sexta-feira

UMA RUA CHAMADA PECADO


UMA RUA CHAMADA PECADO (A streetcar named desire, 1951, Warner Bros., 124min) Direção: Elia Kazan. Roteiro: Tennessee Williams, baseado em sua peça de teatro homônima. Fotografia: Harry Stradling. Música: Alex North. Produção: Charles K. Feldman. Elenco: Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter, Karl Malden. Estreia: 18/9/51

12 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Elia Kazan), Ator (Marlon Brando), Atriz (Vivien Leigh), Ator Coadjuvante (Karl Malden), Atriz Coadjuvante (Kim Hunter), Roteiro Adaptado, Fotografia, Trilha Sonora Original, Figurino, Direção de Arte, Som
Vencedor de 4 Oscar: Atriz (Vivien Leigh), Ator Coadjuvante (Karl Malden), Atriz Coadjuvante (Kim Hunter), Direção de Arte

Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Kim Hunter)

Adaptações de peças de teatro para o cinema sempre correm o grande risco de tornarem-se aborrecidos exercícios de overactings. É preciso muito talento e/ou experiência para transformar uma bem-sucedida montagem teatral em um igualmente bem-sucedido produto cinematográfico. E talento e experiência são qualidades que não faltam a Elia Kazan e já não faltavam quando ele lançou "Uma rua chamada pecado", em 1951. Ao levar para as telas a obra-prima de Tennessee Williams que ele mesmo havia dirigido na Broadway, o polêmico cineasta não só conseguiu a proeza de criar um novo parâmetro para adaptações teatrais como ainda lançou oficialmente um ator que se tornaria um ícone absoluto do cinema: Marlon Brando. Tudo bem que "Uma rua" não é o primeiro filme de Brando (o título pertence a "Espíritos indômitos", do ano anterior) mas é inegável que foi a partir de sua interpretação vulcânica como Stanley Kowalski que Brando iniciou seu caminho rumo a tornar-se um dos mitos mais duradouros do planeta Hollywood.

"Uma rua chamada pecado" (título fantasioso menos interessante do que o original "Um bonde chamado desejo") se passa em uma espécie de cortiço em Nova Orleans, onde vive a dona de casa Stella (Kim Hunter) e seu marido, o truculento Stanley (Brando). Sua vida sem maiores emoções além de noitadas de pôquer e boliche - temperadas com algumas brigas bastante violentas - se transforma com a chegada de sua irmã mais velha, a misteriosa Blanche DuBois (Vivien Leigh, loura e aparentemente à beira de um ataque de nervos). Blanche chega para passar alguns dias com a irmã e o cunhado, mas esconde as verdadeiras razões pelas quais abandonou a propriedade da família e o emprego de professora. Seus modos delicados logo batem de frente com a falta de polidez de Kowalski, que de imediato não simpatiza com aquela mulher cheia de histórias mal-contadas e que parece ter prazer em jogar sua esposa contra ele. A tensão sexual entre os dois aumenta ainda mais quando Blanche conhece um amigo de Stanley, o tímido Mitch (Karl Malden), que ainda vive com a mãe e busca a companhia de uma mulher que divida com ele suas rígidas regras morais. O passado de Blanche, no entanto, acaba vindo à tona, abalando sua frágil estrutura mental e emocional.


É impossível ficar impassível a "Uma rua chamada pecado". Seja pela atmosfera sexual que envolve cada cena ou seja pela complexidade psicológica de suas personagens, o texto de Williams tem a inteligência de nunca deixar nada óbvio a sua audiência. Tudo é revelado nas entrelinhas - em sons do passado, em olhares assustados, em silêncios reveladores -, de maneira a proporcionar ao público o prazer extra de descobrir junto com as personagens todos os desdobramentos de sua história, por si só bastante intensa e adulta. O roteiro não tem medo de tocar em assuntos controversos - sedução de menores, estupro, violência doméstica - e é defendido por garra por um elenco espetacular.

Apesar de não ser a primeira opção para o papel de Blanche Dubois (foi escolhida apenas por ser mais popular do que Jessica Tandy, que defendeu a personagem nos palcos), Vivien Leigh toma posse de sua personalidade quase de forma espírita, deixando para trás a imagem mundialmente conhecida de Scarlett O'Hara. Seu olhar quase psicótico, seus trejeitos de mulher presa em um mundo particular, sua maneira de enganar a si mesma são brilhantes. Sua química com Brando é palpável: é impossível não reconhecer a tensão sexual entre os dois, que culmina em uma das cenas mais fortes do filme.
Kim Hunter e Karl Malden pontuam com sutileza o embate entre Leigh e Brando, repetindo na tela seus trabalhos na Broadway. Como Stella e Mitch, eles acabam sendo as vítimas inocentes do bonde chamado desejo, que, sem freio, atropela os quatro protagonistas e os arrasta em um caminho sem volta rumo à tragédia.

Curiosamente, dos quatro atores principais do filme apenas Marlon Brando não levou o Oscar (que ficou com Humphrey Bogart, por "Uma aventura na África"). Mas não há espectador que não concorde que é seu Stanley Kowalski, com sua sexualidade à flor da pele - reiterada em constantes imagens de seu musculoso corpo suado e em suas atitudes de macho primata - quem se apropria de todo o filme. Basta Brando entrar em cena para que tudo pareça gravitar à sua volta, tamanha a força de sua atuação. O ator até pode ter ganho dois Oscar em seu caminho posterior (nos espetaculares "Sindicato de ladrões" e "O poderoso chefão"), mas é aqui, nos primórdios de sua carreira que ele marca, a ferro e fogo, seu nome na história do cinema.

3 comentários:

Cristiano Contreiras disse...

Meu filme de cabeceira, e tenho dito!

Nunca o sexo foi tão bom de se sentir, ainda que sutilmente.

Parabéns pelo post!

Luis Fabiano Teixeira disse...

Oi Clênio, esse é um dos meus filmes favoritos também, assim como o do Cris. Assisti em outubro do ano passado e fiquei bastante tocado, tanto que fui correndo comprar o livro no dia seguinte. E posso afirmar, com seguridade, que ambos são excelentes. Também postei sobre ele no blog, não com essa riqueza de detalhes, mas igualmente tomado pelo encanto do filme. Parabéns pela escolha. Bem, obrigado pela indicação do meu blog com um dos seus favoritos. Selinho VIP? Olha, eu já sou ariano e ainda ganho esses afagos da bloguesfera? Vou ficar insuportável ehehe Valeu! Beijão!

Aline disse...

li o livro, vi o filme, recomendo ambos.
Brando é O HOMEM.
Vivien é A DIVA.
Encontro perfeito.

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