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A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE


A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE (La prima notte di quete, 1972, Mondial Televisione Film/Adel Productions/Valoria Films, 132min) Direção: Valerio Zurlini. Roteiro: Valerio Zurlini Enrico Medioli, estória de Valerio Zurlini. Fotografia: Dario Di Palma. Montagem: Mario Morra. Música: Mario Nascimbene. Figurino: Luca Sabatelli. Direção de arte/cenários: Enrico Tovaglieri/Franco Gambarana. Elenco: Alain Delon, Sonia Petrova, Giancarlo Giannini, Renato Salvatori, Alida Valli, Salvo Randone, Lea Massari, Patrizia  Adiutori. Estreia: 18/10/72

Dentre os cineastas italianos celebrados nas décadas de 1960 e 1970, o nome do italiano Valerio Zurlini frequentemente é lembrado com o respeito reservado a Fellini, Bertolucci, Antonioni e Rosselini. Dono de um estilo discreto, que valorizava o visual em comunhão com um tom existencialista, Zurlini chegou a ganhar um prêmio no Festival de Veneza (em 1962, pelo filme “Dois destinos”, estrelado por Marcello Mastroianni e Jacques Perrin), mas sua obra mais conhecida – e ainda assim por uma parcela do público que nem de longe faz jus à sua qualidade dramática – é “A primeira noite de tranquilidade”. Lançado em 1972 como capítulo final da chamada Trilogia do Amor – que conta também com “Verão violento” (1959) e “A moça com a valise” (1961) -, o drama romântico estrelado por Alain Delon deixa claro ao espectador porque Zurlini era considerado o poeta da melancolia e da desilusão amorosa.

Delon, em uma das melhores atuações de sua carreira, vive Daniele Dominici, professor de Literatura que chega à pequena cidade de Rimini para substituir um colega de licença. Entediado com a rotina modorrenta do local – e com a falta generalizada de interesse por parte de seus alunos -, o novo professor se junta a um grupo que diminui as frustrações da vida com jogatina, festas em boates e bebedeiras. Sua vida, perdida em um cotidiano sem expectativas – e dividida com a esposa depressiva, com quem mantém um relacionamento puramente de aparências – sofre um baque quando ele percebe estar irremediavelmente atraído por Vanina (Sonia Petrova), uma bela e misteriosa aluna, namorada de um jovem milionário da cidade, que usa de seu poder econômico para humilhá-la sempre que possível. Apaixonado pela sensibilidade de Vanina e soterrado pela tristeza que o acompanha e sublinha a atmosfera melancólica de Rimini, Daniele vislumbra a possibilidade de finalmente encontrar um caminho que fuja da dor de sua existência. Porém, o que o atrai em Vanina é justamente o que pode lhes separar: uma visão pessimista da vida e a força avassaladora da realidade.

  

O inteligente roteiro de ”A primeira noite de tranquilidade” não se contenta apenas em contar uma história de amor ameaçada pela sensação de derrota: Zurlini espalha por seu filme referências literárias e artísticas que elevam sua produção a um nível intelectual acima da média. Através de conversas aparentemente banais, o público pode reconhecer citações de Stendhal, D.H. Lawrence, Dante, Shakespeare e Goethe (autor do poema que dá origem ao título original do filme) e o cineasta não hesita em utilizar-se de escultura renascentistas para ilustrar passagens de extrema beleza – até mesmo como metáfora das aspirações puras e utópicas de seus personagens. O estilo literário do cineasta fica bastante patente, da mesma forma, em sua opção de oferecer a seus atores longos diálogos, que contrastam com o ritmo veloz do cinema que entrava em voga nos anos 1970. Seus personagens se movem lentamente rumo à um destino que já julgam traçados anteriormente, e a edição não apressa sua jornada – pelo contrário, parece apenas contemplar, com olhos de ressaca, uma tragédia anunciada.

Relegado a um injusto segundo plano na história do cinema italiano – ao menos em termos de popularidade -, Valerio Zurlini transmite, em seu “A primeira noite de tranquilidade” um senso de inevitabilidade do destino que exala de cada cena, de cada diálogo, de cada personagem. A fascinante sequência em uma boate, em que Daniele e Vanina se encaram apaixonados, alheios ao caos à sua volta, talvez seja o melhor exemplo de seu estilo sensível e contundente: ao som da bela “Domani è un altro giorno”, na voz de Ornella Vanoni, seus protagonistas experimentam um momento de paz antes da tormenta – e convidam o espectador a juntar-se a eles em um mergulho triste e melancólico rumo à noite em que finalmente se pode dormir sem sonhar. “A primeira noite de tranquilidade” é uma pérola escondida no meio de dezenas de prouções europeias de seu tempo. Vale a pena procurá-la.

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