sexta-feira

RÉQUIEM PARA UM SONHO


RÉQUIEM PARA UM SONHO (Réquiem for a dream, 2000, Artisan Entertainment, 102min) Direção: Darren Aronofsky. Roteiro: Darren Aronofsky, Hubert Selby Jr., romance de Hubert Selby Jr. Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Jay Rabinowitz. Música: Clint Mansell. Figurino: Laura Jean Shannon. Direção de arte/cenários: James Chinlund/Ondine Karady. Produção executiva: Beau Flynn, Stefan Simchowitz, Nick Wechsler. Produção: Eric Watson, Palmer West. Elenco: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Dylan Baker. Estreia: 27/10/00

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Ellen Burstyn)

Filmes sobre viciados em drogas normalmente acabam resvalando nas situações clichês, cedendo à tentação de chocar, mesmo que para isso os roteiristas e diretores deixem de lado profundidades psicológicas em função do choque visual, normalmente escatológico. A cada gloriosa exceção como o criativo “Trainspotting, sem limites” existe dúzias de bombas como o longínquo mas com status de clássico “Christiane F.”, cujo maior mérito foi alertar a respeito do assunto e contar com a participação de David Bowie. Felizmente, gente com talento se interessa em acrescentar qualidade a temas tão batidos como as tragédias junkies. Um desses nomes de talento é Darren Aronofsky, que foi incensado pela crítica já em seu filme de estreia, o pouco visto “Pi” e colecionou mais elogios ainda com “Réquiem para um sonho”, um petardo cinematográfico poucas vezes registrado na história.

Baseado no romance de Hubert Selby Jr. (que colaborou com o roteiro, escrito em parceria com o diretor), “Réquiem para um sonho” é um dos filmes mais ousados do final do século, uma experiência sensorial e emocional respaldada por um elenco excepcional liderado por uma impressionante Ellen Burstyn, injustamente preterida ao Oscar de melhor atriz em favor de Julia Roberts, no correto e nunca genial “Erin Brockovich, uma mulher de talento”. Burstyn vive Sarah Goldfarb, uma viúva solitária e obesa cujas únicas alegrias na vida são as visitas raras do filho Harry (Jared Leto, macérrimo e bom ator como nunca) e os momentos passados em frente à TV. Sua vida dá uma virada quando ela é selecionada para participar de um de seus programas preferidos. Com o objetivo claro de emagrecer e servir no vestido vermelho que era o favorito de seu marido, ela se entrega a uma dieta delirante de comprimidos inibidores de apetite. Aos poucos as anfetaminas passam a fazer efeito e, além de emagrecer assustadoramente, Sarah começa a delirar, ranger dentes e perder o controle sobre seus sentidos. Enquanto isso, seu filho inicia uma sociedade no tráfico de entorpecentes com seu melhor amigo Tyrone(Marlon Wayans). Sua meta é investir o dinheiro ganho em uma confecção, junto com a namorada Marion (Jennifer Connelly, belíssima como sempre e uma atriz cada vez melhor). O problema é que os três são viciados em drogas e o capital investido logo é insuficiente para suprir suas necessidades, o que os leva a uma crescente história de desespero e privação.


“Réquiem para um sonho” não é um filme fácil, o que sua bilheteria minguada nos EUA apenas comprova. Ao investir pesado em uma trama sem concessões sentimentalóides (apesar de algumas cenas de cortar o coração), Aronofsky não deixa pedra sobre pedra, não poupando nenhuma de suas personagens que encontram apenas frustração e desespero em busca de seus sonhos. As impressionantes edições de imagens repetidas e sons distorcidos ajudam na captura da angústia pelas quais passam Sarah, Harry e Marion, pessoas comuns jogadas em meio a um furacão de dor. A trilha impactante de Clint Mansell, que martela mesmo depois dos créditos finais é forte candidata a inesquecível, mas é a qualidade do elenco que fascina mais do que tudo.

Enquanto Jennifer Connelly comprova seu crescimento como atriz e mulher bonita, são os jovens Jared Leto e Marlon Wayans que surpreendem. Leto, até então sem maiores chances de mostrar trabalho agarra com unhas e dentes a oportunidade de atuar ao lado de colegas mais experientes e consagradas. Wayans, saído diretamente de coisas como “Todo mundo em pânico” acena como uma possibilidade que nunca mais foi devidamente explorada. Mas é a indescritível Ellen Burstyn que é a imagem mais característica do filme. Ao viver uma mulher comum, dona-de-casa, viúva e sem maiores interesses na vida e que de repente afunda em um caminho de dor, Burstyn não apenas passa por uma transformação física apavorante mas também demonstra uma coragem e uma segurança que muitas estrelas de Hollywood nem sequer pensam em tentar. Confiando plenamente no talento de seu diretor (que dez anos depois entregaria ao mundo outra obra-prima, o tocante "Cisne negro"), a atriz premiada com o Oscar de 1974 por "Alice não mora mais aqui" apresenta a maior atuação feminina da década.

 Anfetamínico, impressionante, chocante, deprimente. Todas os adjetivos usados para descrever “Réquiem para um sonho” como um dos mais pesados da história são cabíveis. Mas também o são palavras como genial, criativo, obrigatório. Uma obra-prima em forma de pesadelo.

Um comentário:

Carlos Natálio disse...

Tenho de o voltar a rever. Quando vi era adolescente, vamos ver se volta a ter o mesmo impacto agora agora.

Saudações de Portugal.

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