sexta-feira

TEMPESTADE DE GELO

TEMPESTADE DE GELO (The ice storm, 1997, Fox Searchlights Pictures, 112min) Direção: Ang Lee. Roteiro: James Schamus, romance de Rick Moody. Fotografia: Frederick Elmes. Montagem: Tim Squyres. Música: Mychael Danna. Figurino: Carol Oditz. Direção de arte/cenários: Mark Friedberg/Stephanie Carroll. Produção: Ted Hope, Ang Lee, James Schamus. Elenco: Kevin Kline, Joan Allen, Sigourney Weaver, Tobey Maguire, Christina Ricci, Elijah Wood, Adam Hann-Byrd, Jamey Sheridan, Henry Czerny, Allison Janey, Katie Holmes. Estreia: 27/9/97

Vencedor de Melhor Roteiro no Festival de Cannes

Em 1995, o taiwanês Ang Lee surpreendeu a crítica ao fazer de "Razão e sensibilidade" a melhor adaptação para o cinema de um livro da escritora absolutamente inglesa Jane Austen. Em "Tempestade de gelo", seu projeto seguinte, ele continua a missão de penetrar em culturas diferentes da sua: é difícil acreditar em um filme tão tipicamente americano quanto sua brilhante visão do romance de Rick Moody. Mergulhando sem medo no âmago de duas famílias do interior do país em plena efervescência cultural e sexual dos anos 70, Lee entrega ao público um estudo delicado e cortante sobre as relações familiares. É triste e melancólico, mas é também mais uma obra-prima com sua assinatura.

É véspera do dia de Ação de Graças de 1973. O escândalo Watergate está no auge e os costumes sexuais e comportamentais estão em ebulição, mesmo em uma pequena cidade do interior de Connecticut chama Nova Canaan. É para lá que Paul Hood (Tobey Maguire) está retornando, para passar o feriado com a família. Seus pais, Ben (Kevin Kline) e Elena (Joan Allen) estão passando por uma crise no casamento, agravada pelo tédio e pelo caso secreto dele com Janey Carver (Sigourney Weaver), uma amiga do casal. A irmã de Paul, Wendy (Christina Ricci), por sua vez, experimenta o início de sua sexualidade brincando com os dois filhos de Janey, o tímido Mikey (Elijah Wood) e o desajeitado Sandy (Adam Hann-Byrd). Apesar da proximidade física, porém, existe um enorme distanciamento emocional entre todos eles.

A frieza nas relações interpessoais que Rick Moody criou em seu livro - e que foi retratada com perfeição pelo roteiro de James Schamus - encontra na inteligência e na sutileza de Ang Lee seu diretor ideal. Pródigo em dar tintas leves e discretas a dramas particulares, Lee conta a história das famílias Hood e Carver sem pressa, dando atenção a pequenos detalhes, como olhares tristes, suspiros disfarçados e atos desesperados. Os silêncios entre Elena e Ben dizem muito mais sobre os escombros de seu casamento do que as escapadas sexuais que ele dá com Jayne, uma mulher insatisfeita com a própria vida e que vê no seu caso extra-conjugal uma forma de escapar da monotonia. Jayne mal presta atenção nos filhos, que por sua vez não são capazes nem ao menos de perceber que seu pai saiu em viagem. Wendy é uma jovem um tanto desajustada, com forte visão política mas que é incapaz de lidar saudavelmente com seus instintos. E Paul, como alguém à parte de seu núcleo familiar, busca seu lugar no mundo sem sequer desconfiar do caos que reina em sua casa.



O gelo é uma imagem recorrente no filme de Lee. Volta e meia cubos de gelo invadem a tela, seja nas cozinhas suburbanas das personagens, no formato da casa de Jayne e principalmente na tempestade que dá nome ao filme e que origina uma tragédia que transforma definitivamente a vida de todos. A falta de calor humano entre maridos e mulheres e entre pais e filhos é o ponto central de "Tempestade de gelo", mas sua maior qualidade é justamente evitar cenas lacrimosas ou diálogos clichês. Como já dito, os silêncios na mesa dos Hood ou no relacionamento entre os Carver são mais eloquentes do que catarses emocionais repletas de choro e gritos. E é brilhante, dentro desse universo de coisas não ditas, a cena em que Ben carrega a filha Wendy nos braços, depois de flagrá-la em uma situação comprometedora com Mikey. Mesmo sem muitas falas, Kevin Kline e Christina Ricci transmitem toda a vastidão de sentimentos que a cena exige. Emocionar-se é mandatório!

Aliás, o elenco de "Tempestade de gelo" é dos melhores que Hollywood pode oferecer. Kevin Kline e Joan Allen estão fabulosos como um casal cuja falta de emoção os empurra em direção ao afastamento gradual. Sigourney Weaver, linda e sexy, tem sua melhor atuação como uma enfastiada esposa de classe média que busca em aventuras sexuais um motivo para passar seus dias iguais. E Christina Ricci demonstra que seu talento não ficou restrito às comédias que fez na infância, construindo uma Wendy que lida com sua sexualidade nascente de forma quieta mas agressiva. Somadas à fotografia - também gélida, de Frederick Elmes - e à trilha sonora poderosa de Mychael Danna, as interpretações do elenco elevam "Tempestade de gelo" a um patamar muito acima do corriqueiro. É um filme americano, que atinge a essência das famílias americanas e dos problemas americanos... mas tem cara e qualidade de cinema europeu. Simplesmente ignorado pelo Oscar e outras premiações menos conhecidas, é um filme extraordinariamente forte e emocionante, que merece ser descoberto e louvado.

2 comentários:

Hugo disse...

Um drama diferente e gelado assim como a temperatura do local onde se passa a história, mas vale a uma conferida.

Abraço

Aline disse...

PRECISO URGENTEMENTE VER - SE EM APENAS UM CASO EU NÃO CONCORDEI 100% COM A SUA OPNIÃO - PORQUE EU AINDA NÃO VI ESSE FILME??

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