segunda-feira

VIDAS EM JOGO

VIDAS EM JOGO (The game, 1997, Polygram Filmed Entertainment, 129min) Direção: David Fincher. Roteiro: John Brancato, Michael Ferris. Fotografia: Harris Savides. Montagem: James Haygood. Música: Howard Shore. Figurino: Michael Kaplan. Direção de arte/cenários: Jeffrey Beecroft/Jackie Carr. Produção executiva: Jonathan Mostow. Produção: Ceán Chaffin, Steve Golin. Elenco: Michael Douglas, Sean Penn, Deborah Kara Unger, James Rebhorn, Peter Donat, Carroll Baker, Armin Mueller-Stahl. Estreia: 12/9/97

Cheio de moral depois do merecido sucesso de "Seven", o cineasta David Fincher poderia ficar em casa guardado por Deus contando vil metal e manter-se no caminho mais fácil para o êxito, se repetindo exaustivamente - e ao público, por conseguinte. Demonstrando que tem mais personalidade e inteligência do que seus colegas de ofício, porém, o criador de videoclipes antológicos, como "Vogue", de Madonna e "Freedom '90", de George Michael, escolheu como seu projeto seguinte um roteiro intrigante mas absolutamente fora dos padrões comerciais. "Vidas em jogo" transtornou tanto a crítica e o público americano que só foi chegar no Brasil um ano e meio depois de sua estreia nos EUA, e mesmo assim passou quase em brancas nuvens apesar dos nomes de Michael Douglas e Sean Penn enfeitando o cartaz. Quando se assiste ao filme, no entanto, fica claro o porquê de tanta frieza. "Vidas em jogo" é, mais do que um filme de suspense feito para render fortunas, um exercício de estilo e uma voraz crítica ao conformismo material - mesmo objeto de fúria do projeto seguinte de Fincher, o inacreditável "Clube da luta" (não por acaso, outro fracasso de bilheteria).

Em "Vidas em jogo" Michael Douglas interpreta Nicholas Van Orton, um multimilionário cujo sucesso financeiro não se reflete em suas relações pessoais. Separado da esposa, ele vive sozinho na mansão de sua família, na companhia apenas da governanta Ilsa (a ex-sex symbol Carroll Baker), que trabalha para ele desde sua infância. No dia em que completa 48 anos - idade em que seu pai cometeu suicídio jogando-se do telhado da casa - Nicholas recebe um presente inesperado de Conrad (Sean Penn), seu rebelde irmão caçula: o convite para ingressar em um misterioso jogo cujas regras não são exatamente claras. A partir do momento em que Nicholas se inscreve na tal empresa que criou o jogo, sua vida tediosa transforma-se imediatamente em um turbilhão de acidentes bizarros, coincidências estranhas e, pior do que tudo, uma insistência em lembrar-lhe da morte do pai. A única pessoa que o ajuda é a garçonete Christine (Deborah Kara Unger), mas nem mesmo ela parece assim tão confiável.


O roteiro de John Brancato e Michael Ferris é o tipo de roteiro que Hollywood raramente apresenta, principalmente porque se recusa a seguir os padrões pré-estabelecidos. Mesmo que o final do filme descambe para um certo moralismo - o que talvez frustre os mais radicais - seu desenvolvimento é exemplar. O público é arrastado, assim como o protagonista, a um mundo absolutamente imprevisível, onde é virtualmente impossível adivinhar o que vem pela frente. Conforme Nicholas Van Orton vai sendo surpreendido pelos desdobramentos absurdos do jogo proposto, a audiência vai sendo envolvida por uma trama em que nada é o que parece ser. É proposital a falta de informações que Fincher apresenta ao público, assim como é essencial ir revelando tudo aos poucos. E é claro, Fincher cercou-se de colaboradores que entenderam perfeitamente bem suas intenções estéticas.

Harris Savides providenciou a fotografia amarelada, claustrofóbica e em tom de pesadelo. O editor Hames Haygood não apressa o ritmo da história, acentuando a opressão sobre o protagonista. A trilha sonora de Howard Shore é forte, mas nunca chama a atenção para si, apenas pontuando com precisão os momentos mais tensos da narrativa. E o elenco, certamente, é o que faz com que o conto onírico proposto pelo cineasta convença o p´blico. Michael Douglas, que tem o dom de escolher bem seus projetos tem em sua atuação como Nicholas Van Orton mais um ponto alto de sua carreira. O veterano ator transmite todas as nuances de sua personagem com sua característica segurança e sua credibilidade junto à plateia é fundamental para que a história jamais escorregue para o absurdo. E Sean Penn - ficando com um papel que seria de Jodie Foster, que brigou com os produtores antes do início das filmagens - acumula mais um coadjuvante sensacional à sua galeria de tipos marginais, ainda que desta vez revestido de uma certa elegância.

Logicamente "Vidas em jogo" não pode ser recomendado à qualquer plateia, uma vez que foge dos padrões do gênero, desde sua ideia central até o final que, apesar de feliz, é bastante irônico. Mas, apesar de ser um filme considerado menor na carreira de David Fincher, merece ser louvado por sua inteligência, pelo clima sombrio e pela técnica impecável.

4 comentários:

renatocinema disse...

Filmaço..........Obra-prima.

O Neto do Herculano disse...

Irrita-me quando o locutor grita "GOLAÇO" pra qualquer bola que encontra a rede, também me irrita quando saem carimbando "OBRA PRIMA" em tudo que pareça, pareça, diferente. David Fincher é um bom diretor, mas este filme está longe dos seus melhores momentos.

Cristiano Contreiras disse...

E irrita-me pessoas que NÃO respeitam a opinião do outro.

Pra mim também é um filmaço este, obra-prima mesmo e, talvez, o melhor trabalho de Fincher!

renatocinema disse...

Humildemente, discordo do meu colega acima.

Acho Fincher um ótimo diretor, acima da grande média. E acho que esse esta produção entre os seus melhores filmes junto com Clube da Luta e Seven.

Mas, opinião pessoal.

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