terça-feira

UM CLARÃO NAS TREVAS


UM CLARÃO NAS TREVAS (Wait until dark, 1967, Warner Bros, 108min) Direção: Terence Young. Roteiro: Robert Carrington, Jane Howard-Hammerstein, peça teatral de Frederick Knott. Fotografia: Charles Lang. Montagem: Gene Milford. Música: Henry Mancini. Direção de arte//cenários: George Jenkins/George James Hopkins. Produção: Mel Ferrer. Elenco: Audrey Hepburn, Alan Arkin, Richard Crenna, Efrem Zimbalist Jr., Jack Weston, Samantha Jones, Julie Herrod. Estreia: 26/10/67

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Audrey Hepburn)

Durante a II Guerra Mundial, a então adolescente Audrey Hepburn, de 16 anos de idade, servia como enfermeira voluntária em um hospital holandês. Quando vários soldados aliados chegaram em busca de cuidados depois da batalha de Arnhem, a futura bonequinha de luxo cuidou de um jovem paraquedista inglês chamado Terence Young - sem jamais poder imaginar que, mais de vinte anos depois, ele seria o diretor de seu primeiro e único filme de suspense, "Um clarão nas trevas". Último filme de Hepburn antes de um hiato autoimposto de quase uma década - ela só voltaria às telas em "Robin e Marian", de 1976 -, a adaptação da peça teatral de Frederick Knott foi um dos grandes êxitos de bilheteria de 1967, em parte graças à engenhosa campanha de marketing que remetia aos ensinamentos de Hitchock, e em parte devido à curiosidade do público em acompanhar uma de suas atrizes mais queridas rumo à escuridão de um gênero que, a despeito de seu sucesso comercial, nunca foi considerado dos mais nobres pela indústria de Hollywood. O fato de Hepburn ter arrebatado uma indicação ao Oscar por seu desempenho - ao lado de Anne Bancroft ("A primeira noite de um homem"), Faye Dunaway ("Bonnie& Clyde: uma rajada de balas") e Katharine Hepburn (a vencedora, por "Adivinhe quem vem para jantar") - diz mais sobre o prestígio da estrela do que pela boa vontade da Academia em homenagear uma produção cujo maior objetivo é assustar a plateia - ainda que ela faça isso com extrema destreza.

Young, cujos créditos incluem três filmes de James Bond dos anos 1960 - "O satânico Dr. No" (1962), "Moscou contra 007" (1963) e "007 contra a chantagem atômica" (1965) - se demonstra um artesão competente ao explorar todas as possibilidades visuais de roteiro que nem sempre consegue escapar de suas origens teatrais - no palco a peça de Knott contava com as presenças de Lee Remick e Robert Duvall. O excesso de diálogos (nem todos indispensáveis) é o maior problema, uma vez que outra característica típica de produções adaptadas do teatro (o cenário único) serve para ampliar o tom claustrofóbico da trama e encaminhar o filme para seu clímax - minutos onde a tensão atinge seu nível máximo especialmente quando assistidos no escuro (daí a campanha de marketing que insistia que todas as salas e exibição ficassem completamente às escuras para melhor resultado). Este último ato, que apresenta o confronto entre mocinha e vilão com inteligência e impecável senso narrativo, compensa o ritmo irregular da produção até então e oferece ao público o que de melhor o cinema de suspense pode oferecer.

 

"Um clarão nas trevas" começa com a única sequência fora do cenário principal do filme, quando o espectador é apresentado a uma boneca recheada de heroína que chega à Nova York, vinda do Canadá, pelas mãos de uma atraente jovem (Samantha Jones), que, por motivos não revelados, a entrega a um desconhecido. Este desconhecido é (Efrem Zimbalist Jr.), um fotógrafo casado com Susy (Audrey Hepburn), uma mulher ainda tentando acostumar-se com sua nova rotina como deficiente visual, consequência de um acidente de carro. O que o casal não sabe é que tal boneca é o objeto do desejo de uma gangue perigosa e violenta, liderada pelo cruel Harry Roat (Alan Arkin), que não hesita em matar quem quer que atravesse seu caminho. Com a ajuda de seus dois companheiros, o sedutor Mike (Richard Crenna em papel para o qual foi Robert Redford foi considerado) e o quase atrapalhado Galindo (Jack Weston), ele se introduz no universo de Susy disposto a recuperar o artefato - e encontra uma resistência completamente inesperada.

Realizado como uma tentativa de salvar o casamento de Audrey Hepburn e do produtor Mel Ferrer, "Um clarão nas trevas" não obteve sucesso neste ponto específico - o relacionamento acabou no ano seguinte - mas tornou-se um campeão de bilheteria e reafirmou o poder comercial da atriz. É bem provável que nem mesmo Julie Andrews (também cotada para o papel central), no auge de sua popularidade na década de 1960, fosse capaz de atrair o público da mesma forma que Hepburn. Não deixa de ser sintomático que, anos mais tarde, o ator Alan Arkin tenha revelado que só ficou com o papel porque nenhum ator queria ficar marcado por um personagem capaz de machucar a atriz (mesmo na ficção). Arkin chegou a declarar, em tom de brincadeira, que um dos motivos pelos quais não foi indicado ao Oscar de coadjuvante por sua atuação (segundo Stephen King, uma das melhores encarnações do mal no cinema) tem a ver com o fato de que "ninguém é indicado ao Oscar por ser mau com Audrey Hepburn!" Brincando ou não, Arkin até tem um pouco de razão. Seu personagem até pode causar arrepios no espectador, mas é Hepburn quem domina o filme e justifica seu sucesso de bilheteria. Sua única incursão no suspense é, também, um dos vários pontos fortes de sua carreira.

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