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MÃE!


MÃE! (mother!, 2017, Paramount Pictures, 127min) Direção e roteiro: Darren Aronofsky. Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Andrew Wesiblum. Figurino: Danny Glicker. Direção de arte/cenários: Phillip Messina/Larry Dias, Martine Kazemirchuck. Produção executiva: Mark Heyman, Josh Stern, Jeff Waxman. Produção: Scott Franklin, Ari Handel. Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Domhnall Gleeson, Brian Gleeson, Kristen Wiig. Estreia: 05/9/2017 (Festival de Veneza)

Darren Aronofsky tem no currículo filmes muito particulares, como o cultuado "Pi" (1998), o elogiado "Réquiem para um sonho" (2000) e o oscarizado "Cisne negro" (2010). Mesmo assim, com todas essas produções polêmicas na bagagem - sem falar no ambicioso "Fonte da vida", que desconcertou crítica e público em 2006 -, o cineasta nova-iorquino nunca foi alvo de tanta controvérsia quanto a despertada por "Mãe!", seu sétimo longa-metragem. Cercado de segredos até sua estreia no Festival de Veneza 2017, o filme já chegou ao mundo dividindo ferozmente as opiniões: tanto aplaudido quanto vaiado na Itália, seu trabalho seguiu caminho sendo apedrejado (por muitos) e incensado (por bem menos). Não deixa de ser esperado: alegórico ao extremo e violento em demasia, o filme apostou alto na inteligência e sensibilidade de um público mal-acostumado e alimentado por blockbusters vazios e descobriu, da pior maneira, que seu pesadelo febril estava longe de despertar a curiosidade da plateia. Com uma renda tímida de pouco mais de 17 milhões de dólares (contra um custo estimado de 30), "Mãe!" acabou por mostrar-se uma grande dor de cabeça para a Paramount, que herdou o projeto da Fox e de outros estúdios e viu que nem mesmo a presença de Jennifer Lawrence e Javier Bardem como protagonistas puderam salvar o filme do fracasso comercial. Aliás, para surpresa de todos - até mesmo daqueles que reconheciam o elenco como única qualidade do filme -, "Mãe!" chegou a ser indicado ao Framboesa de Ouro (o oposto do Oscar) nas categorias de pior ator e pior atriz.

Mas, afinal, por que tanto ódio por um filme? Se o próprio Aronofsky já tinha experimentado um pouco da fúria dos católicos por sua versão pouco religiosa do dilúvio em "Noé" (2014), foi com "Mãe!" que ele realmente mergulhou fundo em um tema tão inflamável quanto religião. Não que "Mãe!" seja um filme óbvio sobre Deus e seus profetas, mas assim que os símbolos do roteiro são decifrados, fica bastante claro que o cineasta não está disposto a poupar nem os personagens nem tampouco os espectadores. Sob uma direção claustrofóbica e em um tom onírico de causar inveja a David Lynch, Aronofsky conduz o público por um caminho repleto de fanatismo, violência e desespero, sublinhados pela fotografia imersiva de Matthew Libatique, que acompanha a protagonista em seu espiral de angústia, através de um cenário que é quase um personagem a mais. É compreensível que boa parte da audiência sinta-se desconfortável com a ousadia narrativa do diretor, mas é chocante o quanto uma parcela da crítica foi capaz de rechaçar o filme com tanta truculência - mesmo antes de sua estreia.

 


Envolto em aura de mistério desde sua fase de pré-produção, "Mãe!" viu os mais diversos boatos a seu respeito surgirem na indústria. Havia quem jurasse que se tratava de um remake do clássico "O bebê de Rosemary", dirigido por Roman Polanski em 1968 - uma informação completamente equivocada, como mais tarde se veria. Com o título provisório de "Day 6", o filme era a culminância de uma longa gestação - que incluiu ensaios por três meses antes das filmagens e uma reunião de Aronofsky com Jennifer Lawrence, que resultou não apenas em uma parceria profissional, mas também em um romance entre o diretor e sua estrela. Lawrence, uma das atrizes mais respeitadas e premiadas de sua geração, embarcou em um projeto potencialmente perigoso - o que conta muitos pontos a seu favor - e saiu dele com uma costela quebrada e uma experiência devastadora emocionalmente. Não à toa, tirou um ano de férias após o final dos trabalhos - e viu o massacre em cima do filme, que se tornou, também, seu maior fracasso de bilheteria de estreia, com apenas 7,5 milhões de dólares arrecadados no primeiro fim-de-semana em cartaz. Para efeito de comparação, um de seus filmes mais bem-sucedidos, o primeiro "Jogos vorazes" (2012) saiu de sua estreia com mais de 150 milhões.

É difícil resumir "Mãe!" sem privar o público da sensação de estar descobrindo aos poucos tudo que está acontecendo na tela. Sem estragar nada, pode-se dizer que a trama gira em torno de um casal cujos nomes nunca são mencionados - vividos por Lawrence e Javier Bardem - que, durante o processo de restauração de sua bela casa isolada, vê seu relacionamento ameaçado pela chegada de outro par - Ed Harris e Michelle Pfeiffer, ótimos - e, posteriormente, por convidados barulhentos e hostis. O dono da casa é um aclamado e egocêntrico poeta que não se importa com o estrago feito por seus fãs, enquanto sua esposa tenta impedir os estragos que estão destruindo seu lar e seu relacionamento. Pronto. Sabendo-se que Bardem interpreta uma versão particular de Deus e Lawrence dá voz à Natureza, o resto vai se revelando de forma aterradora. É só prestar atenção que tudo está lá: Adão e Eva, Caim e Abel, o dilúvio, a criação do Novo Testamento, guerras religiosas, o nascimento de Cristo... Aronofsky merece ser aplaudido por sua coragem em criar algo tão fora do comum e tão radicalmente controverso. Logicamente não é um filme para qualquer público, mas só o fato de assumir isso sem medo já é motivo mais que suficiente para considerá-lo uma das obras mais importantes do cinema norte-americano recente.

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