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JULIE & JULIA

JULIE & JULIA (Julie & Julia, 2009, Columbia Pictures, 118min) Direção: Nora Ephron. Roteiro: Nora Ephron, livros de Julie Powell e Julia Child e Alex Prud'homme. Fotografia: Stephen Goldblatt. Montagem: Richard Marks. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Mark Ricker/Susan Bode Tyson. Produção executiva: Donald J. Lee Jr., Scott Rudin, Dana Stevens. Produção: Nora Ephron, Laurence Mark, Amy Robinson, Eric Steel. Elenco: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci, Chris Messina, Kelly Lynch, Frances Sternhagen, Linda Emond. Estreia: 30/7/09

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Meryl Streep)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz em Comédia/Musical (Meryl Streep) 

Primeiro foram livros e peças de teatro. Depois, ideias vinham de notícias de jornal e de biografias de celebridades e/ou políticos. Mais adiante, histórias em quadrinhos (adultos ou não). Hollywood nunca pode se queixar da falta de material original para suas adaptações - fossem elas bem-sucedidas ou não, fieis à origem ou não. Mas, com o advento da Internet um novo manancial de ideias apareceu no horizonte de roteiristas e produtores: parcialmente inspirado em um blog (devidamente transformado em livro e publicado de acordo com a tradição),"Julie & Julia" também inovou ao utilizar-se de um livro de receitas (dos mais prestigiados e populares, mas ainda assim de receitas) como parte de sua trama. Adaptados pela veterana Nora Ephron, os livros de Julie Powell e Julia Child chegaram às telas e conquistaram público e crítica: com mais de 100 milhões de dólares arrecadados pelo mundo e premiado com o Golden Globe de melhor atriz em comédia/musical de 2009, "Julie & Julia" é uma deliciosa história de amor à gastronomia... ou, sendo ainda mais correto: são duas histórias de amor à gastronomia!

Amparada por uma inspiradíssima Meryl Streep (que arrebatou sua 16ª indicação ao Oscar por seu papel) e por uma então ainda promissora Amy Adams (que já havia concorrido à estatueta de coadjuvante justamente por um filme ao lado de Streep, "Dúvida", de 2008), Nora Ephron exercita seu habitual senso de humor e sofisticação ao narrar duas histórias paralelas que, mesmo separadas por meio século, se conectam através da paixão pela culinária e por detalhes que, enfatizados sutilmente pela edição, as tornam muito mais próximas do que poderiam supor. Obviamente mirando em um público-alvo mais adulto do que a maioria das comédias hollywoodianas, o roteiro de Ephron
evita piadas fáceis e até mesmo escapa da polêmica que seria revelar as atividades de Julia Child para o governo norte-americano - depois do lançamento do livro, mas antes das filmagens, já se sabia que a famosa autora havia servido de informante durante seu período na França, mas tal fato é apenas mencionado de passagem em um curto diálogo. Tais complicações políticas não interessam à trama engendrada pela diretora/roteirista, que prefere focar sua atenção no crescimento pessoal de suas protagonistas oferecido por sua entrega à cozinha - que surgem como válvula de escape e se tornam parte indissociável de suas vidas pessoais.


Julie Powell (Amy Adams dando um banho de carisma) é uma jovem aspirante a escritora que passa seus dias em um frustrante e monótono emprego burocrático que a deprime - a despeito de sua relação apaixonada com o marido, Eric (Chris Messina). Como forma de fixar um objetivo que possa arrancar-lhe do marasmo, ela desafia a si mesma a cozinhar, por um ano inteiro, todas as receitas do primeiro e mais famoso livro da escritora Julia Child - e registrar suas tentativas em um blog, que não demora a tornar-se um fenômeno de popularidade. Durante o processo, Julie começa a tornar-se obcecada pela história de Child (Meryl Streep), uma americana que, casada com o diplomata Paul Child (Stanley Tucci), transforma sua estada em Paris, a partir de 1949, em uma maneira de traduzir para suas conterrâneas as sofisticadas receitas francesas que aprendeu na tradicional Cordon Bleu. Dedicada e talentosa, ela acaba por publicar seu livro de receitas, apresentar programas de culinária na TV e se transformar em um nome conhecido internacionalmente - e, décadas depois, inspirar Julie a encontrar um sentido para sua vida. O segredo de Ephron em seu roteiro é fazer com que suas duas personagens centrais passem pelas mesmas dificuldades, mas logicamente de acordo com sua época e contextos histórico e social. Esse artifício de utilizá-las como espelho uma da outra funciona muito bem, especialmente porque a química entre Adams e Streep é perfeita: mesmo que elas jamais contracenem, existe uma sensação de unidade entre as duas que é palpável, graças à direção leve e aos desempenhos acima da média de ambas - amparadas também por seus excelentes colegas de cena Stanley Tucci e Chris Messina.

Como é normal no cinema de Nora Ephron, não há nada de espetacular ou catártico em "Julie & Julia". Seu roteiro fluido e por vezes surpreendentemente emocionante segue sem sustos por um caminho que pode até parecer previsível, mas que encanta justamente por oferecer ao público o conforto da simplicidade. Streep (que conta com a ajuda de ângulos especiais para dar a impressão de ser do real tamanho da gigantesca Julia Child) mais uma vez é maior que o filme, ainda que sua personagem pareça caricatural com seu jeito de falar e se movimentar. A maior surpresa, porém, é a segurança de Amy Adams em não se deixar intimidar pela presença da celebrada atriz e fazer de sua Julie Powell uma personagem interessante e repleta de nuances a ponto de quase roubar a cena. Se Streep foi indicada ao Oscar, Adams ficou de fora da seleção da Academia injustamente: é seu olhar cheio de esperança, otimismo e às vezes desespero que fazem do filme de Nora Ephron a delícia que é - e sua dupla com Chris Messina é simplesmente adorável. Que venham novas colaborações!

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