MINHA QUERIDA DAMA (My old lady, 2014, BBC Films, 107min) Direção: Israel Horovitz. Roteiro: Israel Horovitz, peça teatral de sua autoria. Fotografia: Michel Amathieu. Montagem: Stephanie Ahn, Jacob Craycroft. Música: Mark Orton. Figurino: Jacqueline Bouchard. Direção de arte/cenários: Pierre-François Limbosch/Daphné Deboaisne. Produção executiva: Daniel Battsek, Raphael Benoliel, Charles S. Cohen, Mike Goodridge, Israel Horovitz, Russ Krasnoff, Christine Langan, Joe Oppenheimer. Produção: David C. Barrot, Nitsa Benchetrit, Gary Foster, Rachael Horovitz. Elenco: Kevin Kline, Maggie Smith, Kristin Scott Thomas, Dominique Pinon. Estreia: 10/9/14
Nada como bons atores de posse de bons diálogos e personagens com profundidade o bastante para explorar seus talentos: essa é a certeza que fica após uma sessão de "Minha querida dama", que, apesar do título nacional remeter ao clássico musical estrelado por Audrey Hepburn nos anos 60, é a adaptação de uma peça teatral feita pelo próprio autor, Israel Horovitz, estreando também - e com o pé direito - na função de cineasta. Iniciando com ares de comédia de situação e terminando como um drama familiar de proporções trágicas, o primeiro trabalho de Horovitz no cinema jamais trai suas origens no palco (diálogos precisos e marcações bem definidas na maior parte do tempo), mas consegue ir além de suas possíveis limitações, graças principalmente ao trio de atores centrais que defendem sua trama: Kevin Kline, Maggie Smith e Kristin Scott Thomas, todos eles geniais em cena.
Tendo como cenário de sua história a bela e sempre fotogênica Paris, Horovitz não perde nenhuma oportunidade de sair da claustrofobia de um roteiro originário do teatro, arejando sua própria trama sem medo de diluir a densidade dos conflitos e a força de seus personagens. Confiando nas palavras que ele mesmo escreveu e na capacidade de seus astros em dar a elas a complexidade necessária, o dramaturgo tornado cineasta brinda o público com um dos mais subestimados filmes de 2014 - e que precisa urgentemente ser descoberto por todos aqueles que encontram prazer em assistir a uma boa história, povoada por gente de verdade e não apenas por super-heróis e personagens sobre-humanos. Mas que esse mesmo público se prepare para conhecer personagens não exatamente simpáticos - ao menos à primeira vista.
A trama começa com a chegada de Mathias Gold (Kevin Kline, disparado um dos melhores atores de sua geração) à Paris. Três vezes divorciado, sem filhos, sem trabalho e sem perspectivas, ele viaja à capital francesa com o objetivo claro de vender a propriedade que herdou de seu pai e reorganizar sua bagunçada vida financeira. Logo que põe os pés na espaçosa casa que lhe pertence, porém, ele descobre que as coisas não serão tão fáceis quanto ele poderia imaginar: segundo uma lei do país, seu pai comprou a casa com um contrato que só lhe dá total poder sobre ela quando a atual dona morrer - e pior ainda: enquanto ela viver, o novo proprietário é obrigado a lhe pagar uma taxa de 2.400 euros mensais. Chocado com a descoberta - e de certa forma achando que isso é apenas mais uma vingança do pai, com quem nunca manteve uma relação das melhores - Mathias fica mais aliviado quando descobre que a inquilina, Mathilde Girard (Maggie Smith), já passou dos 90 anos de idade, o que, ao menos se espera, irá abreviar sua espera pelo desfecho do caso. Já se preparando para encontrar um novo comprador - o que não falta, graças à qualidade da ampla construção - ele encontra outro empecilho: a filha de Mathilde, Chloé (Kristin Scott Thomas), que deseja manter-se como a dona do sobrado.
Enquanto mantém sua primeira metade em um agradável tom cômico - com Mathias vendendo às escondidas os móveis da família Girard e enfrentando Chloé e Mathilde com diálogos leves e ferinos - Horovitz apresenta ao público uma divertida comédia de costumes, repleta de momentos que confirmam o extraordinário timing cômico de Kevin Kline e Maggie Smith (não por acaso já premiados com o Oscar de coadjuvantes por performances cômicas, respectivamente em "Um peixe chamado Wanda" e "California Suite"). Mas é quando a trama começa a mostrar seu lado dramático que o filme cresce e se torna ainda mais interessante. Uma sucessão de segredos do passado trazidos à tona é o suficiente para que os personagens mostrem suas reais facetas - bem mais trágicas e dignas de compaixão do que poderiam aparentar a princípio. É hora, então, de mais um show de seus intérpretes, que conseguem passar da frivolidade do humor descompromissado para a profundidade de uma quase tragédia familiar com uma espantosa naturalidade. Não vem ao caso destrinchar todas as possibilidades do desfecho - até para não estragar as surpresas - mas vale a pena dizer que poucas vezes três gêneros (drama, comédia e romance) conseguiram caminhar juntos de forma tão orgânica nos últimos anos sem prejuízo de nenhum deles. Mérito do roteiro coeso, da direção discreta e principalmente do elenco impecável - que torna tudo verdadeiro e crível. Uma bela surpresa que passou despercebida pelas salas de cinema.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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