segunda-feira

FALE COM ELA

FALE COM ELA (Hable con ella, 2002, Espanha, 112min) Direção e roteiro: Pedro Almodóvar. Fotografia: Javier Aguirresarobe. Montagem: José Salcedo. Música: Alfredo Iglesias. Figurino: Sonia Grande. Direção de arte/cenários: Antxon Gomez/Federico Garcia Cambero. Produção executiva: Agustin Almodóvar. Elenco: Javier Câmara, Dario Grandinetti, Leonor Watling, Rosario Flores, Geraldine Chaplin, Lola Dueñas. Estreia: 15/3/02

2 indicações ao Oscar: Diretor (Pedro Almodóvar), Roteiro Original
Vencedor do Oscar de Roteiro Original
Vencedor do Golden Globe de Melhor Filme Estrangeiro 

No universo do cineasta espanhol Pedro Almodovar - como bem sabem seus inúmeros fãs - nada é preto no branco. Não existem mocinhos e bandidos e nem atos corretos ou errados (ao menos dentro da concepção tradicional do termo). Na obra de Almodovar nada é exatamente o que parece à primeira vista e, dentro de seu mundo particular (onde circulam com desenvoltura personagens da mais alta complexidade) um enfermeiro com características aparentes de homossexualidade é capaz de um ato tresloucado e machista, ainda que revestido de um romantismo distorcido. Nos filmes de Almodovar nenhum amor é normal. Quando alguém se apaixona dentro de um roteiro seu ou rapta a mulher amada (como em "Atame!") ou a estupra, como acontece em "Fale com ela", uma de suas obras-primas, merecidamente premiada com o Oscar de roteiro original.

Surpreendentemente deixada de lado pela Academia em sua lista dos indicados a Melhor Filme Estrangeiro - apesar de ter levado o Golden Globe da categoria - "Fale com ela" de certa forma compensou a esnobada concorrendo em duas categorias nobres e levando a importante estatueta de roteiro (batendo nomes fortes como o belo "Longe do paraíso" e o favorito "Gangues de Nova York"). Na verdade, dar o prêmio a qualquer outro candidato seria impensável: se em seu filme anterior, o incensado "Tudo sobre minha mãe" (que por sua vez levou o Oscar de filme estrangeiro) Almodovar já brindava o espectador com seu estilo próprio de fazer cinema misturando imagens poderosas com tramas e personagens fortes, em "Fale com ela" ele chega a um nível de sofisticação narrativa ainda maior. Ao contrário de muitos filmes cuja trama pobre pode ser resumida em uma única frase, o 14º longa do diretor nascido em uma pequena cidade do interior da Espanha em 1949 é uma prova inconteste de que a imaginação e a poesia ainda são os maiores aliados de um roteirista.



"Fale com ela" conta, na verdade, duas histórias de amor que se transformam em uma bela história de amizade. Depois de ter criado, em "Tudo sobre minha mãe", meia dúzia de personagens femininas de se tirar o chapéu, agora Almodovar presenteia o público com duas personagens masculinas intensas, imprevisíveis e melhor ainda, críveis e humanas. Benigno Martin (o ótimo Javier Câmara) é um enfermeiro dedicado que passa seus dias cuidando de Alicia (Leonor Watling), que entrou em coma depois de ser atropelada em um dia de chuva. Apaixonado pela jovem desde os tempos em que a observava de sua janela enquanto ela fazia aulas de balé na academia em frente à sua casa, Benigno de certa forma aproveita a chance de manter-se perto dela mesmo sabendo da possibilidade de sua inconsciência ser permanente. Sua rotina - para ele doce, ainda que rotina - é alterada quando ele conhece Marco Zuluaga (Dario Grandinetti), um jornalista que chega ao hospital acompanhando a namorada, Lydia Gonzalez (Rosário Flores), uma famosa toureira atingida em plena arena. Solitário, logo Benigno torna-se o confidente de Marco, um homem fechado e profundo a quem ele tenta convencer a manter conversas com a namorada inconsciente.

Como normalmente acontece na obra de Pedro Almodovar, o início de "Fale com ela" - o pontapé inicial de seu roteiro, digamos assim - é apenas um esboço de tudo que virá pela frente. Não demora muito para que o cineasta embaralhe as cartas de seu jogo, emprestando a Benigno características viris e impulsivas que se poderia esperar de Marco e dando a este momentos de uma pureza e sensibilidade próprias de alguém como Benigno. Enquanto o enfermeiro afeminado é capaz de um ato a príncipio brutal (através do qual a vida retorna, de forma irônica), o jornalista viril é capaz de desmanchar-se em lágrimas diante de um número de dança (com a participação especial da alemã Pina Bausch) ou de uma bela canção de amor (interpretada por Caetano Veloso), além de sofrer sem medo da opinião alheia. É o amor dos dois pelas mulheres em coma - mas que mesmo mudas e inertes empurram a trama pra frente - que une Benigno e Marco, que os completam como yin e yang. Mas não são os dois que tem o mesmo equilíbrio e a mesma força de lidar com suas paixões, e é daí, dessa fragilidade passional, que nasce a trágica poesia do filme.

E poesia é o que não falta em "Fale com ela", seja visualmente, através da inspirada fotografia de Javier Aguirresarobe, que transforma a violência das touradas em um balé (que remete às danças de Alicia e aos números de abertura e encerramento da projeção) ou em alguns diálogos de cortar o coração (que citam inclusive Tom Jobim, cuja bela "Por toda a minha vida" na voz de Elis Regina, ilustra lindamente uma tourada de Lydia). Até mesmo a homenagem de Almodovar ao cinema mudo (em uma sequência aparentemente sem importância que dá grandes pistas sobre o que vem a seguir) é um exemplo de concisão e inteligência: a história do "amante minguante" que entra no corpo da mulher que ama é a metáfora perfeita para o desfecho de uma das histórias de amor contadas pelo diretor, que ainda faz o grande favor de não entregar tudo mastigadinho à audiência. O público, encantado, agradece!

2 comentários:

Rodrigo Mendes disse...

Este e "Carne Trêmula" são os filmes mais ousados e sinceros de Pedro. Bom, claro que sua obra é repleta de fitas ousadas e que "Tudo Sobre Minha Mãe" também é especial, mas "Fale" e "Carne" mexeram mais comigo.

Abs.

Heron Xavier disse...

Muito bom!!! Sue blog é ótimo!

Parabéns!

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