sexta-feira

SHINE: BRILHANTE

SHINE: BRILHANTE (Shine, 1996, Fine Line Pictures, 104min) Direção: Scott Hicks. Roteiro: Scott Hicks, estória de Jan Sardi. Fotografia: Geoffrey Simpson. Montagem: Pip Karmel. Música: David Hirschfelder. Figurino: Louise Wakefield. Direção de arte/cenários: Vicki Niehus/Tony Cronin. Produção: Jane Scott. Elenco: Geoffrey Rush, Noah Taylor, Armin Mueller-Stahl, Lynn Redgrave, John Gielgud, Alex Rafalowicz, Marta Kaczmarek, Googie Withers. Estreia: 21/01/96 (Festival de Sundance)

7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Scott Hicks), Ator (Geoffrey Rush), Ator Coadjuvante (Armin Mueller-Stahl), Roteiro Original, Montagem, Trilha Sonora Original
Vencedor do Oscar de Melhor Ator (Geoffrey Rush)
Vencedor do Golden Globe de Melhor Ator/Drama (Geoffrey Rush) 

Se é justo afirmar que todo gênio tem uma alma torturada, ninguém serve como maior exemplo disso do que o australiano David Helfgott: pressionado desde a infância a superar seu próprio brilhantismo ao piano, ele lutou bravamente para encontrar seu próprio caminho - a despeito dos desejos dúbios de seu pai superprotetor - e, mesmo depois de uma devastadora crise nervosa que o afastou dos palcos por décadas, nunca abandonou sua paixão pela música. A história de Helfgott - redescoberta depois de seu retorno aos holofotes - é inspiradora e emocionante, e como não poderia deixar de ser, interessou aos produtores de cinema. Para sorte de todos, porém, não foi Hollywood e sua tendência em exagerar na sacarose quem levou sua trajetória às telas. Produzido na Austrália e dirigido por um até então desconhecido cineasta e documentarista, "Shine: brilhante" estreou no Festival de Sundance em janeiro de 1996 e, desde então, passou a colecionar prêmios, principalmente devido à sua maior contribuição à sétima arte: a revelação do ator Geoffrey Rush às plateias.

Já na casa dos quarenta anos quando estrelou o filme de Scott Hicks - que nunca mais acertou a mão no cinema -, Rush era conhecido na Austrália por sua vitoriosa carreira nos palcos, mas foi sua interpretação como David Helfgott em sua fase madura que lhe abriu as portas de Hollywood. Seu desempenho não apenas o tornou um nome bem considerado pelos produtores como lhe rendeu todos os prêmios da temporada. Além da vitória junto aos críticos de Boston, Los Angeles e Nova York, ele ainda conquistou uma raríssima unanimidade junto às cerimônias de premiação mais populares: levou pra casa um Oscar, um Golden Globe, um BAFTA, uma estatueta do Critic's Choice Awards e a aprovação dos colegas com um Screen Actor Guild Award. Haja prateleira para tantos prêmios, mas é impossível negar que o desempenho de Rush é um dos pontos fortes de "Shine". Mesmo que ele mal apareça em cena até depois da metade da história (antes disso ele surge apenas no prólogo, que mostra ao público sua inusitada "redescoberta"), é ele quem fica na memória do espectador depois dos créditos finais, graças à excentricidade visceral de sua performance.


Antes que Rush surja na tela e domine o espetáculo, no entanto, outro ator - igualmente impecável em sua atuação - já prepara o terreno. Como o jovem Helfgott, o britânico Noah Taylor encara o desafio de dar vida ao pianista nos momentos mais críticos de sua jornada - seus embates com o pai, sua decolagem artística e a crise psiquiátrica que interrompeu sua carreira. Com segurança ímpar, Taylor percorre terrenos perigosos sem jamais cair em armadilhas ou clichês (mérito também da direção de Scott Hicks) e conquista a audiência com sua mistura de inocência e autoconfiança - um conjunto de qualidades que o empurra em direção ao abismo e à manipulação paterna. Armin Mueller-Stahl - indicado ao Oscar de ator coadjuvante - brilha no papel do patriarca Peter, um homem atormentado pelo passado em campos de concentração e que, apesar de acreditar no talento do filho (e incentivá-lo a ultrapassar seus limites), não concebe a possibilidade de separar a família, e com isso antecipa a tragédia que vem a seguir. Mais do que simplesmente abraçar o caminho mais fácil e fazer de seu personagem um vilão unidimensional, Mueller-Stahl concede a ele o dom de uma profundidade maior, em que cabe o medo, o amor e uma rigidez que nem sempre disfarça o orgulho do filho.

Interpretado ainda por Alex Rafalowicz em sua versão infantil, David Helfgott é um personagem quase inacreditável - e que chamou a atenção até mesmo do veterano Dustin Hoffman, que se interessou em interpretá-lo. Dono de uma personalidade peculiar, com trejeitos próprios e uma linguagem corporal pouco comum, o músico era um convite tentador ao exagero, mas "Shine" consegue o feito raro de contar sua história sem apelar para o sentimentalismo. Não à toa, conquistou a Academia de Hollywood e chegou à festa do Oscar com sete indicações, inclusive melhor filme, diretor e roteiro original - além das lembranças a Rush e Mueller-Stahl. A edição (que também concorreu à estatueta, mas perdeu para o grande vencedor do ano, "O paciente inglês") valoriza a estrutura da trama (que explora com inteligência o uso de flashbacks), e a trilha sonora, que conta com obras de Rachmanioff (das mais difíceis de se executar, segundo especialistas) como pano de fundo, são outros elementos cruciais para o sucesso do filme - que emociona, surpreende e encanta sem apelar para lágrimas fáceis. Um belo trabalho!

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