quarta-feira

O AGENTE DA U.N.C.L.E.

O AGENTE DA U.N.C.L.E. (The man from U.N.C.L.E., 2015, Warner Bros, 116min) Direção: Guy Ritchie. Roteiro: Guy Ritchie, Lionel Wigram, estória de Jeff Kleeman, David Campbell Scott, Guy Ritchie, Lionel Wigram, série de televisão de Sam Rolfe. Fotografia: John Mathieson. Montagem: James Herbert. Música: Daniel Pemberton. Figurino: Joanna Johnston. Direção de arte/cenários: Oliver Scholl/Eli Griff. Produção executiva: David Dobkin, Steven Mnuchin. Produção: Steve Clark-Hall, John Davis, Guy Ritchie, Lionel Wigram. Elenco: Armie Hammer, Henry Cavill, Alicia Vikander, Hugh Grant, Elizabeth Debicki, Sylvester Groth, Jared Harris. Estreia: 02/8/15 (Barcelona)

Quando finalmente a versão para o cinema da série televisiva "O agente da U.N.C.L.E." estreou nos EUA, no verão de 2015, já fazia mais de uma década que seu estúdio, a Warner, vinha tentando aprovar o projeto. Mesmo quando um nome quente como o de Steven Soderbergh esteve vinculado à produção, parecia que tudo colaborava para que o filme não saísse. A desistência de George Clooney, por exemplo (e sua quase substituição pelo bem mais jovem Channing Tatum), foi um dos fatores que afastaram o oscarizado diretor de assinar o contrato - assim como problemas relacionados ao orçamento (de cerca de 75 milhões de dólares) e à escalação de um elenco que funcionasse tanto comercial quanto artisticamente. A entrada de Guy Ritchie no time - um cineasta de personalidade, mas com facilidade em adaptar-se às circunstâncias exigidas pelo mercado - finalmente fez com que as coisas saíssem do lugar. Com o filme pronto (e com a assinatura visual de Ritchie em cada sequência), fica difícil imaginar como seria a visão de Soderbergh da trama - certamente mais cerebral e mais perto de "Onze homens e um segredo" -, mas é fato que, como ficou, "O agente da U.N.C.L.E." é uma divertidíssima e elegante comédia de ação, infelizmente não tão bem-sucedida quanto deveria.

Longe de ter sido um fiasco nas bilheterias, "O agente da U.N.C.L.E." tampouco chegou a ser o estouro que a Warner esperava - rendeu pouco mais de 100 milhões de dólares pelo mundo, decepcionando os executivos que sonhavam com uma nova franquia milionária. O erro, no entanto, está menos no filme - um perfeito exercício de entretenimento descompromissado - do que no fato de que a série, lançada em 1964, é bem menos popular, por exemplo, do que "Missão: impossível" (cujo "Nação secreta" também estreou em 2015, com mais sucesso), e no erro de cálculo de colocar o filme nos cinemas justamente em uma temporada recheada de outras produções que lidavam com espionagem e temas afins. Entre personagens já comprovadamente aceitos pelas plateias - "007 contra Spectre" - e filmes com ambições mais sérias - "O jogo da imitação" e "Sicário" -, o trabalho de Ritchie acabou comprimido entre tantas opções consideradas mais relevantes. Azar de quem perdeu: esteticamente caprichado (da fotografia de John Mathieson até a reconstituição de época criativa e não necessariamente realista), dotado de um ritmo e um senso de humor inteligente e com um elenco perfeitamente escalado, "O agente da U.N.C.L.E." é um produto que consegue aliar a personalidade marcante de seu diretor com as regras estabelecidas pelo cinemão comercial hollywoodiano. Casando com perfeição suas tendências iconoclastas com os clichês dos filmes de ação, Guy Ritchie consegue ser mais bem-sucedido até mesmo do que em seus maiores êxitos financeiros até então - os dois filmes "Sherlock Holmes", estrelados por Robert Downey Jr. e Jude Law.


A ideia de Ritchie de contar a história do começo da U.N.C.L.E. (United Network Command for Law and Enforcement), nunca retratada na série de televisão, é o primeiro acerto do roteiro. No programa da década de 60, agentes da CIA e da KGB já uniam esforços mesmo em plena Guerra Fria, mas nunca foi explicado como essa aliança tão inusitada se formou. A partir daí, Ritchie juntou-se ao coprodutor Lionel Wigram e, assumindo a responsabilidade de dar vida a uma trama que mesclasse a mitologia da série (afinal os fãs seriam parte do público-alvo) e momentos de ação e comédia, explorando o estilo do cineasta e a receita de boa parte dos filmes com ambição ao sucesso. Surgia, então, um intrincado enredo que colocava no mesmo balaio um agente norte-americano, um espião soviético, um cientista capaz de criar uma bomba atômica e sua bela e voluntariosa filha mecânica - claro que uma pitada de romance não poderia faltar, especialmente quando se tenta também atingir um público feminino que há muito não aceita mais ser representado na tela por donzelas desprotegidas. O agente americano, Napoleon Solo (Henry Cavill, o Superman de Zack Snyder em pessoa) é um ex-criminoso cooptado pela CIA para usar seus talentos para o bem da sociedade: ele é enviado à Alemanha Ocidental para encontrar Gaby Teller (Alicia Vikander, antes do Oscar por "A garota dinamarquesa" e em papel oferecido à Emily Blunt), a filha de um cientista com conhecimento suficiente para dar início à confecção de uma bomba nuclear. Segundo a agência, somente Gaby pode levá-los até seu pai, desaparecido mas provavelmente em contato com seu irmão, que vive na Itália. Para colaborar na operação, a KGB oferece os serviços de Illya Kuryakin (Armie Hammer), cuja personalidade volátil e imprevisível contrasta com os modos suaves de Solo. Juntos, os três irão deixar de lado suas diferenças e tentar impedir que o pior aconteça - e empresários ambiciosos consigam financiar uma guerra nuclear.

Com cenas de ação milimetricamente calculadas, piadas engraçadíssimas a respeito das diferenças culturais entre americanos e russos e um visual arrebatador, "O agente da U.N.C.L.E." é uma diversão das mais admiráveis. Mesmo que a trama por vezes escorregue em uma complexidade desnecessária (o que, aliás, deve ser proposital, como forma de homenagear os filmes de James Bond), é impossível desgostar do resultado final. A química entre Cavill e Hammer é irretocável, e Alicia Vikander oferece o charme e a sutileza que o filme precisa. Por ironia, Cavill fez teste para viver Kuryakin, mas dificilmente outro ator estaria mais à vontade como Napoleon Solo do que ele - e olha que muita gente foi considerada para o papel, desde Joseph Gordon-Levitt, Ryan Gosling e Chris Pine até os mais experientes Matt Damon, Michael Fassbender e Ewan McGregor. Já Armie Hammer, aplaudido pela crítica graças a trabalhos mais sérios, como "A rede social" (2010) e "J. Edgar" (2012), demonstra um precioso timing cômico, que abre ainda mais possibilidades em sua carreira abalada pelo tenebroso "O Cavaleiro Solitário" (2013). Juntos, os dois atores formam um par carismático e sedutor, algo como Butch Cassidy e Sundance Kid da Guerra Fria. Quanto à direção de Guy Ritchie, nada a reclamar. Tudo que ele tem de melhor está em cena - o humor, a edição ágil, o ritmo, o talento para direção de atores - e revestido com uma sofisticação nunca vista até então. Uma pena que nem todo mundo valorizou o produto final, que ainda há de ser descoberto como uma pequena pérola de sua época.

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