quarta-feira

TODO O DINHEIRO DO MUNDO

TODO O DINHEIRO DO MUNDO (All the money in the world, 2017, TriStar Productions/Sony Pictures, 132min) Direção: Ridley Scott. Roteiro: David Scarpa, livro "Painfully rich: the outrageous fortune and misfortunes of the heirs of J. Paul Getty", de John Pearson. Fotografia: Dariusz Wolski. Montagem: Claire Simpson. Música: Daniel Pemberton. Figurino: Janty Yates. Direção de arte/cenários: Arthur Max/Richard Roberts, Letizia Santucci, Nasser Zoubi. Produção: Chris Clark, Quentin Curtis, Dan Friedkin, Mark Huffam, Ridley Scott, Bradley Thomas, Kevin J. Walsh. Elenco: Michelle Williams, Christopher Plummer, Mark Wahlberg, Romain Duris, Timothy Hutton, Marco Leonardi, Charlie Plummer, Andrew Buchan. Estreia: 18/12/17

Indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante (Christopher Plummer)

Nunca é uma boa notícia quando os bastidores de um filme chamam mais a atenção do que a obra em si. Por mais que o resultado final seja consistente ou até mesmo admirável, o que fica na memória do público são os escândalos que atribularam sua realização. Um exemplo claro desta afirmação é "Todo o dinheiro do mundo", um filme extremamente bem realizado, dirigido por um cineasta experiente (Ridley Scott), estrelado por nomes conhecidos (Michelle Williams e Mark Wahlberg), baseado em uma história real e planejado para encabeçar as listas de indicados aos prêmios da temporada. O que parecia correr tranquilamente para os produtores e a Sony acabou se tornando um pesadelo, no entanto, quando, no começo de novembro de 2017, uma notícia caiu como uma bomba no colo de todos: acusado de estupro de menor e assédio sexual, o ator Kevin Spacey - que tinha um papel chave na trama - transformou-se, de uma hora para outra, em um problema quase insolúvel em termos comerciais. A pouco mais de um mês da data programada para a estreia do filme, o que antes soava como uma grande promessa de sucesso se transmutava em um provável desastre. Em uma decisão surpreendente - e temerária, haja visto que acrescentaria 10 milhões de dólares ao orçamento final -, o estúdio anunciou que o lançamento ocorreria, sim, conforme o previsto, mas com uma pequena (e radical) diferença no elenco: Christopher Plummer no lugar de Spacey, cortado definitivamente do filme e seu material promocional.

Como polêmica pouca é bobagem, os problemas da Sony continuaram mesmo depois de o filme estar pronto e começar sua carreira nos cinemas: chamados para refilmar as 22 cenas em que Plummer assumia o papel do milionário J. Paul Getty, os atores Michelle Williams e Mark Wahlberg se viram em meio a um novo tornado de controvérsias, quando a diferença entre seus salários alcançou as manchetes da imprensa especializada em entretenimento. A gritaria começou quando se soube que Williams recebeu um pagamento de apenas mil dólares por seu retorno ao trabalho, enquanto seu colega havia embolsado 1,5 milhão. A discrepância entre os números deu margem a discussões a respeito de sexismo na indústria e ultrapassou o interesse pelo filme em si. Resultado: Wahlberg doou seu salário (e mais 500 mil dólares) para uma fundação em defesa legal das mulheres - e o assunto, de certa forma, morreu (sem que se questionasse, por exemplo, que o número de cenas refilmadas pelo ator era bem maior e que a própria atriz havia se oferecido a trabalhar por uma fração menor do salário, já que não ficaria à vontade, como declarado mais tarde, em divulgar um filme estrelado por Spacey). A essa altura, porém, "Todo o dinheiro do mundo" já havia estreado, dividido a crítica e atraído pouca gente às salas de exibição. De pouco adiantaram os elogios à atuação de Michelle Williams, as três indicações ao Golden Globe (incluindo direção e atriz/drama) e o nome de Plummer entre os candidatos ao Oscar de ator coadjuvante: o filme já estava destinado a permanecer como uma produção maculada pela polêmica.


O pior de tudo é "Todo o dinheiro do mundo" é um belo filme. Não apenas conta sua história com inteligência e sensibilidade - sem deixar de lado a tensão e o aprofundamento dramático dos personagens, cortesia do roteiro de David Scarpa, baseado em livro de John Pearson - como é tecnicamente notável. Da fotografia de Dariusz Wolski à trilha sonora arrepiante de Daniel Pemberton, tudo funciona como um relógio, e mergulha o espectador em um pesadelo acinzentado, de tons trágicos e contornos sombrios, tudo orquestrado por um Ridley Scott em grande forma, abandonando a grandiosidade de seus épicos para concentrar-se em um drama familiar dos mais angustiantes e revoltantes. Para isso, conta com a sempre inspirada Michelle Williams - que ficou com o papel depois das desistências de Angelina Jolie e Natalie Portman - e um Christopher Plummer assustador em sua frieza. É ele, na pele do bilionário magnata do petróleo J. Paul Getty, quem dá as cartas em um jogo mórbido e perigoso que pode custar a vida de seu neto predileto - um jogo que lhe serve, ironicamente, como arma para dominar todos à sua volta.

O filme começa em Roma, no ano de 1973, quando o adolescente Paul (Charlie Plummer, que apesar do sobrenome não tem relação com Christopher) é sequestrado por um grupo de criminosos que exige, como resgate, a quantia de 17 milhões de dólares. Seria uma fortuna inalcançável, se o menino não fosse neto de um dos homens mais ricos do mundo, J. Paul Getty - cuja conta bancária só é comparável à sua frieza e calculismo. Desesperada com o rapto do filho, a ex-nora de Getty, Gail (Michelle Williams), se torna a ponte entre os bandidos e o sogro, que se recusa a pagar um centavo que seja pela volta do neto - por acreditar que, aberto um precedente, todos os outros membros da família serão igualmente abduzidos. Enquanto tenta convencer Getty a ceder, Gail conta com a ajuda do leal Fletcher Chace (Mark Wahlberg), homem de confiança do magnata, que o chama para resolver a situação por meios não oficiais. Nesse meio-tempo, o jovem Paul vive uma rotina de grande tensão, quebrada apenas por seu relacionamento com um dos sequestradores, o misterioso Cinquanta (Romain Duris) - uma relação que não impedirá, no entanto, que a violência o atinja sem piedade.

"Todo o dinheiro do mundo" é um filme que funciona em vários níveis. Pode ser um drama pungente, capaz de emocionar aos mais sensíveis; pode ser um filme de suspense aterrador e imprevisível (apesar de ser uma história real cujo desfecho pode ser descoberto sem mistério em qualquer acesso à Internet); pode ser um belo estudo sobre o poder do dinheiro e como ele pode levar à solidão mais devastadora; e é, ainda, um excelente espelho para o talento de seus atores principais, em especial Michelle Williams e Christopher Plummer, brilhando em um papel difícil e detestável - ao qual oferece uma série de nuances que o livra do maniqueísmo e da análise fácil. Um filme que merece ser visto como a pequena obra-prima que é - a despeito de todos os problemas em sua realização.

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