FRAGMENTADO (Split, 2016, Universal Pictures, 117min) Direção e roteiro: M. Night Shyamalan. Fotografia: Michael Gioulakis. Montagem: Luke Ciarrocchi. Música: West Dylan Thordson. Figurino: Paco Delgado. Direção de arte/cenários: Mara LePere-Schloop/Jennifer Engel,Dennis Madigan. Produção executiva: Kevin Frakes, Buddy Patrick, Ashwin Rajan, Steven Schneider. Produção: Marc Bienstock, Jason Blum, M. Night Shyamalan. Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula. Estreia: 26/9/16
Poucos cineastas conheceram o céu e o inferno da indústria hollywoodiana tão de perto quanto M. Night Shyamalan: em 1999, seu "O sexto sentido" tornou-se um dos maiores sucessos de bilheteria da história e lhe rendeu indicações ao Oscar de diretor e roteiro (além de ter concorrido também à estatueta de melhor filme). Tido como uma das maiores promessas para o cinema do século XXI, ele conseguiu o que muitos diretores querem mas demoram anos para conquistar (quando conquistam): controle artístico absoluto de suas obras. Foi assim que construiu uma carreira de personalidade e características próprias, cujos filmes nem sempre confirmavam as expectativas (do público, da crítica e dos estúdios), como "Corpo fechado" (2000), "Sinais" (2002) e "A vila" (2004) . Foi somente a partir de "A dama na água" (2006), porém, que seus detratores finalmente começaram a encontrar motivos para comemorar: fracasso comercial e crítico, o conto de fadas estrelado por Paul Giamatti deu início a uma série de fiascos que, por motivos diversos, transformaram o talentoso diretor em piada no meio cinematográfico. Trabalhando por encomenda em produções fraquíssimas - como "O último mestre do ar" (2010) e "Depois da Terra" (2013), Shyamalan tomou uma decisão acertadíssima: voltou às origens e, sem pretensões, lançou o subestimado "A visita" (2015), que, sem atores conhecidos no elenco e com um orçamento de apenas 5 milhões de dólares, rendeu quase 100 milhões pelo mundo. Com a autoconfiança reestabelecida, ele pode, então, voltar seus olhos a um projeto muito querido: surgia assim "Fragmentado", mais um trabalho feito com trocados (9 milhões de orçamento) e que, graças à propaganda boca-a-boca, não apenas chegou perto de 300 milhões de arrecadação mundial como devolveu ao cineasta o respeito perdido no meio do caminho.
Perto do imenso sucesso de "O sexto sentido", a bilheteria e o impacto de "Fragmentado" pode até parecer discreto, mas pela primeira vez em anos, Shyamalan voltou a ser assunto, comentado e elogiado pelos fãs de cinema, pela imprensa e até mesmo por executivos dos grandes estúdios. E o mais empolgante: fazendo justamente aquilo que sabe fazer de melhor, construindo climas, prendendo o interesse da plateia por seus personagens e manipulando com maestria todos os elementos de um filme de suspense - apenas para entregar, em seus segundos finais, uma surpresa aos antigos entusiastas, um fecho de ouro que amplia o alcance da história e a empurra a direções inimagináveis até então. Mais uma vez evitando o horror explícito e se dedicando a dar consistência à sua narrativa através do cuidado com o roteiro e o elenco escolhido, o cineasta faz um gol de placa ao misturar fatos comprovados cientificamente com uma alta dose de imaginação e tensão.
Novamente a história se passa na Filadélfia, cenário de seus filmes anteriores, e começa com o rapto de três adolescentes, sequestradas no estacionamento de um shopping-center. O raptor, como elas descobrem assim que acordam em um pequeno quarto sem janelas e com isolamento acústico, é o calado Dennis (James McAvoy), um homem quieto, reservado e que, aparentemente tem planos bem específicos para suas reféns. Conforme o tempo vai passando, porém, as meninas descobrem que há algo de muito errado em Dennis: sofrendo de um transtorno que lhe faz ter múltiplas personalidades, ele se apresenta a elas com variadas identidades, que vão desde Hedwig, um menino de nove anos, até Patricia, uma mulher que parece ter uma convivência tranquila com Dennis. Tentando encontrar uma maneira de escapar do cativeiro, a tímida Casey (Anya Taylor-Joy, do sucesso independente "A bruxa") lembra de sua infância, quando aprendia a caçar com seu pai - e faz amizade com Hedwig, acreditando que ele pode ajudá-la. Enquanto isso, outra personalidade do criminoso, Barry, frequenta sessões de terapia com a doutora Karen Fletcher (Betty Buckley), que percebe que algo de muito errado está acontecendo com seu paciente - que tem, na verdade, 23 personalidades dentro dele.
Se o roteiro de "Fragmentado" demonstra o poder de Shyamalan em envolver o público com histórias elaboradas e inteligentes, é preciso aplaudir de pé o trabalho de seu ator principal. Sem medo de cair na caricatura e oferecendo nuances sutis e assustadoras a todos os personagens criados pelo cineasta, o inglês James McAvoy faz um dos melhores trabalhos de sua carreira, já pontuada por grandes atuações, em filmes tão díspares quanto "O último rei da Escócia" (2006), "Desejo e reparação" (2007) e a série "X-Men", onde vive a versão jovem do Professor Xavier. Substituindo Joaquin Phoenix - que já havia trabalhado com o diretor em "Sinais" e "A vila" -, McAvoy engole tudo à sua volta, com uma interpretação impecável que torna críveis até mesmo os momentos mais bizarros da trama. Aposta certeira de Shyamalan, ele foge do óbvio e do exagero na criação de cada uma das personalidades do protagonista, sempre deixando o espectador perceber que existe uma unidade que as interliga. Um dos trabalhos de atuação mais empolgantes da temporada, o desempenho de McAvoy é, juntamente com a coragem do diretor em dar vários passos atrás na carreira para poder retomá-la, o maior e mais recompensador atrativo de "Fragmentado", um suspense de primeira linha - e que termina de forma a deixar qualquer um roendo as unhas de expectativa.
Filmes, filmes e mais filmes. De todos os gêneros, países, épocas e níveis de qualidade. Afinal, a sétima arte não tem esse nome à toa.
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