Indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Edward Norton)
Vencedor do Golden Globe de Ator Coadjuvante (Edward Norton)
Desde que teve sua carreira ressuscitada com os sucessos de "Justiça cega", de Mike Figgis e principalmente "Uma linda mulher", de Garry Marshall, o ator Richard Gere correu o sério risco de tê-la novamente perdido, devido a escolhas equivocadas como "Lancelot", com Sean Connery, "Mr. Jones", com Lena Olin e até mesmo o interessante mas fracassado comercialmente "Intersection", onde trabalhou ao lado de Sharon Stone. Para sua sorte, no entanto, um pouco ambicioso filme de tribunal devolveu a ele as boas graças da crítica e do público. Dirigido por um então desconhecido Gregory Hoblit, "As duas faces de um crime" é um policial que, a despeito de não fugir dos elementos tradicionais do gênero, o faz com respeito e sobriedade. Além disso, o filme, baseado no romance de William Diehl, tem para si a distinção de ter revelado um dos melhores jovens atores da década: Edward Norton.
Aos 26 anos, Norton é apenas o quinto nome a aparecer nos créditos de abertura de "As duas faces de um crime", mas quem assiste ao filme sabe que ele é seu maior trunfo. Desconhecido da audiência, ele ficou com um papel que foi oferecido a Leonardo DiCaprio e cobiçado por Matt Damon, e logo de cara recebeu uma merecida indicação ao Oscar de ator coadjuvante - que perdeu para a histérica atuação de Cuba Gooding Jr. em "Jerry Maguire". Sua interpretação, repleta de nuances, foge das armadilhas que o roteiro oferece e consegue fazer até com que o normalmente inexpressivo Gere saia de sua zona de conforto para entregar um trabalho bastante consistente.

Gere interpreta Martin Vail, um advogado narcisista e talentoso que não mede esforços para aparecer na mídia. Uma chance de ouro para aumentar sua popularidade surge quando um respeitado arcebispo é violentamente assassinado e um de seus coroinhas, o tímido Aron Stampler (Edward Norton) é preso e acusado pelo crime. Tentando inocentar seu cliente, Vail vai aos tribunais contra a promotora Janet Venable (Laura Linney), sua ex-amante. Conforme as investigações de Vail e seus assessores vão transcorrendo, novas revelações sobre a personalidade da vítima começam a aparecer, e ligações dele com poderosos homens de negócio - inclusive o procurador do Estado, John Shaugnessy (John Mahoney), o patrão de Janet - levam a outros e surpreendentes rumos.
A maior qualidade do roteiro de "As duas faces de um crime" é embaralhar as cartas de sua trama para jamais deixar o público matar a charada antes das cenas finais. Durante toda a projeção há sempre aquela virtual pulga atrás da orelha sobre quais os reais motivos que levaram o arcebispo a ser assassinado e Gregory Hoblit - demonstrando uma firmeza admirável na direção - conduz a audiência por vários caminhos até finalmente apresentar seu desfecho, coerente e um tanto chocante. Quem já assistiu não tem mais o elemento surpresa que lhe dá mais destaque ao lado de seus congêneres, mas mesmo quem o assiste mais de uma vez é obrigado a concordar que mesmo assim o filme é muito superior que a média. E novamente voltamos a Edward Norton.
A estreia alvissareira de Norton - que no mesmo ano seria dirigido por Milos Forman e Woody Allen - dá um charme especial a "As duas faces de um crime". Talentoso e inteligente, ele não confunde a fragilidade de sua personagem com fragilidade na atuação, apresentando uma atuação visceral e hipnotizante. Se Richard Gere e Laura Linney são os reais protagonistas do filme - e se saem bem, aliás - é Norton, com seu rosto capaz de expressar emoções díspares em questão de segundos que rouba o filme para si. Por ele, vale a pena ver e rever.