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CULPADO POR SUSPEITA


CULPADO POR SUSPEITA (Guilty for suspicion, 1991, Warner Bros, 105min) Direção e roteiro: Irwin Winkler. Fotografia: Michael Ballhaus. Montagem: Priscilla Nedd. Música: James Newton Howard. Figurino: Richard Bruno. Direção de arte/cenários: Leslie Dilley/Nancy Haigh. Produção executiva: Steven Reuther. Produção: Arnon Milchan. Elenco: Robert DeNiro, Annette Bening, George Wendt, Chris Cooper, Patricia Wettig, Sam Wanamaker, Luke Edwards, Ben Piazza, Martin Scorsese, Tom Sizemore. Estreia: 15/3/91

Levando-se em consideração que o cinema foi um dos ramos mais atingidos pela  famigerada caça às bruxas promovida pelo Senador republicano norte-americano Joseph McCarthy na década de 1950 - que, sob o pretexto de salvar os EUA do comunismo, ceifou carreiras e reputações, arruinando vidas e famílias inteiras - até que demorou para que Hollywood tratasse do assunto com a seriedade merecida. Talvez por medo de tocar em uma ferida ainda dolorida mesmo depois de quarenta anos, os executivos  evitaram, por décadas, ressuscitar um fantasma que havia posto colegas contra colegas e deixado a indústria em tensão constante por um longo e tenebroso período. Foi somente em 1991 que a Warner Bros finalmente rompeu a barreira de silêncio e lançou "Culpado por suspeita" - uma produção classuda, estrelada por um astro de primeira grandeza (Robert DeNiro) e que marcava a estreia na direção de um produtor consagrado - Irwin Winkler, o nome por trás de clássicos contemporâneos, como "Touro indomável" (1980), "Os eleitos" (1983) e "Os bons companheiros" (1990). Tais créditos, no entanto, não impediram que o filme fracassasse nas bilheterias - o que era, de certa forma, esperado, devido à seriedade do tema, pouco atrativo ao público médio - e falhasse na tentativa de arrebatar estatuetas do Oscar - não apenas por ter estreado longe do período mais propício à atenção da Academia mas por sua falta de brilho e personalidade.

 


Morno e quase apático - a despeito do tema explosivo -, "Culpado por suspeita" provavelmente perdeu sua chance de ser a obra definitiva sobre o macartismo (ou ao menos uma produção memorável e relevante artisticamente) logo em sua gênese. Ao assumir o projeto, uma das primeiras coisas que Winkler fez foi trabalhar em alterações no roteiro original de Abraham Polonsky e transformar David Merill, seu personagem principal, de comunista assumido em um menos "perigoso" liberal. Polonsky - ele mesmo uma vítima da lista negra promovida pelas investigações de McCarthy - sentiu-se pessoalmente ofendido com a mudança e não fez a menor questão de esconder a insatisfação com a novidade. Segundo ele - e com razão, a história não era sobre alguém falsamente acusado e sim sobre alguém que tinha plena consciência de suas visões políticas e se recusava a abrir mão de seus ideais. Polonsky se identificava com o protagonista e sua integridade a tal ponto que simplesmente obrigou a retirada de seu nome dos créditos também na função de produtor executivo (o que poderia lhe render dividendos, caso o filme se tornasse um hit). A opção de Winkler em tornar Merrill um liberal teve suas razões comerciais - um filme sobre um cineasta comunista certamente incomodaria muita gente - mas acabou por mostrar-se quase tão covarde quanto àqueles que tenciona criticar em sua trama. Isso e o excesso de didatismo acabaram diminuindo o impacto que o filme poderia ter.

O roteiro de Winkler - depois das alterações feitas para desgosto de Polonsky - tenta ser acessível até mesmo ao público que desconhece detalhes das investigações promovidas pelo Comitê de Atividades Antiamericanas, mas esbarra em uma profusão de cenas redundantes, que fazem com que o filme, apesar de suas intenções quase louváveis, pareça andar em círculos. Os personagens constantemente repetem o que a plateia já cansou de ouvir - todas as cenas em que Merrill tenta ser convencido a testemunhar diante do comitê, por exemplo, soam incomodamente semelhantes, e nem mesmo o talento superlativo de Robert DeNiro é capaz de disfarçar tamanha falta de criatividade. Aliás, se há algo em que "Culpado por suspeita" se escora com sucesso é em seu elenco: além de DeNiro (que mesmo sem estar em um momento particularmente memorável da carreira ainda é um ator fenomenal), Winkler conta com a estrela (então) em ascensão Annette Bening (no mesmo ano em que estaria no elenco do aclamado "Bugsy", ao lado do marido Warren Beatty), o ainda pouco conhecido Chris Cooper, a ótima Patricia Wettig (que anos mais tarde estaria no elenco da série "Brothers and sisters") e até mesmo Martin Scorsese em um de seus raros trabalhos como ator (na pele de um cineasta perseguido que prefere abandonar os EUA a delatar amigos, uma história que espelha a do veterano Joseph Losey). Com atores tão bons em mãos (além do veterano Sam Wanamaker, que esteve, assim como o roteirista original, Abraham Polonsky, na lista de profissionais impedidos de trabalhar), Winkler tropeça ao apresentar um filme burocrático que somente em seu terço final consegue empolgar - e mesmo assim o faz ao colocar na boca de seu protagonista um discurso real ouvido no Comitê: o do advogado Joseph N. Welch.

A trama de "Culpado por suspeita" acompanha o consagrado cineasta David Merrill (DeNiro), que retorna da Europa aos EUA, no começo dos anos 1950, e encontra Hollywood em polvorosa com a caça aos comunistas promovida pelo Senador Joseph McCarthy. Merrill - citado como provável membro do partido por ter participado de reuniões anos antes - passa a ser pressionado pelo comitê e até mesmo por colegas para testemunhar e, obviamente, listar nomes que possam ser punidos por suas atividades. Impedido de trabalhar até que concorde em fazer parte da lista de delatores, Merril vê sua vida ruir em questão de semanas. Sem emprego, dinheiro ou oportunidades, ele recorre à família como porto seguro: a ex-mulher, Ruth (Annette Bening), e o filho pequeno. Enquanto mantém firme sua integridade, porém, o cineasta fica atônito ao perceber que nem todo mundo tem a mesma força de caráter. Tal constatação o leva a questionar a força devastadora da mentira e do medo - uma reflexão contada de forma muito mais ousada e memorável em "Boa noite, e boa sorte" (2005), filme de George Clooney que retratava o mesmo período histórico mas dentro do universo televisivo, assim como a comédia "Testa-de-ferro por acaso", estrelada por Woody Allen em 1977. Importante apenas por ser o primeiro filme a resgatar o assunto dentro do mundo do cinema, "Culpado por suspeita" é uma produção agradável e interessante - mas jamais ultrapassa os limites que impôs a si mesma. Uma pena.

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