Hackford, não há heróis de caráter impoluto e sentimentos nobres. O bem é representado por um jovem advogado ambicioso vivido por Keanu Reeves e o mal... bem, o mal é representado por Satanás em pessoa, na pele de um poderoso e implacável Al Pacino.

Em desenvolvimento desde 1994, quando seria dirigido por Joel Schumacher e estrelado por Brad Pitt, "Advogado do diabo" encontrou em Taylor Hackford o diretor ideal. Discreto e elegante, ele orquestrou uma sinfonia de horrores com a delicadeza de um ourives, ainda que suas cenas (e principalmente o que acontece em consequência delas) tenham um efeito devastador sobre suas personagens. Ao fugir do óbvio (leia-se efeitos visuais exagerados e maquiagem nauseante), Hackford ganha em credibilidade e principalmente seriedade. Nadando contra a maré - que assustava a audiência sem o menor traço de sutileza - ele prefere tirar o sono do espectador colocando em sua mente questões muito mais intensas. Em um tempo onde a fama, o poder e o dinheiro são as pedras fundamentais da sociedade, até onde se pode ir em busca de atingir a tão sonhada "felicidade"? E essa busca desenfreada pelo sucesso justifica a perda daquilo que faz de todos nós seres humanos, ou seja, a alma??


O jovem Kevin Lomax (Keanu Reeves) é um ambicioso advogado que vive em uma pequena cidade do interior dos EUA. Seu talento em ganhar até mesmo os casos considerados perdidos chama a atenção de uma poderosa firma de advocacia de Nova York, comandada pelo misterioso John Milton (Al Pacino). Seduzido por todo um mundo novo de sofisticação, dinheiro, poder e luxo, ele junta-se ao conglomerado de Milton, com braços por todo o planeta. Enquanto se dedica cada vez mais a casos bastante polêmicos e complicados - incluindo um homícido cujo cliente é claramente culpado - Kevin passa a negligenciar seu relacionamento com a bela esposa, Mary Ann (Charlize Theron), que, obcecada em dar um filho ao marido, mergulha gradativamente em um grave desequilíbrio psicológico.

A quase literal descida de Kevin ao inferno - fazendo de sua esposa a maior vítima de sua ambição desmedida - é narrada com elegância por Taylor Hackford, que opta por construir uma tensão quase palpável em detrimento de um festival de violência. A forma com que ele empurra seu protagonista em direção ao lado mais negro de sua alma é sutil, marcada por sustos esparsos mas consistentes (nada de gatos pulando do vazio, por exemplo) e um visual deslumbrante. A fotografia de Andrzej Bartkowiak foge do lugar-comum ao mostrar uma Nova York luminosa e nunca sombria e opressiva como se espera em um filme do gênero. Nem mesmo a música de James Newton Howard é explicitamente agressiva, sendo percebida em toda sua opulência somente no clímax, quando as origens de Kevin finalmente são explicadas e o filme apresenta uma reviravolta de telenovela que quase enfraquece seu resultado final.

O pacto mefistofélico entre Kevin e John Milton - batizado em homenagem ao autor de Paraíso Perdido - é tratado de maneira adulta pelo roteiro, que não se furta a criticar nem a falta de ética dos advogados nem a imprensa marrom. Felizmente é tudo muito sutil, realizado com bom-gosto e principalmente com o cuidado de não ofender a inteligência da plateia. Até mesmo quando recorre ao grotesco Hackford o faz de forma a não parecer a seus congêneres menos bem-sucedidos. Tudo em "Advogado do diabo" é visualmente apurado e isso faz toda a diferença (é de encher os olhos, por exemplo, a sequência em que Milton se revela a Kevin, onde uma escultura na parede do escritório se movimenta delicadamente). O único senão do filme, no entanto, é crucial e, se não estraga tudo, ao menos enfraquece o que poderia ser ainda melhor. Seu nome: Keanu Reeves.

É de se imaginar como "Advogado do diabo" poderia ter ficado caso Edward Norton (testado para o papel) ou Brad Pitt (escolha inicial dos produtores) fossem os protagonistas. A interpretação de Reeves é de uma fragilidade que incomoda, em especial quando comparada com as de seus colegas. Se Al Pacino dispensa comentários com uma composição acertada de John Milton (assim batizado em homenagem ao autor de "Paraíso perdido"), é a quase estreante Charlize Theron quem rouba toda a atenção do espectador. Belíssima, ela não se permite confiar apenas no sorriso e no corpo e entrega uma atuação visceral, que explode em uma sensacional cena dentro de uma igreja (onde fica completamente nua mas sem nenhum viés erótico). A delicadeza com que explora o desequilíbrio de sua Mary Ann demonstra que a sul-africana já dava sinais claros de seu grande talento, que seria recompensado em poucos anos com um Oscar pelo filme "Monster, desejo assassino".

"Advogado do diabo" é um filme de suspense feito para adultos e como tal merece ser admirado. Não pretende assustar a plateia com artifícios banais, mas sim com ideias (o que é muito mais apavorante). E é pouco provável que o espectador não se sinta satisfeito quando surgem os créditos finais ao som de "Paint in black", dos Rolling Stones. Um filme de suspense que faz pensar. Raridade!

8 comentários:

renatocinema disse...

Acho um bom filme. Mas, ainda prefiro Coração Satânico, que possui a mesma linhagem.

Porém, belo roteiro e bela opção.

! Marcelo Cândido ! disse...

Demorei a ver e gostei bastante!

Hugo disse...

Assim como citou o Renato, tb considero "Coração Satânico" de Alan Parker superior.

Este "Advogado do Diabo" pode ser visto até como uma metáfora da ambição desmedida, quando o sujeito deixa seus princípios de lado para enriquecer.

É um bom filme e tem Pacino.

Abraço

K disse...

Muito bom filme.....

Anônimo disse...

Grande filme, um dos poucos em que o inexpressivo Keanu Reeves se sai bem como ator.

http://filme-do-dia.blogspot.com/

Cristiano Contreiras disse...

Sou um dos poucos que considera este uma obra-prima. Além disso, acho Keanu Reeves aqui bom, na medida certa e não se deixa apagar pela presença luminosa de Pacino, ao lado da inspirada Theron que desde aqui já merecia uma indicação ao Oscar.

Acho um belo filme, todo carregado de simbolismo e subjetividades.

abs!

Thomás R. Boeira disse...

Bom filme.
Al Pacino espetacular e Keanu Reeves em uma das suas melhores atuações.

Abraço,
Thomás
http://www.brazilianmovieguy.blogspot.com/

Anônimo disse...

Vaidade com certeza o meu Pecado predileto ass Mauricio Dalle Zotte Freire

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