sexta-feira

CIDADE DE DEUS

CIDADE DE DEUS (Brasil, 2002, 130min) Direção: Fernando Meireles. Roteiro: Braulio Mantovani, romance de Paulo Lins. Fotografia: Cesar Charlone. Montagem: Daniel Rezende. Música: Antonio Pinto, Ed Cortes. Figurino: Bia Salgado, Inês Salgado. Direção de arte/cenários: Tulé Peak. Produção executiva: Ronald K. Ranvaud, Walter Salles. Produção: Andrea Barata Ribeiro, Mauricio Andrade Ramos. Elenco: Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino da Hora, Jonathan Haagensen, Alice Braga, Matheus Nachtergaele, Seu Jorge, Graziela Moretto, Phellipe Haagensen, Daniel Zetel, Roberta Rodrigues, Gero Camilo. Estreia: 30/8/02

4 indicações ao Oscar: Diretor (Fernando Meirelles), Roteiro Adaptado, Fotografia, Montagem

Quatro indicações ao Oscar (incluindo Melhor Diretor e Roteiro Adaptado).BAFTA de melhor edição. Indicação ao Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro.Prêmio de Melhor Filme Estrangeiro para as Associações de Críticos de Toronto, Vancouver e Chicago. Eleito, em 2009 pelo site de cinema IMDB (um dos mais famosos e influentes) como um dos mais importantes da década (ficando em terceiro lugar, atrás apenas dos espetáculos hollywoodianos "Batman, o cavaleiro das trevas" e "O Senhor dos Anéis, o retorno do rei", ambos realizados com centenas de milhares de dólares). E uma influência absurda em todo e qualquer filme brasileiro com um mínimo de ação e crítica social que veio posteriormente. Tem alguém que ainda duvida das qualidades de "Cidade de Deus"?

Dirigido por Fernando Meirelles - oriundo da publicidade e que tinha apenas outro longa no currículo, o divertido "Domésticas, o filme" - "Cidade de Deus" mudou a cara e a auto-estima do cinema brasileiro, não apenas por sua vasta aceitação mundial mas principalmente porque mostrou à audiência nacional que um filme feito aqui, com atores daqui (e não necessariamente estrelas televisivas) e que mostrasse a realidade social triste e violenta que nos cerca não só pode ser importante mas também pode ser empolgante em todos os sentidos. "Cidade de Deus" pode ser visto como um estudo sociológico (sem as partes chatas) mas é, acima de qualquer obrigação de cunho social, cinema da mais alta qualidade, realizado com a melhor técnica que se pode esperar e, melhor ainda, com uma verdade que dificilmente passa batida.



Cru, violento, realista e por incrível que pareça com momentos de genuíno bom-humor, "Cidade de Deus" é o filme que todo cineasta que se preza sonha em assinar. Influenciada nitidamente por trabalhos antológicos como "Z", do grego Costa-Gavras e "JFK", de Oliver Stone (em especial graças à sua montagem ágil e inteligente), a versão para as telas do extenso livro de Paulo Lins passou de um aparente pesadelo logístico (desde condensar todas as várias histórias do livro em um roteiro coeso até filmar na própria favela onde se passa a trama) a uma obra-prima sem precendentes na história da sétima arte no Brasil. Tecnicamente impecável - deixando de lado o quase amadorismo que por muitos anos caracterizou a produção brazuca - "Cidade de Deus" deixou meio mundo de queixo caído com sua edição estonteante (no bom sentido), sua fotografia sutil (que se molda discretamente às cenas e divide com clareza as épocas distintas em que se passa a história) e sua trilha sonora inspirada (em que músicas originais se mesclam com clássicos como "Preciso me encontrar", de Candeia). Mas, à parte o capricho visual e técnico e o roteiro brilhante de Bráulio Mantovani, foi o elenco selecionado por Meirelles e sua co-diretora Katia Lund que fez ainda mais barilho.

Quando "Cidade de Deus" começou a ser filmado não havia, dentre seus atores, nenhum astro de potencial comercial. Matheus Nachtergaele - que vive o traficante Cenoura - ainda não havia estourado no Brasil com sua genial atuação em "O auto da Compadecida", de Guel Arraes e todo os demais atores foram escolhidos a dedo por Meirelles e Lund na própria favela. O resultado é estarrecedor: poucas vezes se viu, no cinema, algo tão fascinante quanto a força que os jovens atores não-profissionais imprimem a suas personagens, complexas e dolorosamente reais. Quando Leandro Firmino da Hora entra em cena com seu assustador Zé Pequeno o que a audiência testemunha não é apenas o surgimento de um grande ator, e sim o nascimento de uma personagem antológica, em uma sequência digna de figurar em qualquer lista de fãs de cinema. Quando Douglas Silva interpreta o pequeno - mas cruel - Dadinho, é a dura realidade maquiada pelos telejornais que vemos cara a cara. E assim por diante, em uma sucessão de belas cenas vividas com garra e dedicação por nomes tão díspares quanto o cantor Seu Jorge e os irmãos Jonathan e Phellipe Haagensen e conduzidas com uma segurança invejável por um cineasta que em seguida teria seu talento reconhecido da forma mais óbvia: uma carreira internacional com filmes de extrema qualidade, como "O jardineiro fiel" e "Ensaio sobre a cegueira".

"Cidade de Deus" é um marco no cinema internacional, tanto por sua coragem em tratar de temas espinhosos como a violência e a desigualdade social - discussão que culminou no mega-sucesso "Tropa de elite 2" - quanto por sua extraordinária qualidade técnica e artística. Sua câmera trepidante, sua veracidade, sua crueldade neutra e sua crítica social que jamais se torna panfletária - o roteiro quer apenas contar uma história e não mudar o mundo - viraram referência absoluta. E se até os acadêmicos e quadrados eleitores do Oscar chegaram perto de se curvar definitivamente a ele, como recusar a glória a Fernando Meirelles e seu vencedor time? Se "Central do Brasil" é o filme que nos faz chorar, "Cidade de Deus" é que nos choca. Finalmente podemos ter orgulho do nosso cinema.

Um comentário:

Hugo disse...

Considero "Cidade de Deus" o melhor filme da história do cinema brasileiro.

Temos outros grandes filmes como os dois "Tropa de Elite" e o clássico "Assalto ao Trem Pagador", mas ficam abaixo da qualidade técnica de "Cidade de Deus".

abraço

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