sexta-feira

A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA

A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA (American History X, 1998, New Line Cinema, 119min) Direção: Tony Kaye. Roteiro: David McKenna. Fotografia: Tony Kaye. Montagem: Jerry Greenberg, Alan Heim. Música: Anne Dudley. Figurino: Doug Hall. Direção de arte/cenários: Jon Gary Steele/Tessa Posnansky. Produção executiva: Bill Carraro, Keari Peak, Steve Tisch, Lawrence Turman. Produção: John Morrissey. Elenco: Edward Norton, Edward Furlong, Beverly D'Angelo, Elliot Gould, Fairuza Balk, Avery Brooks, Ethan Suplee, Stacy Keach, Guy Torry. Estreia: 30/10/98

Indicado ao Oscar de Melhor Ator (Edward Norton)

Os verdadeiros fãs de cinema - aqueles que realmente gostam de bons filmes, histórias bem contadas e atuações poderosas - ainda devem ter a esperança de que um dia a Academia venha à público revelar que sua cerimônia de entrega do Oscar de 1999 não passou de uma grande brincadeira de mau-gosto. Afinal de contas, não é possível que no mesmo ano em que Gwyneth Paltrow tenha levado seu prêmio de melhor atriz (batendo as superiores Cate Blanchett, Fernanda Montenegro, Meryl Streep e Emily Watson) a estatueta de melhor ator tenha ficado com Roberto Benigni, a versão italiana de Renato Aragão. Não só Benigni é constrangedor (como comprovou sua exagerada e patética reação ao anúncio de seu nome) como sua vitória deixou de lado duas interpretações masculinas extraordinárias da disputa: Ian McKellen como o cineasta Frank Whaley de "Deuses e monstros" e Edward Norton por seu assombroso Derek Vinyard de "A outra história americana", um dos filmes mais chocantes e socialmente relevantes do ano.

Talvez tenha sido exatamente essa característica polêmica que tenha deixado "A outra história americana" no limbo onde se encontram os pequenos grandes filmes que são quase ignorados por um público que prefere passar os finais de semana lotando salas para assistir a coisas como "A múmia". Forte e impactante, o filme de Tony Kaye - que praticamente recusou-se a assinar o filme depois de uma rusga bastante grave com o ator central - é, acima de tudo, um entretenimento que faz pensar e levanta discussões que vão muito mais além do que o tradicional bate-papo em mesas de bares. É pouco provável que seus espectadores consigam esquecer facilmente tudo que o filme transmite, seja através de cenas de grande impacto visual, seja por diálogos que - surpreendentemente em se tratando de um trabalho de cunho tão social - tocam em feridas e pensamentos que muita gente prefere esconder atrás de piadas ou apatia.


Derek Vinyard, o protagonista, vivido impecavelmente por um Edward Norton repleto de nuances, é uma das personagens mais complexas que o cinema americano criou em muito tempo. Apesar de vituperar impropérios e destilar discriminação durante praticamente toda a projeção, Derek tem sua própria verdade, cultivada por anos de exposição às ideias racistas do pai e pelas tragédias da vida. Ainda que seja desagradável testemunhar alguns absurdos que ele comete, é inegável que, em sua mente distorcida, tudo faz sentido. E é preciso aplaudir de pé os diálogos brilhantes de David McKenna, que questiona os preconceitos mesmo de uma plateia politicamente correta - é exemplar a cena em que Derek desafia o namorado judeu de sua mãe em pleno jantar, utilizando o caso de Rodney King (um homem negro espancado pela polícia em um epísódio infame acontecido nos EUA) como base para suas teorias racistas. Mesmo que seja assustador, seu pensamento faz um sentido amedrontador.

