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PSICOPATA AMERICANO

PSICOPATA AMERICANO (American psycho, 2000, Lions Gate Films, 102min ) Direção: Mary Harron. Roteiro: Mary Harron, Guinevere Turner, romance de Brett Easton Ellis. Fotografia: Andrzej Sekula. Montagem: Andrew Marcus. Música: John Cale. Figurino: Isis Mussenden. Direção de arte/cenários: Gideon Ponte/Jeanne Develle. Produção executiva: Josehph Drake, Michael Paseornek, Jeff Sackmn. Produção: Christian Halsey Solomon, Chris Hanley, Edward R. Pressman. Elenco: Christian Bale, Willem Dafoe, Chloe Sevigny, Reese Witherspoon, Jared Leto, Josh Lucas, Justin Theroux, Cara Seymour, Bill Sage, Samantha Mathis. Estreia: 21/01/00 (Festival de Sundance)

A publicação do romance "Psicopata americano", no início da década de 90, foi cercado de polêmicas, principalmente graças ao que foi tido por seus detratores como "barbárie misógina". Violentamente atacada pelas feministas e discutida amplamente nos meios de comunicação sem ao menos ter chegado às livrarias, a obra de Brett Easton Ellis - também autor de "Abaixo de zero" e "Regras da atração", ambos adaptados para o cinema - parecia fadada à controvérsia, o que ficou provado quase dez anos mais tarde quando Leonardo DiCaprio, fresquinho do sucesso de "Romeu + Julieta", anunciou que estrelaria sua versão para as telas. A gritaria em torno da possibilidade de um ator idolatrado pelas adolescentes protagonizar um filme tão "nefasto" acabou por mais uma vez jogar os holofotes sobre a história de Patrick Bateman, um dos anti-herois mais improváveis do final do século XX. Resultado? O que poderia ter sido apenas mais uma produção independente louvada em festivais e em seguida esquecida pelo grande público transformou-se em um inesperado cult movie - um dos maiores de sua época.

A polêmica que começou antes mesmo que o livro fosse publicado - e que continuou quando ele chegou às livrarias, resultando até mesmo em cadeia para uma de suas mais ferozes críticas, a ativista feminista Tara Baxter, denunciada por subversão da ordem em uma loja no interior dos EUA - começou a atingir níveis internacionais e que ultrapassavam os limites literários quando sua adaptação para as telas foi anunciada, sob a direção de Mary Harron, conhecida no mundo do cinema independente graças ao filme "Um tiro para Andy Wharol", de 1996. Preferindo um ator ao invés de um astro internacional, Harron considerou vários nomes para o papel principal - Billy Crudup, Jared Leto, Ben Chaplin, Robert Sean Leonard entre eles - até chegar a Christian Bale, ainda não consagrado como astro da série "Batman", de Christopher Nolan e mais conhecido como o garotinho inglês de "Império do sol", de Steven Spielberg. Os produtores ainda tentaram empurrar Edward Norton, mas a cineasta bateu pé em sua escolha, aceitando até mesmo a imposição de escalar nomes conhecidos para o elenco coadjuvante - Willem Dafoe e Reese Witherspoon foram os escolhidos para tal. Foi então que tudo mudou de rumo: Leonardo DiCaprio tornou-se um ator "quente" e foi convidado (contra a vontade de Harron) para protagonizar o filme. Indignada, a diretora pulou fora do projeto, deixando-o nas mãos de Oliver Stone, que mudou tudo, do roteiro ao elenco já escalado.


Como se poderia esperar, os problemas começaram: o orçamento inchou, a gritaria contra o conteúdo da obra aumentou, DiCaprio abandonou o projeto para fazer "A praia" - se a pressão popular foi uma das causas de sua deserção ainda não se sabe - e o próprio Oliver Stone desistiu de ficar na cadeira de direção. Sem outra opção disponível, a Lions Gate (o estúdio por trás do filme) voltou atrás e chamou Harron novamente, dessa vez dando-lhe total liberdade artística. Bale retornou ao papel de Patrick Bateman - mesmo contra a vontade de uma das maiores críticas do livro, a feminista Gloria Steinem, que posteriormente se tornaria sua madrasta - e finalmente, depois de muitas idas e vindas, a trama de Ellis estreou no Festival de Cannes de 2000, provocando a dose de controvérsia esperada: a história de um jovem executivo de Wall Street que esconde sua personalidade violenta e homicida por trás de uma aparência saudável e sofisticada dividiu a crítica e confundiu o público, mas transformou-se, imediatamente, em um retrato sério e assustador da superficialidade da América do final do século XX.

Em um tom propositalmente hiperbólico, tanto o romance de Ellis quanto o filme de Harron debatem o extremo niilismo da geração yuppie, retratada com precisão pela trilha sonora recheada de hits dos anos 80 - Bateman mata enquanto discute Phil Collins e Huey Lewis - e pelos diálogos aparentemente ilógicos e surreais disparados por ele e seus colegas, todos vazios e munidos de um egoísmo atroz. Enquanto é investigado pela morte de um executivo tão fútil quanto ele (vivido por Jared Leto), Patrick Bateman preocupa-se apenas em frequentar restaurantes da moda, em vestir-se com os melhores estilistas, em cuidar obsessivamente do corpo e invejar os cartões de visita daqueles a quem julga inferiores. Sua decadência mental rumo ao inferno, portanto, acaba sendo o menor dos seus problemas, principalmente quando o desfecho (ambíguo e desconfortável) lhe mostra que o mundo que o cerca pode ser tão doente quanto ele.

Perturbador e corajoso, "Psicopata americano" tem a seu favor, também, o trabalho insano de Christian Bale, a caminho de se transformar em um dos atores mais competentes de sua geração. Construindo um protagonista desprovido de qualquer traço digo de simpatia ou compaixão, ele acerta em escolher o caminho mais árduo, evitando psicologismos simplistas ou um humor (negro) fácil. Seu desempenho - que conduz todos os outros ao mesmo nível de excelência - é o maior destaque do filme, que com seu tom sombrio e frio não agrada a todos os tipos de público, em especial àquele acostumado com produções mais convencionais. Mesmo assim, é um programa obrigatório para quem quiser compreender o espírito das últimas décadas do século.

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