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quinta-feira
SANEAMENTO BÁSICO, O FILME
SANEAMENTO BÁSICO, O FILME (Saneamento básico, 2007, Globo Filmes/Casa de Cinema de Porto Alegre, 112min) Direção e roteiro: Jorge Furtado. Fotografia: Jacob Solitrenick. Montagem: Giba Assis Brasil. Música: Leo Henkin. Figurino: Rosângela Cortinhas. Direção de arte/cenários: Fiapo Barth. Produção executiva: Nora Goulart, Luciana Tomasi. Elenco: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Lázaro Ramos, Paulo José, Tonico Pereira, Janaina Kremer. Estreia: 20/7/07
Sorte do cinema nacional que ele pode contar com Jorge Furtado. Dono de uma inteligência, de um sarcasmo e de um talento raros, o cineasta gaúcho consegue, com seus filmes, fugir de todos os clichês que imperam na produção nacional, fazendo filmes que são um sopro de leveza e despretensão em comparação com obras que já nascem com o objetivo de ganhar o Oscar ou fazer bonito em festivais internacionais. A filmografia de Furtado - que inclusive fez um arrastão nos tais festivais com seu curta "Ilha das Flores" - é simples, é direta, é eficaz e, acima de tudo, é acessível. Filmes como "Houve uma vez dois verões" e "O homem que copiava" dialogam sem firulas com uma fatia de público que parece ter sido esquecida em tempos de pauladas como "Central do Brasil" e "Cidade de Deus". "Saneamento básico, o filme" segue essa vertente de maneira ainda mais explícita e talvez por isso mesmo, ainda mais engraçada e bem-sucedida.
Ao situar sua ação em uma pequena cidade da serra gaúcha, com uma população de descendentes de italianos, Furtado já de cara demonstra que não tenciona alçar maiores voos cosmopolitas: ele conhece suas personagens, sabe de onde vieram e para onde vão, e elas não vão muito mais longe do que Porto Alegre. Essa falta de pretensão é a primeira das inúmeras qualidades de seu filme - afinal, não dizia Tolstói que para ser universal deve-se começar pintando a própria aldeia? As demais qualidades - o texto divertido, o elenco impecável, a trama absurda - vão sendo apresentadas aos poucos, e é impossível não deliciar-se com todas elas. Irônico e mordaz, o roteiro de Furtado também é, acima de tudo, uma ode de amor ao cinema como arte - ainda que essa camada seja tão sutil que pode passar despercebida diante de tanto bom humor.
Quando o filme começa, um grupo de moradores da pequena cidade de Linha Cristal está reunido para tomar providências sobre a construção de uma fossa para o tratamento do esgoto que anda incomodando a população. Escolhida como representante do grupo para reivindicar a obra por parte da Prefeitura, Marina (Fernanda Torres) descobre que não existe mais dinheiro para tal. Porém, quando fica sabendo que existe uma verba de dez mil reais para a produção de um vídeo (desde que ele tenha a ecologia como tema), Marina chega à conclusão, junto com seu marido, Joaquim (Wagner Moura) de que eles precisam realizar o curta-metragem de ficção solicitado pelo governo. A partir daí, eles reunem a família para criar "O monstro da fossa", um vídeo de terror escrito, dirigido, produzido e estrelado por eles mesmos.
Impossível não assistir-se a "Saneamento básico" sem lembrar-se de "Ed Wood", a sensacional biografia do cineasta dirigido por Tim Burton em 1994. Os dois filmes retratam com perfeição como a criatividade e a paixão por uma causa podem deixar os orçamentos nababescos de lado. Enquanto Wood ainda contava com o então decadente Bela Lugosi para estrelar seus filmes, porém, a turma de Linha Cristal apela para toda e qualquer possibilidade para terminar seu filme, repleto de defeitos mas cheio de boa-vontade. É assim que Silene (Camila Pitanga), irmã de Marina, assume o papel de heroína do filme e seu noivo, Fabrício (Bruno Garcia) vira uma das vítimas do monstro. É pela falta de atores que seu pai, Otaviano (Paulo José) é escalado para o papel de cientista - e se apaixona pela arte de atuar. E é por esse amor ao cinema (de guerrilha, indigente, pobre em dinheiro mas rico em paixão) que "Saneamento básico" conquista de vez a plateia.
Recheado de diálogos fantásticos valorizados pelos incríveis Fernanda Torres e Wagner Moura,
que lideram um elenco nunca aquém de genial - que pinta e borda em cenas nunca menos do que hilariantes, em especial durante as filmagens do curta - e dono de uma história local mas facilmente identificável em qualquer parte do planeta, "Saneamento básico" ainda dá, de leve, uma cutucada na burocracia governamental, na arrogância dos jovens artistas e na falta de interesse pelos problemas reais enfrentados pelas pequenas - e grandes - cidades brasileiras. Está de ótimo tamanho para uma comédia tão despretensiosa!
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