A trama de "A outra história americana" é forte por si mesma. Depois de anos preso pelo assassinato de dois jovens negros que tentavam arrombar seu carro (em uma cena impressionante), o jovem Derek Vinyard é solto e volta para o lar de sua família. Seu retorno acontece justamente no momento em que seu irmão menor, Daniel (Edward Furlong, bastante eficiente) está seguindo seus passos, tornando-se parte de um grupo cada vez maior de skinheads, liderado por Cameron Alexander (Stacy Keach). Apavorado com a ideia de que o rapaz se transforme em um homem dominado por ódios irracionais, ele chega à conclusão que precisa revelar a ele tudo porque passou em seu tempo na prisão. A seu lado, está o inspetor de sua antiga escola, o professor Bob Sweeney (Avery Brooks) e sua mãe, Doris (Beverly D'Angelo, provando que consegue ir bem mais além do que em seu papel como a mulher de Chevy Chase na série "Férias frustradas").

Segundo fofocas de bastidores, o diretor Tony Kaye praticamente abandonou o filme em sua fase de edição, contrariado com as intervenções de Norton - descrito por ele como "babaca egocêntrico". Seja verdade ou não, é fato consumado que o ator é o destaque absoluto de "A outra história americana", entregando a ele uma interpretação poucas vezes vista no cinema. Norton consegue viver três Dereks diferentes - o adolescente ainda ingênuo em busca de influências, o skinhead raivoso e o ex-presidiário arrasado com sua experiência - com a desenvoltura dos grandes atores. É ele quem comanda o baile de dor e desespero que atinge o público como um soco no estômago. E é seu rosto transfigurado (de ódio e de pânico) que ficará na mente do espectador por um bom tempo.

11 comentários:

renatocinema disse...

Adorei o clima pesado e tenso do filme. Roteiro forte com grande atuação de Norton.

Não levo o Oscar a sério, pelos motivos que você deu de exemplo, afinal, Rocky venceu Táxi Driver, uma heresia imperdoável e injustificável.

A fotografia, que mescla cores e imagens preto e branca, em minha visão são outro ótimo destaque de A Outra História Americana.

Não sei quem tem razão na briga entre diretor e ator. Porém, é inegável que Edward Norton é o destaque central do filme. E ele fez isso muito bem, como poucas vezes vi.

Hugo disse...

As disputas nos bastidores do filme foram tão fortes como a história em si.

O diretor Tony Kaye praticamente sumiu do cinema após este trabalho.

A interpretação de Norton é fantástica em uma história polêmica e infelizmente próxima da realidade.

Abraço

Alan Raspante disse...

Edward Norton está absolutamente incrível neste filme. Sua atuação é avassaladora. Com certeza, ele merecia ganhar aquele Oscar!

Abs.

cleber eldridge disse...

Quero saber porque ainda não assisti esse filme ;s

Thomás R. Boeira disse...

Um filme espetacular assim como a atuação de Edward Norton.

Não sei como a Academia pôde ignorar esse filme (foi indicado só pra Melhor Ator).

Abraço,
Thomás
http://www.brazilianmovieguy.blogspot.com/

ANTONIO NAHUD disse...

Bacana o seu blog.
Abraços.

O Falcão Maltês

Unknown disse...

Esse filme é realmente ótimo!

Parabéns pelo projeto.

Cristiano Contreiras disse...

Absurdo Norton ter perdido o Oscar para o ridículo Roberto Benigni!

abraço, belo texto!

midiam disse...

o filme foi legal.teria sim todo potencial de levar não só pelo filme mais também os atores. derek e daniel... parabéns

Aline disse...

De todos os 3 comentários de filmes que li aqui hoje, concordo plenamente com os 3.
Este filme é absolutamente fantástico - gostaria muito de poder passa-lo para meus alunos, mas sou professora de ensino fundamental e a classificação etária não permite.
Enfim, pelo menos em termos de filme, nossos gostos são muito parecidos, prazer em conhece-lo, vou acompanhar seu blog com masi frequência.

[ZMTV] Gustavo Padilha disse...

Escrevi um artigo sobre o filme contando o grande problema ideológico de "controle de mentes" que ainda existe hoje. Indico aqui: http://lounge.obviousmag.org/fabulas_do_mundo_esquecido/2014/07/os-dois-lados-racistas-de-a-outra-historia-americana.html

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